Rio - O empreendedorismo no Brasil ainda é marcado pela falta de oportunidades no mercado de trabalho. Segundo a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), cerca de 74,1% dos novos negócios no país são abertos ou mantidos por essa motivação. O desemprego impacta diretamente a vida de mais de 7,5 milhões de pessoas e, como forma de driblar a escassez, os brasileiros arregaçam as mangas e tomam a decisão de optar por alternativas fora do mercado formal, para ter a própria renda e suprir as necessidades básicas de sobrevivência. Mas o emprego de carteira assinada ainda é uma esperança.
Em geral, o empreendedor por necessidade é aquela pessoa que está desempregada há um certo tempo e não consegue se recolocar no mercado. Pode ser também aquele profissional que ficou longe do mercado de trabalho por muitos anos e está com dificuldades para conquistar uma recolocação. Esse cenário surge quando a pessoa se vê sem outras possibilidades de garantir o seu sustento.
"É uma alternativa para o trabalhador de gerar uma renda e, por conseguinte, acaba gerando uma renda mais rápida. Alguns desses profissionais, por ser um encanador, eletricista, que faz um transporte por um veículo de carga, conseguem pagar os seus compromissos de maneira mais rápida e atendem a uma demanda que falta naquele mercado", aponta Eduardo Maróstica, economista e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Essa foi a alternativa encontrada por Márcia Ribeiro, de 48 anos. Há cerca de cinco anos sem um emprego formal, ela tem trabalhado como manicure e moto girl — realiza coletas e entregas de documentos, encomendas e mercadorias. As novas ocupações surgiram depois de vivenciar a dificuldade decorrente da falta de vagas no mercado e precisar de meios para sustentar a família.
"Sou uma mulher que desde criança, aprendi a me virar. Fiz um curso de manicure, sou técnica em enfermagem, vigilante, já fui frentista. Sem oportunidade de carteira assinada, resolvi trabalhar por conta própria", relata.
Mesmo com experiência de mais de 10 anos na área de segurança patrimonial, ela ainda tem dificuldade de conseguir uma oportunidade. Segundo Márcia, a tecnologia é a grande barreira.
"Hoje está muito difícil, pois a tecnologia está avançada e eu não tenho muita prática. Eles nem estão aí para a minha experiência na função. Até comecei a fazer um curso de informática, mas veio a pandemia e eu parei", lamenta.
Ela conta ainda que já prestou concursos para área da saúde, mas a falta de tempo para se dedicar aos estudos acabou prejudicando o seu desempenho.
"Acho que tenho que me dedicar a estudar para passar em um concurso, porém meu tempo vale dinheiro para me manter", afirma.
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Lúcia Madeira, presidente da Associação Brasileira de Recursos Humanos do Rio de Janeiro (ABRH-RJ), explica que a principal barreira de quem busca uma oportunidade de trabalho no mercado formal é a escolaridade. "As melhores vagas costumam exigir Ensino Médio", aponta.
"Em geral, os candidatos enfrentam a exigência de qualificação ou experiência. São barreiras iniciais, mas que podem ser superadas buscando cursos de qualificação e trabalhos temporários", explica. "Por outro lado, pode ser uma oportunidade para quem já tem mais idade e experiência voltar ao trabalho", acrescenta Madeira.
Lúcia também afirma que tem observado um aumento na busca por novas oportunidades. "O mercado de trabalho está mais aquecido e pessoas que tinham desistido estão voltando a procurar emprego. No final de ano, as vagas costumam aumentar, com os serviços temporários das festas natalinas", ressalta.
"Cada um tem que fazer a sua parte; não ficar parado esperando a oportunidade cair do céu. Buscar estudo, se informar na internet sobre as vagas, conversar com seus contatos para que ajudem a ficar de olho nas vagas", acrescenta.
Alta no empreendedorismo
O desemprego no Brasil, apurado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ficou em 6,8% no trimestre encerrado em julho. Essa foi a menor taxa para um trimestre encerrado no período na série histórica, iniciada em 2012.
Ainda assim, o número de pessoas desempregadas continua alto — 7,431 milhões. De acordo com a Secretaria Municipal de Trabalho e Emprego (SMTE) do Rio de Janeiro, a capital carioca possui 319 mil pessoas desocupadas.
Com a falta de uma chance, muitos pensam em alternativas de gerar renda, mas que pode acabar sendo um risco. Para Eduardo Maróstica, é necessário ter cautela ao optar por empreender e buscar formas de entender o universo dos negócios e o segmento escolhido.
"O empreendedorismo por necessidade é sempre um risco, porque a pessoa foca todos os seus esforços e energias naquilo. Se algo acaba dando errado, é um problema. Se ela pega a verba de uma rescisão do FGTS [Fundo de Garantia do Tempo de Serviço] para investir nesse negócio e dá errado. Ela coloca tudo a perder", alerta.
"É sempre importante ao trabalhador buscar órgãos de apoio. Buscar eventos que fomentem o empreendedorismo", acrescenta.
Segundo o levantamento feito pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) a pedido do O DIA, o Brasil possui quase 11,5 milhões de microempreendedores individuais (MEI). No Estado, são mais de um milhão. No município do Rio de Janeiro, esse número passa de 452,6 mil. Já segundo dados mais recentes do Ministério da Fazenda, o país possui 15,7 milhões de MEIs com CNPJ ativo.
Essas empresas estão distribuídas por setores: serviços (51,25%), comércio (20,75%), indústria (19,26%), economia criativa (4,39%), turismo (4,06%) e agropecuária (0,29%). As atividades com mais interesse para quem deseja empreender são:
- Alimentação - Beleza (serviços pessoais e comércio de cosméticos e perfumaria) - Vestuário e acessórios
"O MEI representou 74,9% das empresas abertas no primeiro quadrimestre de 2024. Em números significa a abertura de um milhão no período citado. O processo simplificado de abertura do MEI, além do regime tributário simplificado, acaba atraindo mais empreendedores para a formalização", aponta Eduardo de Castro, analista do Sebrae Rio.
De acordo com a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), a taxa de empreendedorismo por necessidade é composta por "empreendedores nascentes" (aqueles que pensam em abrir um negócio ou já o fizeram em até três meses), e pelos "novos empreendedores" (que possuem um negócio entre três meses e 3,5 anos). Isso exclui, portanto, negócios mais maduros e que podem ter sido abertos com essa motivação.
"Dos empreendedores nascentes identificados, 60% (6,5 milhões) são homens; 56% (6 milhões) concentram-se nas faixas etárias compreendidas entre 25 e 44 anos; 50% (5,4 milhões) possuíam o ensino médio completo. Além disso, 60% (6,5 milhões) são pretos ou pardos.", aponta o levantamento.
Comparando os empreendedores novos com os nascentes, as distribuições são semelhantes. Cerca de 60% (9,3 milhões) são homens; 58% (9 milhões) nas faixas etárias compreendidas entre 25 e 44 anos; 46% (7,2 milhões) possuem o ensino médio completo e 56% (8,8 milhões)são pretos ou pardos.
A GEM é uma sondagem feita em 50 países e coordenada pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no Brasil. O país participa da pesquisa desde 2002.
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