O texto que regulamenta a primeira parte da Reforma Tributária foi aprovado pela Câmara dos Deputados na segunda de semana de julho, após uma longa negociação entre parlamentares da oposição e do atual governo. A votação teve 336 votos a favor e 142 contra. O texto segue para o Senado. A ideia do Ministério da Fazenda, de acordo com o próprio Governo Federal, é simplificar o complicado sistema tributário do país.
A proposta substitui cinco tributos considerados pela pasta como "extremamente disfuncionais" — PIS, Cofins, ICMS, ISS e IPI — por um IVA Dual de padrão internacional, composto pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), federal, e pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), subnacional (de estados e municípios).
Essa transição será feita entre 2026 e 2032. Até lá, a Câmara determinou que o IVA fique em 26,5%. No entanto, há outras mudanças como a isenção da alíquota de produtos da cesta básica, o cashback de impostos e o Imposto Seletivo, também chamado de "Imposto do Pecado".
Para o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esta "é a mais importante das reformas, porque ela organiza o sistema produtivo, coloca o Brasil em compasso com o que tem de mais moderno no mundo". Confira algumas mudanças:
Produtos com alíquota zerada e reduções
A cesta básica nacional foi ampliada e passou a incluir a carne entre os itens com alíquota zero. Isto inclui carnes bovina, suína, ovina, caprina e de aves e produtos de origem animal (exceto foie gras), miudezas comestíveis de ovinos e caprinos.
Peixes (exceto salmonídeos, atuns; bacalhaus, hadoque, saithe e ovas e outros subprodutos) também terão isenção.
Outros alimentos que também estarão isentos de impostos são arroz, leite fluido pasteurizado ou industrializado (incluindo leite em pó, integral, semidesnatado ou desnatado e fórmulas infantis), manteiga, margarina, feijões, raízes e tubérculos, cocos, café, óleo de soja, farinha de mandioca, farinha de milho e seus derivados, farinha de trigo, aveia, açúcar, massas alimentícias, pão do tipo comum, ovos, produtos hortícolas (exceto cogumelos e trufas), frutas frescas ou refrigeradas e frutas congeladas sem adição de açúcar.
Além disso, crustáceos (com algumas exceções) leite fermentado, bebidas e compostos lácteos, plantas e produtos de floricultura, diversos tipos de queijos, mel natural, mate, farinha e grumos de cereais, tapioca, massas alimentícias, sal de mesa iodado, sucos naturais de fruta ou de produtos hortícolas sem adição de açúcar, polpas de frutas sem adição de açúcar e óleos de milho e aveia terão um desconto de 60% na alíquota dos novos impostos.
Economista vê isenção benéfica para os mais pobres
Para o professor de economia e coordenador da Fundação Getúlio Vargas, Mauro Rochlin, a mudança será benéfica para as pessoas de renda mais baixa.
"Os produtos que irão compor a cesta básica gozarão de alíquota zero e consequentemente terão custos menores. A população de baixa renda será beneficiada com isso", afirmou.
Por outro lado, o ministro da Fazenda Fernando Haddad disse, em evento com jornalistas, dois dias após a aprovação na Câmara, que se sentia parcialmente derrotado com a inclusão das carnes. "O cashback era uma alternativa boa. Você em vez de zerar o imposto da carne para todo mundo, mantinha ele baixo, mas devolvia pra população de baixa renda".
Cashback e 'Imposto do Pecado'
A reforma introduz também o mecanismo de "cashback" para a população inscrita no Cadastro Único (CadÚnico), com renda per capita de até meio salário-mínimo. Esse sistema devolve 100% da CBS e 20% do IBS pagos em contas de energia elétrica, água, esgoto e gás natural. Para outros produtos, a devolução será de 20% da CBS e do IBS.
