Procon Carioca registrou cerca de 3.524 reclamações de usuários em 2024 na capital fluminenseiStock

Rio - Usuários de plano de saúde se esforçam para conseguir pagar as mensalidades em dia, para ter mais segurança na hora de fazer um exame, consulta ou tratamento. No entanto, muitas vezes, o conforto acaba dando lugar a transtornos, já que muitas operadoras não cumprem com o acordado nos contratos. Segundo levantamento feito pelo Procon Carioca a pedido de O DIA, a autarquia registrou cerca de 3.524 reclamações de usuários em 2024 na capital fluminense, um aumento de mais de 100% em relação a 2023 - quando foram feitas 1.700 reclamações. Por isso, especialistas ouvidos pela reportagem explicam quando é necessário procurar à Justiça para auxiliar na solução do problema.
De acordo com os dados, pelo menos 32% dessas queixas são sobre reembolso e 15% abordam negativa na cobertura de algum tipo de tratamento. Após o registro da reclamação, o "Procon envia uma notificação para as empresas para que seja dada uma solução à demanda do consumidor", explica o João Pires, secretário do órgão.
Segundo os dados mais recentes da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), o setor de saúde suplementar registra 51.508.727 de beneficiários em planos de assistência médica e 34.347.368 em planos exclusivamente odontológicos.
A agência compilou queda de reclamações no âmbito nacional, onde foram feitas mais de 272,7 mil reclamações em 2024 e 352,9 mil em 2023 sobre cobertura, contratos, regulamentos, mensalidades e reajustes.
O levantamento da ANS tem como base as Notificações de Intermediação Preliminar (NIP), classificadas como reclamações e um instrumento usado para intermediar e solucionar conflitos entre consumidores e prestadores de serviços antes que elas se transformem em disputas judiciais ou procedimentos mais complexos. 
"Pela NIP, a reclamação registrada nos canais de atendimento da ANS é automaticamente enviada à operadora responsável, que tem até cinco dias úteis para resolver o problema do beneficiário, nos casos de cobertura assistencial, e até 10 dias úteis para demandas não assistenciais", explicou a agência em nota.

