Haddad diz que o Brasil precisa se beneficiar das vantagens competitivas Lula Marques/Agência Brasil

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que o Brasil está bem posicionado, diante de um cenário externo desafiador, e que deve chegar em 2026 em uma situação confortável. Ele concedeu uma entrevista à GloboNews.
"Eu acredito que nós podemos chegar bem em 2026. Espero que comendo até filé mignon", disse, em resposta a um questionamento sobre se o governo encerraria essa gestão com picanha no prato do brasileiro, como prometeu o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Haddad avalia que o Brasil está melhor posicionado do que os vizinhos, diante de um cenário internacional incerto, a depender das medidas a serem tomadas no futuro governo de Donald Trump. Ele destacou que o acordo entre Mercosul e a União Europeia pode ser interessante para as perspectivas da região e mencionou a liderança do Brasil nesse processo.

Para o ministro, o País precisa se beneficiar das vantagens competitivas que tem, além de aproveitar novas regulamentações, como crédito de carbono, combustível do futuro e nova indústria Brasil, que são programas bem estruturados para alavancar o desenvolvimento do Brasil.

Crise climática, dólar e inflação de alimentos

Haddad disse acreditar que vai haver uma acomodação do dólar e argumentou que o governo está atendo à inflação de alimentos. "Tem sazonalidade, tem problemas climáticos, tem escorregada do dólar, tudo isso é verdade, mas tem o governo trabalhando para minorar o problema e resolver estruturalmente com a reforma tributária", disse o ministro, citando a aprovação da reforma tributária sobre o consumo que prevê a inclusão das carnes na cesta básica desonerada.

Segundo Haddad, o Ministério da Agropecuária está trabalhando para fazer com que os preços dos alimentos se acomodem em patamar menor, como aconteceu em 2023. "Tivemos ano passado inundação que alagou um estado inteiro, que é um estado fortemente produtor de alimentos. Hoje tem matéria já mostrando que o IGP DI aponta que a inflação de alimentos começa a ceder, isso pode demorar um tempo ainda, pode demorar, mas o ministério da agropecuária está trabalhando para fazer com que preços se acomodem em patamar menor como aconteceu em 2023", disse.
"Olhamos peça orçamentária e o que precisa ser feito"
Haddad disse que é preciso ajustar o orçamento para que a peça orçamentária que ainda precisa ser aprovada pelo Congresso seja adequada ao conjunto de medidas de contenção de gastos avalizado pelo Legislativo no ano passado. "Então haverá adequações na peça orçamentária e nós vamos ganhar um grau de liberdade que o ano passado nós não tínhamos para fazer uma gestão orçamentária mais precisa para atingir os objetivos pretendidos", disse Haddad. 
Ele havia sido questionado se o governo estaria estudando um decreto para estabelecer uma regra mais dura de execução de gastos no início do ano enquanto o orçamento não é aprovado.

"Primeiro temos que adequar o orçamento às medidas já aprovadas. Por quê? Porque as medidas já aprovadas, elas garantem uma flexibilidade na execução que nós não tivemos nos últimos dois anos. Então nós vamos ter mais liberdade para contingenciar, para executar de uma forma mais adequada o orçamento ao longo do exercício, para fazer projeções em relação aos programas sociais com as alterações que o Congresso aprovou", respondeu Haddad. O ministro complementou afirmando que um contingenciamento maior de despesas no início do ano não teria sido discutido na reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Ele repetiu que as medidas aprovadas vão desengessar o orçamento e dar uma liberdade maior para o gestor. Haddad voltou a classificar o trabalho da Fazenda como "contínuo" e voltou a falar que não gosta da "tese" de "pacotes". "Eu não curto", disse o ministro, perguntado então novamente sobre a proposição de medidas adicionais, e não de um novo pacote.

"Não vamos parar de trabalhar. Vamos fechar o ministério? Não vamos", brincou.
"Nem sempre posso adiantar medidas"
Haddad comentou que o trabalho da pasta é constante no estudo de medidas fiscais, mas ponderou que não gostaria de passar uma mensagem de que o governo gesta novos pacotes. Em sua avaliação, não necessariamente as medidas enviadas no ano passado precisariam ter sido endereçadas como um "pacote", o que acabou acontecendo porque o debate sobre as propostas de contenção de gastos foi "muito ampliado".

