A equipe da GRA, de Duque de Caxias, em treinamento para a implantação da nova jornadaFoto: Arquivo Pessoal

No Brasil, um movimento em direção à jornada de trabalho de quatro dias está ganhando impulso, refletindo uma mudança cultural significativa que prioriza tanto a qualidade de vida quanto a eficiência no trabalho. Inspirado por modelos internacionais bem-sucedidos em países como Reino Unido, Bélgica, e Japão, este novo esquema de trabalho visa não apenas a uma redefinição da semana laboral, mas também ao avanço em termos de equilíbrio entre vida pessoal e profissional.
De acordo com o professor Hermano Roberto Thiry-Cherques, da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV/EBAPE), dados de uma pesquisa realizada pela instituição britânica International Stress Management Association (ISMA) apontaram o Brasil entre os países com as mais longas jornadas de trabalho e altos índices de estresse profissional. "Mais horas trabalhadas não significam maior produtividade. Isso é uma dificuldade que o Brasil precisa superar urgentemente, pois está gerando um prejuízo enorme para o País", destaca Thiry-Cherques.
A empresa de coworking WeWork, em parceria com a Page Outsourcing, especializada em recrutamento, realizou uma pesquisa sobre o nível de satisfação do trabalho no Brasil. Entre os entrevistados, 78% afirmam que mudariam de emprego devido a questões de flexibilidade. Outro dado importante apontou que 72% dos participantes acreditam que renderiam melhor com uma jornada reduzida para quatro dias.
Tendência já aportou no Brasil
Apesar de já ser uma realidade de outros países, o Brasil ainda está engatinhando na transformação do ambiente corporativo para a nova modalidade. Em julho, a associação 4dayweekbrazil (quatro dias na semana Brasil) se uniu à Reconnect Happiness at Work (Reconectar alegria ao trabalho). Elas iniciaram um projeto piloto para preparar algumas empresas à jornada reduzida. Após a realização de uma inscrição on-line e processos seletivos, cerca de 20 companhias participaram de treinamentos e workshops e, desde setembro, diminuíram a carga horária dos colaboradores.
Representante do Rio de Janeiro, a GRA Assessoria Contábil, localizada em Duque de Caxias, aderiu ao novo formato. "Começamos pela comunicação juntamente com o setor de departamento pessoal, e o resultado tem sido positivo. Na minha opinião, a proatividade está ligada em gestão de pessoas. Pessoas bem treinadas, com qualificação e em um ambiente positivo produzem muito mais", avalia Anderson Gandra, 39 anos e sócio-fundador da empresa.
 
Anderson Gandra, 39 anos, sócio-fundador da GRA Contabilidade - Foto: Arquivo Pessoal
Anderson Gandra, 39 anos, sócio-fundador da GRA ContabilidadeFoto: Arquivo Pessoal
Gandra ressaltou a importância de monitoramento dos resultados, mas sem esquecer de valorizar o bem-estar dos colaboradores. "Desde que implementamos a nova jornada, a empresa tem crescido entre 5% a 10%, e eu consigo avaliar por vários indicadores, como fechamentos de contratos e quantidade de atendimentos. Apesar de ser nosso ramo, costumo dizer que não vendemos contabilidade; vendemos atendimento ao cliente", explica. Para ele a qualidade de vida do colaborador tem sido fundamental para alcançar os resultados: "Eu tenho profissionais satisfeitos e saudáveis. Costumo dizer que, aqui na empresa, não existe vida profissional e vida pessoal: existe vida", concluiu.
"Mamãe, quando você não vai trabalhar?"
Assistente de DP na GRA, Geisiliane de Oliveira Silva, 32 anos, conseguiu permanecer no mercado de trabalho graças à redução na jornada. Após entrar na empresa em 2021, ela precisou sair para se dedicar a um tratamento da filha, à epoca com 3 anos, e pediu demissão. Retornou em 2022 como freelancer, mas a recontratação efetiva veio após a possibilidade de ter uma folga semanal.
A assistente de RH, Geisiliane de Oliveira Silva, 32 anos - Foto: Arquivo Pessoal
A assistente de RH, Geisiliane de Oliveira Silva, 32 anosFoto: Arquivo Pessoal
Ela contou que o trabalho é organizado pela própria equipe. Quando alguém tira folga, já deixa as demandas prontas com antecipação, de modo que não sobrecarregue nenhum colega. Caso haja alguma intercorrência, um dos profissionais assume e, assim, todos conseguem tirar o dia extra de descanso.
"Eu consigo ver minha filha crescer, levar no médico, participar da vida escolar escolar dela. E para não sobrecarregar nem a mim nem à equipe, eu adianto o trabalho em um dia, para no outro conciliar com a minha vida pessoal", disse. Geisiliane disse que a filha, hoje com 5 anos, já quer saber o dia livre da mãe. "Como nós fazemos escala de folgas, ela me pergunta: Mamãe, quando você não vai trabalhar?", contou.
Desafio para os empresários brasileiros

