Um em cada 21 passageiros enfrentou cancelamentos nos dez primeiros meses de 2024Reprodução / Estadão Conteúdo
Segundo dados do levantamento da AirHelp, empresa de tecnologia voltada para viagens aéreas, até outubro de 2024, 3,8 milhões de viajantes foram afetados por cancelamentos, um aumento de 22,6% em relação a 2023, quando o número foi de 3,1 milhões. Ou seja, um em cada 21 passageiros enfrentou cancelamentos nos dez primeiros meses de 2024, em comparação com um em cada 32 no ano anterior.
Além dos cancelamentos, viajantes foram impactados por atrasos superiores a duas horas. No total, 4,488 milhões de passageiros enfrentaram esses problemas em 2024 — cerca de um em cada 18 —, enquanto, em 2023, o índice foi de um em cada 25, com 3,969 milhões de passageiros afetados.
Raphael Oliveira, autônomo e dono do perfil @orafapelomundo, de 36 anos, teve o voo cancelado quando estava no aeroporto. "Não fui avisado com antecedência. Ao ser informado, não recebi uma justificativa plausível da companhia aérea", conta.
O criador de conteúdo de viagens comenta que recebeu um voucher de táxi para voltar para casa. "Meu voo foi remarcado para o dia seguinte, mas tive um gasto financeiro e emocional muito grande", reclama. Oliveira explica que, na época, morava em Manaus e tinha comprado a passagem para visitar a família no Rio durante o Natal, perdendo o dia do feriado ao lado dos pais e irmãos.
O Procon-SP alerta que, no caso de cancelamentos de passagens aéreas, o consumidor tem direito a reembolso integral ou reacomodação em outro voo, sem custos adicionais, caso o cancelamento tenha sido feito pela companhia aérea.
No site Reclame Aqui, viajantes de todo o Brasil falam dos problemas que tiveram com companhias aéreas por conta do cancelamento das passagens. Analisando três empresas — Latam, Gol e Azul —, são mais de mais de 1.300 reclamações.
Uma das queixas é sobre um voo de fim de ano que foi cancelado após os passageiros permanecerem mais de 30 minutos dentro da aeronave devido a problemas técnicos. Após o cancelamento, não houve orientação ou suporte por parte da companhia aérea, deixando todos aguardando por horas no salão de embarque, sem alimentação ou informações adequadas.
Os passageiros foram reacomodados em outro voo com itinerário alterado, o que causou a perda de compromissos importantes e prejuízos financeiros superiores a R$ 3 mil da usuária que escreveu a reclamação, incluindo custos com transporte adicional e alimentação. Ela comentou que a situação foi marcada pelo "descaso da companhia", resultando em 'exaustão' e 'indignação' entre os afetados.
O overbooking
O advogado Reginaldo Maciel explica que o overbooking é uma prática ilegal no Brasil e pode causar sérios transtornos aos consumidores. Ela acontece quando as companhias aéreas vendem mais passagens do que os assentos disponíveis em uma aeronave. A situação se agrava quando o passageiro, que adquiriu sua passagem antecipadamente, descobre na hora do embarque que não há lugar para ele no avião. Essa prática, comum entre as companhias, baseia-se em dados estatísticos como o volume de "no show" (ausência de passageiros que compraram bilhetes), mas a responsabilidade por essas falhas é exclusivamente da companhia aérea, e não do consumidor.
O problema é recorrente e tem gerado um aumento significativo nas reclamações contra companhias aéreas. Conforme um levantamento do Reclame Aqui, o número de queixas cresceu 117,3% entre 2019 e 2021, saltando de 53.049 para 115.305 reclamações. Apenas nos cinco primeiros meses de 2022, as queixas já somavam 53.096, superando o total de 2019. O cancelamento de passagens, frequentemente associado ao overbooking, lidera as reclamações.
Bruno Arruda, um dos fundadores da Resolvvi — empresa de tecnologia especializada em auxiliar consumidores brasileiros com problemas relacionados a voos — esclarece que os passageiros têm direitos garantidos pela Resolução 400 da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC) em casos de cancelamento de passagens aéreas.