"Nós não fazemos pouco caso quando o Banco Central, o Tesouro alertam a administração sobre os riscos que nós estamos correndo Mas é justamente em função desses exercícios que o governo age. E o governo tem agido e vai continuar agindo. Muitas vezes eu não posso antecipar uma medida, porque ela não está madura, porque ela está sendo trabalhada na cozinha da Fazenda para verificar se ela tem aderência", disse Haddad em entrevista à GloboNews.

Ele mencionou como exemplo de medidas que são estudadas e endereçadas ao Congresso as propostas relacionadas às Big Techs e ao Pilar 2 da OCDE.

"Só se faz isso no Ministério da Fazenda estudar novas medidas. Falar de novas medidas sobre gastos passa uma ideia que eu não gostaria de passar. 'Ah, vai ter pacote 2, pacote 3'. Não é assim que o Ministério funciona. No ano passado, como o governo ampliou muito o debate sobre as medidas de contenção, nós acabamos tendo 15 dias no Congresso Nacional para aprovar duas leis ordinárias, uma lei complementar e uma emenda constitucional. Então virou um pacote. Mas não precisava ter sido", afirmou o ministro.

"Nós temos o Pilar 2 da OCDE, que é um programa enorme e complexo de resolução de problemas tributários com as grandes empresas, que já está endereçado. Agora tem um pacote de Big Techs, que é uma coisa que vai ser endereçada", comentou.
"Discussão sobre reforma da renda deve ser iniciada após sanção da reforma do consumo"
Haddad afirmou que a discussão sobre a reforma da renda será iniciada após a sanção da lei complementar que regulamenta o novo sistema tributário sobre o consumo, aprovada no Congresso no final do ano passado. Ele disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve sancionar essa lei na próxima semana.

"A promessa nossa era que depois de reformar os tributos sobre consumo, concluído com todas as honras ali no final do ano passado, deve ser sancionada a lei complementar na semana que vem pelo Presidente da República, talvez das mais importantes reformas já feitas no Brasil. Eu acredito que, ato contínuo, a gente tenha que abrir a discussão sobre a reforma da renda no Congresso", disse.

O governo chegou a anunciar a ampliação da isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês junto das medidas de contenção de gastos, o que provocou uma crise com a escalada do dólar. O ministro ponderou que essa proposta tem "muito apego", porque é preciso promover mais justiça tributária, mas quem não paga imposto não quer mudar de situação.

"Eu acredito que nós vamos encontrar um equilíbrio entre quem não paga e tem muita renda e quem tem baixa renda ou média renda e está pagando. Se nós encontrarmos esse equilíbrio, levando em consideração justiça e neutralidade, não vamos fazer disso uma alavanca para aumentar a arrecadação, e sim melhorar uma das principais chagas da história do Brasil, que é figurar até hoje entre os dez países mais desiguais do mundo", disse.

Para que a proposta possa valer a partir de 2026, o texto precisa ser aprovado neste ano no Congresso. "O tempo está a nosso favor, porque a agenda legislativa vai ser menos atravancada do que nos dois anos anteriores. Tem menos coisa para aprovar durante esse ano e eu acredito que o Congresso vai dar uma certa prioridade e vai abrir um debate com a sociedade. O mais importante de tudo é que nós abrimos os dados para a sociedade, a sociedade entender por que nós somos tão desiguais. E chegar a um bom termo, uma coisa justa, que não prejudique o investimento, não prejudique quem paga imposto e dê um alívio para quem hoje está sentindo na pele o efeito da má distribuição de renda no Brasil", disse.
"Não vejo dificuldade do governo com novos presidentes de Câmara e Senado"
Haddad afirmou que não acredita que haverá descontinuidade nos trabalhos entre Executivo e Legislativo com a eleição da nova mesa diretora do Senado e Câmara, que ocorrerá em fevereiro. "Eu tenho muito boa relação com aqueles que hoje aparecem como favoritos para a eleição. Não vejo dificuldade do governo e agradeço os dois anos de trabalho até aqui", disse.