A ANS ressalta ainda que, se problema não for resolvido pelo NIP e se constatada infração à legislação do setor, "será instaurado processo administrativo sancionador", que pode resultar na imposição de sanções à operadora, destacando-se, dentre elas, a aplicação de multa.  
Direitos violados
Especialistas em direito do consumidor e em direito de saúde citam que entre os principais problemas enfrentados pelo usuários dos planos de saúde são reajustes abusivos, principalmente em contratos coletivos, negativa de cobertura para procedimentos essenciais, atrasos em autorizações, rescisões unilaterais arbitrárias e desinformação sobre cláusulas contratuais.
Segundo os profissionais, esses problemas violam o direito à saúde e à dignidade do consumidor. E, diante diante de práticas abusivas, é fundamental que o usuário busque a orientação de um advogado especializado.
"Devem recorrer ao Judiciário em situações de negativa de cobertura indevida, cobrança excessiva, cancelamento arbitrário de contratos e descumprimento de prazos para autorizações urgentes. A Justiça também é acionada para garantir tratamentos fora do rol da ANS, que tem caráter exemplificativo segundo o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Além disso, sugiro sempre que o consumidor se sentir abusado por qualquer ação do plano de saúde procure um especialista na área", aponta Cátia Vita, advogada especialista em direito do consumidor.
Cátia Vita  - Acervo pessoal
Cátia Vita Acervo pessoal
"Os reajustes elevados, principalmente em planos individuais e para idosos, dificultam a continuidade do serviço. Em alguns casos, as operadoras também se recusam a prestar atendimento durante o período de carência, mesmo em situações que a legislação define como urgência. Além disso, as operadoras prometem redes amplas de atendimento, mas na prática muitos usuários enfrentam dificuldades para encontrar profissionais e hospitais credenciados", detalha Johnnys Guimarães, advogado especialista em direito de saúde.
Johnnys Guimarães, advogado especialista em direito de saúde - Divulgação
Johnnys Guimarães, advogado especialista em direito de saúdeDivulgação
Os especialistas também recomendam reunir provas (contratos, laudos, mensagens) que comprovem todo o transtorno causado pelas operadoras e que possam ajudar no processo.
Os profissionais também alertam que, para quem já possui um plano, é fundamental acompanhar reajustes, conferir o contrato e conhecer os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Já para quem deseja contratar, deve pesquisar a reputação da operadora, verificar a cobertura oferecida e priorizar contratos individuais, que possuem maior regulação pela ANS. 
Uma carioca, de 50 anos, que não quis se identificar e citar a operadora, afirma que em mais de dez anos pagando plano de saúde já precisou recorrer à justiça por pelo menos três vezes. A arquiteta relata que o principal problema foi a negativa de cobertura em sessões com psicólogo.
"Eu tenho depressão e estava passando por um momento muito difícil. Foi logo quando descobri: apesar das consultas e sessões estarem presentes no rol de coberturas obrigatórias da ANS, a operadora não queria pagar e eu estava passando por dificuldades financeiras", relembrou.
"Entrei em contato com eles e sempre me pediam para enviar mais documentos, laudos e etc. Foi então que resolvi entrar na justiça, demorou um pouco, mas consegui", comemorou.
Saiba como agir caso tenha os seus direitos violados
Quando alguém tem seu direito desrespeitado, é importante agir rápido e conhecer as etapas para buscar reparação. Inicialmente, o consumidor que se sentir prejudicado pode tentar resolver a questão diretamente com a operadora envolvida, buscando uma negociação amigável. Nesse caso, é importante registrar protocolos de atendimento.
Caso a tentativa não funcione, o próximo passo seria procurar os órgãos de defesa do consumidor (Procons), pela Central 1746 ou presencial no endereço Rua Afonso Cavalcanti, Nº 455 - Cidade Nova e sites como o Reclame Aqui ou  consumidor.gov.br.
Além desses canais, os usuários também podem registrar uma reclamação na Agência Nacional de Saúde Complementar (ANS):
- Disque ANS (0800 701 9656): atendimento telefônico gratuito, de 2ª a 6ª feira, das 8h às 20h, exceto feriados nacionais;
- Formulário eletrônico  Fale Conosco na Central de Atendimento ao Consumidor;
- Central de atendimento para deficientes auditivos: 0800 021 2105; e
· Núcleos da ANS existentes nas cinco regiões do país. No Rio, a sede fica na Av. Augusto Severo, nº84 - Térreo - Edifício Barão de Mauá - Bairro Glória. 
Senacon cria grupo de trabalho para melhor atendimento
A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), vinculada ao Ministério da Justiça, instaurou, em novembro de 2024, um processo administrativo contra 17 operadoras de planos de saúde após cancelamentos unilaterais de contratos e práticas consideradas abusivas. De acordo com o órgão, a decisão é resultado de um estudo detalhado de monitoramento de mercado que identificou irregularidades nas rescisões contratuais.
"As práticas identificadas violam os princípios do Código de Defesa do Consumidor (CDC) e as normas do setor de saúde suplementar, impactando a vida de milhares de brasileiros, muitos deles em condições de vulnerabilidade por enfrentarem problemas graves de saúde", afirmou o órgão.
Ainda no comunicado, o órgão apontou que as operadoras envolvidas têm explorado brechas contratuais ou interpretado normas de maneira desfavorável aos consumidores para justificar os cancelamentos.
Porém, no mês seguinte, a Senacon se reuniu com representantes de planos de saúde e decidiu criar um grupo de trabalho onde as operadoras terão 60 dias para elaborar propostas para melhorar atendimento ao consumidor. 
As atividades foram iniciadas em janeiro deste ano e o prazo não é prorrogável. Durante esse período, o processo administrativo em curso contra as empresas ficará suspenso.
Para o secretário Nacional do Consumidor, Wadih Damous, o diálogo com as operadoras de planos de saúde é fundamental nesse processo. "O nosso objetivo é construir soluções que preservem os direitos dos consumidores e promovam práticas mais justas e transparentes no mercado", disse.