A normativa da ANAC regula os direitos dos passageiros em casos de overbooking e afirma que as alterações de voo devem ser informadas aos passageiros com antecedência mínima de 72h.
Direitos do consumidor
Arruda explica que as companhias são obrigadas a oferecer opções como reacomodação em outro voo, reembolso ou execução do serviço por outra modalidade de transporte. A empresa deve fornecer assistência material ao passageiro, como acesso à internet e telefone após uma hora de espera, alimentação após duas horas, e hospedagem e traslado caso o atraso ultrapasse quatro horas. Além disso, é garantido ao consumidor o direito de receber indenização se o atraso no destino final for igual ou superior a quatro horas.
A judoca Giovanna Santos, de 24 anos, passou por uma situação similar a de Oliveira. A atleta estava esperando o embarque para viajar para o local do campeonato internacional, quando foi surpreendida pelo atraso do voo. Após esperar quatro horas, ela foi informada que a passagem seria cancelada e remarcada para o dia seguinte.
Giovanna relata que não procurou os direitos do consumidor. "Eu vivo viajando, então meu dia é muito corrido. Nem sei também se eu poderia entrar na Justiça por ter sido prejudicada na competição", diz. Oliveira, no entanto, procurou uma indenização por já ter um conhecimento prévio das garantias como cliente.
Logo após a passagem ser cancelada, Maciel explica que o consumidor deve exigir alternativas de reacomodação, em voo próprio ou de terceiro para o mesmo destino, na primeira oportunidade, ou em voo próprio do transportador a ser realizado em data e horário de conveniência do passageiro. "Não havendo interesse na reacomodação, o passageiro poderá optar pelo reembolso do valor da passagem, o que deverá ocorrer em até sete dias contados da data da solicitação. O cliente ainda pode exigir a execução do serviço por outra modalidade de transporte, sendo do passageiro a escolha da opção", afirma.
Em casos de overbooking, Maciel comenta que o transportador deve efetuar imediatamente o pagamento de compensação financeira ao cliente, podendo ser por transferência bancária, voucher ou em espécie, no valor de 250 DES, no caso de voo doméstico; e 500 DES, no caso de voo internacional, em torno de R$ 1.800,00 e R$ 3.600,00, respectivamente, conforme previsto no art. 24 da Resolução n. 400 da ANAC.
DES significa Direitos Especiais de Saque (Special Drawing Rights), uma unidade de conta criada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). Ela se baseia em uma cesta de moedas internacionais que inclui o dólar americano (USD), o euro (EUR), a libra esterlina (GBP), o iene (JPY) e o yuan chinês (CNY). O valor do DES é atualizado diariamente com base na taxa de câmbio estabelecida pelo FMI, servindo como referência para compensações financeiras internacionais, como no setor de aviação civil.
"Mas não apenas voos cancelados/atrasados geram direitos à indenização. É preciso pontuar que a perda de uma conexão e extravio de bagagem também são situações nas quais o passageiro deve ser indenizado", diz Maciel.
Como proceder em caso de cancelamento
Arruda recomenda que os passageiros mantenham todos os comprovantes relacionados ao cancelamento ou atraso de voos, incluindo cartões de embarque, tanto o original quanto o do voo realocado, recibos de gastos extras decorrentes do transtorno e documentos que comprovem a perda de compromissos, caso aplicável. Esses registros são fundamentais para reivindicar direitos e buscar possíveis indenizações.
"Para solicitar a indenização, o consumidor tem até três anos após o cancelamento é essencial apresentar os cartões de embarque, documento de identidade com foto e comprovante de residência. Além disso, comprovantes de gastos extras decorrentes do transtorno e de perdas de compromissos, se houver, são importantes para fortalecer o caso", explica.
Consumidores que se sentirem prejudicados podem buscar orientação junto ao Procon-RJ ou registrar uma reclamação na Secretaria Nacional do Consumidor, acessando o site defesadoconsumidor.gov.br.
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