No Senado, Davi Alcolumbre (União-AP) é o grande favorito e deve reassumir a presidência da Casa. Já na Câmara, o único candidato até o momento é Hugo Motta (Republicanos-PB), que conta com o apoio de Arthur Lira (PP-AL), atual presidente, e de mais 18 partidos.

Haddad também mencionou importantes projetos que devem ser avaliados pelo Congresso este ano, como a aposentadoria dos militares e a lei dos supersalários, que agora está na Constituição. "Isso não foi votado ano passado, mas temos o compromisso das duas Casas de que, assim que as novas mesas estiverem instaladas, vão se debruçar sobre esses temas que também têm um aspecto de transparência e moralidade pública muito importantes", disse.
"Decisão autônoma do BC não vai mudar com Galípolo"
O ministro disse que a autonomia do Banco Central não irá mudar a partir da presidência de Gabriel Galípolo, indicado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e reforçou que Lula deixou "absolutamente claro" que trataria o BC com a mesma deferência e respeito que tratou a gestão de Henrique Meirelles na presidência da autarquia. Haddad apontou que pode municiar Galípolo e a diretoria do Banco Central com informações assim como outros setores são ouvidos pelo órgão, mas reafirmou que a decisão é tomada de forma autônoma por todos os diretores.

"Ele tem um apanhado de informações, ele dialoga com toda a sociedade. Só que na hora da decisão, são nove pessoas que se reúnem, fecham as portas e tomam uma decisão autônoma. Isso não vai mudar com o Gabriel. E eu tenho absoluta confiança de que ele sabe qual é a missão do Banco Central", disse Haddad.

"Como eu tentava fazer com o Roberto Campos, e como eu farei com o Gabriel Galípolo. Isso não significa dizer que nós vamos concordar sempre sobre o diagnóstico e o que fazer. Mas cada um está no seu papel. Eu posso chegar um dia para o Gabriel e dizer, será que vocês estão tomando a decisão correta? Mas a decisão é dele, do colegiado do Copom", continuou Haddad.

Ele havia sido questionado se concordava com a avaliação de Lula, de que a única coisa errada com o Brasil atualmente seria a alta taxa de juros. Haddad desconversou e afirmou que o presidente "dialoga" com o País e que seu papel como ministro da Fazenda é resolver o problema "tecnicamente".

"O presidente dialoga com o país. Nós temos empresas que estão endividadas, empresas que vão sofrer no começo deste ano com o aumento da taxa de juros", disse o ministro.

Ele ainda reforçou que a última decisão do Copom foi tomada de forma unânime, independente de que a maioria do colegiado ainda era escolhida pelo governo anterior. "O Banco Central entendeu que, à luz dessa disfuncionalidade, tinha que dar uma resposta firme para questão de que a inflação não ia sair do controle, um compromisso em controlar a inflação", afirmou Haddad, segundo quem não julgaria a decisão.

Ele argumentou que só comentou uma única vez a decisão do Copom quando houve uma surpresa em relação ao guidance que já estava posto. "O Banco Central tinha feito um comunicado em março ou abril do ano passado, tinha se comprometido com um determinado guidance e sem que tivesse havido uma reunião entre os diretores pra repensar, foi feito um anúncio um intempestivo e monocrático, que deu uma bagunçada ali na percepção das pessoas sobre o que estava acontecendo", disse.
"Não penso em sair do Ministério da Fazenda até 2026"
Haddad afirmou que não pretende sair do cargo até o final desta gestão do governo Lula, mas ponderou que essa decisão não é da sua alçada. 

"Eu assumi o desafio em 2022 com essa intenção", disse Haddad, lembrando que apresentou um plano de voo para o comando da Pasta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. "A minha relação com o presidente Lula é tão tranquila. (...). Ele tem liberdade comigo, total, para fazer qualquer tipo de colocação. Eu nunca me senti desautorizado pelo presidente Lula", disse.