O monitoramento feito pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria revelou problemas que precisam ser corrigidos. "Acreditamos, porém, que, por meio da colaboração e da mediação, será possível encontrar caminhos que beneficiem tanto os consumidores quanto as empresas e que fortaleçam a confiança nesse setor tão essencial", completou.
A Prevent Senior, por meio de nota, negou qualquer cancelamento unilateral ou irregular de contratos e qualquer prática abusiva contra seus beneficiários, "o que ficará comprovado na defesa já apresentada à Senacon".
A Omint afirmou que ainda não recebeu nenhuma notificação. Disse, ainda, que enviou resposta a ofício da Senacon esclarecendo que não realizou nenhum cancelamento unilateral de contrato de plano de saúde. "Esclarecemos ainda que a Omint Saúde cumpre rigorosamente todas as leis e regras estabelecidas pela ANS."
A Allcare disse que "cumpre o seu papel comunicando os beneficiários sobre rescisão contratual, definida pelas operadoras, com a antecedência prevista na legislação. Adicionalmente, levando em conta a sua atividade de administradora e o seu papel social, a empresa se comunica com todos os clientes impactados pelo cancelamento, prestando informações e orientações, e auxiliando na busca de alternativas, dentre elas o exercício do direito à portabilidade, normatizado pela ANS".
A Hapvida NotreDame Intermédica refutou as alegações de ter realizado cancelamentos irregulares ou unilaterais de contratos. A companhia informou que "observa a legislação vigente do setor e reforça seu compromisso com a ética, a transparência e a excelência no atendimento. Além disso, não tolera qualquer tentativa de desinformação que possa comprometer a relação de confiança com seus clientes".
Em nota, a Unimed Nacional afirmou que adota as melhores práticas de gestão do segmento, como comprovado pelo Índice de Desempenho da Saúde Suplementar (IDSS).
"A Unimed Nacional esclarece, ainda, que opera exclusivamente com contratos de adesão e corporativos, ou seja, não estabelece contratos diretamente com os beneficiários. Em ambos os casos, as rescisões são previstas e regulamentadas pela ANS, ocorrendo conforme as condições estabelecidas em contrato, com comunicação prévia às empresas ou administradoras. Por fim, a Unimed Nacional assegura o cumprimento rigoroso da legislação e das normas que regem os planos de saúde, sempre preservando os valores de respeito que norteiam suas relações com os beneficiários."
A reportagem também entrou em contato com as operadoras Bradesco Saúde, SulAmérica, Porto Seguro Saúde que, por meio da FenaSaúde -  representante das maiores operadoras de planos e seguros de saúde do país -, informaram que "estão participando do grupo de trabalho constituído pela Senacon, sempre com o intuito de encontrar caminhos por meio da cooperação e do diálogo, e em estrita observância à lei específica que regulamenta a atuação dos planos de saúde". 
A FenaSaúde também reafirmou "que as operadoras associadas à Federação não adotam práticas abusivas, mantendo o compromisso de oferecer serviços de qualidade a todos os seus beneficiários".
Entidades pedem fim de consulta pública
Entidades de defesa do código do consumidor se mostraram criticas a Consulta Pública 145 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A audiência foi aberta para tratar da política de preços e reajuste dos planos de saúde, distribuídos em quatro temas: reajuste de planos coletivos, mecanismos financeiros de regulação (coparticipação e franquia), revisão técnica e vendas on-line.
A especialista em direito do consumidor, Cátia Vitas, aponta que as principais críticas ao reajuste incluem a falta de critérios claros para justificar os aumentos, a ausência de regulação efetiva nos contratos coletivos, que são maioria no mercado, e o impacto financeiro desproporcional sobre os consumidores, especialmente idosos. Também há preocupação com a concentração de poder das operadoras, que podem aplicar reajustes excessivos sem justificativa adequada ou supervisão rigorosa.
"Caso as medidas autorizem reajustes abusivos ou não garantam clareza e objetividade nas regras, há violação ao artigo 6º, incisos III e IV, do CDC, que asseguram o direito à informação e a proteção contra práticas abusivas. Além disso, reajustes que prejudiquem consumidores vulneráveis podem ser considerados desproporcionais e incompatíveis com os princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual", ressalta.
O Instituto brasileiro de defesa consumidor (Idec) tem criticado as "condições precárias de participação social criadas pela Diretoria da ANS para a condução de mudanças regulatórias importantes". Para o instituo, temas de grande impacto e complexidade, com riscos graves para as pessoas consumidoras estão sendo encaminhados ao mesmo tempo, de forma atropelada e sem maturidade técnica.
"No caso dos reajustes, por exemplo, a revisão técnica é ilegal e fere o Código de Defesa do Consumidor (CDC). É inadmissível que a ANS crie mais uma modalidade de aumento de mensalidades dos planos individuais e familiares, ao lado do reajuste anual e do reajuste por mudança de faixa-etária. Na prática, isso fere a proteção conferida aos planos individuais e pune consumidores pela má gestão econômico-financeira das carteira", disse em nota.
"A franquia e a coparticipação são cláusulas do contrato que se justificariam para moderar a demanda espontânea por serviços, e não como instrumentos para garantir lucratividade às empresas. O papel da ANS deve ser evitar que essas regras sejam usadas de forma abusiva e sirvam, na prática, como formas veladas de aumentar as receitas ou expulsar pessoas que não podem continuar pagando por seus planos", acrescenta.

Os principais exemplos são a tentativa de permitir reajustes acima do teto para planos individuais e brechas para que franquias e coparticipações se tornem regra nos contratos.
A Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), representante das maiores operadoras de planos de saúde do país, afirma que entende que as propostas apresentadas – por sua amplitude, abrangência e profundidade – podem produzir uma verdadeira minirreforma regulatória. Por isso, "pondera que elas demandam, sem dúvida, um debate mais detido, principalmente em relação a pontos que não foram discutidos com a ANS nas consultas anteriores".

A FenaSaúde ainda defende que a discussão siga todos os trâmites legais, com embasamento atuarial, jurídico e econômico, com o objetivo de assegurar a sustentabilidade do setor e o interesse de toda a sociedade.
"Hoje, as operadoras de planos de saúde abrem as portas da medicina privada a quase 52 milhões de brasileiros, ajudando assim a desafogar o SUS. Logo, é preciso debater as mudanças de forma a ampliar ainda mais o acesso à saúde suplementar, em benefício de toda a população", ressaltou.
Em nota, a ANS afirma que "não se vislumbra qualquer fundamento técnico para suspender" a consulta.
"No que se refere a Consulta Pública n.º 145, que tem o objetivo de obter contribuições sobre a proposta de reformulação da Política de Preços e Reajustes, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) informa que não se vislumbra qualquer fundamento técnico para suspender essa consulta que está em curso e que seguirá dentro das normas vigentes e da legalidade", afirma.