Segundo Alexandre Slivnik, vice-presidente da Associação Brasileira de Treinamento e Desenvolvimento (ABTD), antes da aplicação da jornada é preciso avaliar as questões positivas e negativas relacionadas a esse movimento. "Ele já é oficial em alguns países e agora chegou ao Brasil. Naturalmente há uma série de implicações positivas, sendo a maior delas o aumento do nível de satisfação dos funcionários, que passam a ter mais tempo de descanso", explica.
 
O empresário Alexandre Slivnik acredita que o maior desafio está na cultura das empresas - Foto: Arquivo Pessoal
O empresário Alexandre Slivnik acredita que o maior desafio está na cultura das empresasFoto: Arquivo Pessoal
De acordo com Slivnik, que também é empresário, o maior desafio para as empresas é adequar a nova rotina à cultura corporativa de cada companhia: "Se existe uma cultura de confiança e liberdade, a possibilidade de sucesso aumenta, já se é o ambiente é de pressão e controles excessivos, essa implantação pode ser mais difícil.

Projetos de lei em pauta

Essa tendência é amparada pela legislação e políticas públicas. No Brasil, a jornada de trabalho padrão, segundo a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é de até 44 horas semanais — Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomenda 40 horas. Está em tramitação no Congresso Nacional a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 231/1995, que busca alinhar o País a essa norma. Contudo, essa proposta, apresentada há quase três décadas, ainda aguarda votação.
No entanto, o tema voltou ao centro do debate político com dois projetos de lei que pretendem alterar a atual constituição trabalhista. Um deles é do senador Paulo Paim (PT-RS), que se encontra na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) aguardando parecer. O parlamentar informou estar tratando do tema dentro do ciclo de debates sobre o Novo Estatuto do Trabalho na Comissão de Direitos Humanos (CDH).
A outra proposta foi apresentada pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), em 2019. De acordo com o texto, a Constituição seria alterada para reduzir a jornada de trabalho a 36 horas semanais. Diferentemente do projeto que está no Senado, o texto propõe um prazo de dez anos para a ideia ser colocada em prática. Segundo os cálculos do parlamentar, a medida poderá gerar mais de 500 mil novos empregos somente nas regiões metropolitanas.

“Esta redução poderia impulsionar a economia e levar à melhoria do mercado de trabalho. Isto permitiria a geração de novos postos, diminuição do desemprego, da informalidade, da precarização, aumento da massa salarial e da produtividade. Teria como consequência o crescimento do consumo”, avalia o deputado.
Ambas as propostas se baseiam em um estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), que afirma que a redução da jornada para 40 horas semanais geraria mais de 3 milhões de novos postos de trabalho.
Juristas de olho nos desdobramentos

"Se a nova lei por abrir margem para discussão, é necessário entender a natureza do trabalho", destaca o advogado trabalhista Jonas Figueiredo, da BW Advogados, com 13 anos de experiência na área. O especialista ressalta que enquanto em algumas áreas, como a informática, é possível avaliar a produtividade com jornadas reduzidas, em outras, como as atividades ligadas à área da saúde, a implantação se torna mais difícil. "Alguns casos são muito difíceis de avaliar a produtividade. Às vezes, o tempo é o principal ativo do trabalho", explica.

Figueiredo também alerta para os riscos que envolvem a modalidade. Segundo ele, os empregadores poderiam tentar burlar as regras para parecerem "modernos" e acarretar em um tema muito comum nos ambientes corporativos — o assédio. "A ideia da lei é que uma jornada de quatro dias garantiria um descanso maior para que as pessoas produzam mais. No entanto, isso também pode abrir espaço para riscos de assédio. O trabalhador poderia, por exemplo, bater ponto por quatro dias e trabalhar cinco para burlar as regras", disse.