Onde foi publicado: X e YouTube.
Contextualizando: Circula nas redes sociais um vídeo do jornalista Alexandre Garcia em que ele diz que os artistas estão "em silêncio" diante das recentes queimadas pelo país porque estariam recebendo recursos recordes da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet). O comunicador menciona que, em 2023, a gestão de Lula teria aplicado R$ 16,5 bilhões via Lei Rouanet, valor que "equivale aos quatro anos do governo Bolsonaro".
De fato, foram autorizados cerca de R$ 16 bilhões em projetos aprovados em 2023, conforme os dados do Ministério da Cultura (MinC), mas falta contexto à publicação. O valor efetivamente captado no ano passado foi de R$ 2,3 bilhões. Isso ocorre porque a Lei Rouanet é, conforme explicado pelo Ministério da Cultura ao Comprova (parte 1 e parte 2), conhecida pela política de incentivos fiscais para projetos.
Para embasar os números, Garcia destaca que os dados teriam sido compartilhados pelo jornalista americano Glenn Greenwald, o que não é verdade. Inicialmente, o Comprova pesquisou as redes de Greenwald em busca de possíveis publicações relacionadas à Lei Rouanet, mas não foram encontrados posts sobre o assunto. No entanto, o gráfico mencionado por Alexandre Garcia foi compartilhado por uma conta no X que usava o nome e a foto de Greenwald, mas não é perfil oficial do jornalista.
A conta em questão, inclusive, de 25 de agosto pra cá, mudou de nome pelo menos quatro vezes. Quando a checagem foi iniciada no final de agosto, o X ainda não havia sido retirado do ar e o perfil chamava-se Glenn Greenwald – Brasil. Procurado pelo Comprova, Alexandre Garcia encaminhou a postagem no X feita por esta mesma conta, mas que usava outro nome de usuário. Atualmente, ao fazer buscas usando a primeira identificação, é possível encontrar registros de respostas feitas ao perfil.
O infográfico usado no post encaminhado por Alexandre Garcia foi publicado originalmente em uma reportagem do Poder 360. Ao divulgar os números sem o contexto, as publicações distorcem o dado publicado na matéria jornalística, que tem como embasamento levantamentos oficiais do MinC. Além disso, o texto da reportagem menciona a diferença entre o valor autorizado para captação e o montante que é, de fato, captado pelos projetos culturais.
O portal aponta que o governo federal autorizou a captação de R$ 16,5 bilhões via Lei Rouanet em 2023 e cita que o valor foi superior a todo o autorizado durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), que, entre 2019 e 2022, aprovou o valor total de R$ 15,2 bilhões. No próprio texto, no entanto, o Poder 360 explica que isso não significa que os R$ 16,5 bilhões aprovados no governo Lula foram efetivamente gastos com os projetos.
Em 2019, inclusive, durante o governo Bolsonaro, o MinC foi extinto e a Cultura passou a integrar o Ministério da Cidadania junto às secretarias do Esporte e do Desenvolvimento Social. Como mostrou o jornal Zero Hora, no ano seguinte, em razão da pandemia de covid-19, os projetos encaminhados à Lei Rouanet sofreram com atrasos nas análises, na liberação de recursos já captados, arquivamentos de projetos, entre outros entraves.
O veículo também cita que a publicação da Instrução Normativa nº1, de 2022, pelo Ministério do Turismo, trouxe uma série de restrições, como ampliação do tempo de análises de projetos e tornou o processo mais burocrático. Isso, consequentemente, provocou uma demanda reprimida, já que dificultou o encaminhamento de projetos.
Outro ponto importante é que o dinheiro da Lei Rouanet é arrecadado a partir da renúncia fiscal de empresas que destinam parte de seus impostos para o uso em ações artísticas e culturais. Sendo assim, nenhum recurso é retirado diretamente do orçamento do governo para patrocinar obras e artistas, mas da iniciativa privada, que em contrapartida recebe abatimentos no Imposto de Renda.
Diferença de valores na tabela
Isso ocorre, segundo o MinC, para não sobrecarregar o sistema. Portanto, o caminho para conseguir o dado mais atualizado de captação é: "comparativos > captação de recursos > ano > mês". Os números foram consultados pela reportagem no dia 6 de setembro de 2024.
Além disso, a pasta acrescenta que os dados dos últimos anos são “sempre revistos” e isso ocorre por dois motivos:
1 – Porque os proponentes têm até 36 meses para captar recursos para o projeto, por isso é possível que haja propostas de 2022 ainda terminando de captar ou comprovar a captação;
2 – A possibilidade de haver inconsistências na comprovação.
"Por exemplo, se o projeto foi autorizado a captar R$ 100 mil, mas captou R$ 150 mil, quando o banco passa os dados para o MinC, o sistema (Salic) automaticamente indica haver diferença e os técnicos pedem ajuste ou explicações para o proponente. Enquanto isso não é resolvido, o valor não entra no cálculo final do sistema", explica o MinC.
A reportagem entrou em contato com Greenwald, mas não houve retorno até a publicação deste texto.
Os conteúdos do X publicados após o bloqueio à plataforma no Brasil foram acessados do exterior por editores do Comprova que residem na França e na Alemanha.
Fontes consultadas: Pesquisamos nas redes sociais de Glenn Greenwald por publicações relacionadas à Lei Rouanet e reportagens que trataram sobre aumento de valores em 2023, quando encontramos a reportagem do Poder 360 com o infográfico reproduzido fora de contexto nas postagens aqui analisadas. Entramos em contato com o Ministério da Cultura, filtramos no sistema disponibilizado pela pasta os dados de projetos aprovados e recursos captados.
Por que o Comprova contextualizou este assunto: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas, saúde, mudanças climáticas e eleições. Quando detecta nesse monitoramento um tema que está sendo descontextualizado, o Comprova coloca o assunto em contexto. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Para se aprofundar mais: O assunto também foi apurado pelo Estadão Verifica e pelo Terra. O Comprova também já verificou que a atriz Malu Mader e a TV Globo não receberam recursos da Rouanet para uma novela e o caso de vídeo em que um ator diz importar alimentos na Europa com dinheiro da lei, mas se trata de sátira.
Na seção Contextualizando, o projeto mostrou como fazer uma pesquisa processual adequada, para evitar confusões como o caso que envolveu os candidatos à Prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL) e Pablo Marçal (PRTB) e explicou o contexto da discussão sobre reajuste do salário mínimo acima da inflação.
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