A exceção são os produtos prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, que pagarão o Imposto Seletivo, também chamado de "Imposto do Pecado". Alguns setores como o de cigarros, bebidas alcoólicas, bebidas açucaradas, embarcações e aeronaves, extração de minério de ferro, petróleo e gás natural, apostas e carros elétricos estão inclusos.
Gustavo Simões, advogado especialista em direito tributário, acredita que "a devolução de parte do imposto pago (cashback) pode beneficiar cerca de 73 milhões de pessoas de baixa renda no futuro", citando o número de pessoas inscritas no cadastro único que recebem até meio salário mínimo.
No entanto, não há confirmação de quando esta norma entraria em vigor, já que o texto prevê que a transição só será completa em 2033.
Categoria Nanoempreendedor
Entre as novidades trazidas pelo texto está a criação da categoria nanoempreendedor, que será isenta do Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição Social de Bens e Serviços (CBS). Mas, afinal, quais profissionais serão beneficiados?
A nova classificação engloba empreendedores individuais que faturam até R$ 40,5 mil por ano, ou seja, até 50% do limite de faturamento anual do microempreendedor individual (MEI) — ou tenha um faturamento mensal de até R$ 3.375.
Já neste caso, Rochlin acredita que a mudança não foi positiva. Ele cita que "a concessão de privilégios fiscais oculta eventuais problemas de baixa produtividade dos beneficiários".
Reforma é vista como positiva por especialistas, mas sem unanimidade
Visando a esclarecer se a Reforma Tributária é positiva ou não, O DIA conversou também com a economista formada pela Pontificia Universidad Católica de Chile, Maria David para avaliar a questão. Para ela, o saldo é positivo, mas há uma ressalva.
"A reforma constitui um avanço importante de modernização, simplificação e melhor a regressividade do sistema tributário brasileiro", disse a especialista. No entanto, ela também ressalta que "a pressão dos grupos de interesses prejudicou mais avanços".
Gustavo Simões também acredita que o saldo é positivo, porém gostaria de um debate mais amplo. "De maneira geral, a reforma é positiva, especialmente no que diz respeito à desburocratização. No entanto, uma mudança desta envergadura deveria ser discutida mais amplamente e com embasamento teórico, técnico e político, visando trazer estabilidade para todos os setores", citou.
Ele acredita que o novo sistema pode melhorar a compreensão dos contribuintes, um ponto que considera fundamental. "É crucial que o Brasil adote um sistema tributário simplificado, onde o contribuinte possa compreender claramente os motivos e os cálculos dos tributos que está pagando. Atualmente, essas informações não são claras devido à complexidade da sistemática tributária vigente".
Já para o consultor tributário Francisco Arrighi, a mudança deixou a desejar em alguns aspectos. "A reforma poderia ter oferecido mais mecanismos de apoio e simplificação para as pequenas empresas, que são a maior parte do tecido empresarial brasileiro e geram muitos empregos".
Ele também não enxerga claramente a simplificação que tanto foi prometida. "Mesmo se falando que a reforma visa a simplificar o sistema tributário, não é isso que tem sido observado até então. A reforma deveria ter buscado uma simplificação ainda maior do sistema tributário, reduzindo o número de alíquotas e exceções. Como a reforma será um processo continuo e gradativo, será fundamental acompanhar os seus resultados e realizar ajustes para garantir que ela atenda aos objetivos de simplificação, eficiência e justiça social".
Procurada, a de Secretaria Estadual de Fazenda do Rio de Janeiro também se posicionou. O órgão afirma que o Estado "compreende a simplificação e a modernização do sistema como grandes benefícios para o desenvolvimento econômico de todo o país". "Além disso, o Rio participa em conjunto com as demais unidades da Federação das discussões em torno da manutenção da autonomia dos estados na administração tributária de competência dos entes subnacionais", diz a nota.
A Secretaria Municipal de Fazenda também foi procurada, mas não atendeu à demanda. Parlamentares fluminenses de diferentes partidos também foram consultados, mas não houve resposta.
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