Rio - Quando Donald Trump tomou posse na presidência dos Estados Unidos, em 20 de janeiro do ano passado, os observadores da política americana o chamavam de 'incógnita'. Na verdade, ninguém tinha prestado a atenção devida a ele, já que todas as apostas eram na vitória de Hillary Clinton, sua adversária democrata na eleição. Com uma sucessão de medidas que deixou o mundo perplexo desde o primeiro dia na Casa Branca, a cara da América do 45º presidente americano foi se revelando até ficar escancarada, nas últimas semanas, quando veio à tona o horror das 2,3 mil crianças separadas dos pais que tentavam entrar clandestinamente no país e enviadas para jaulas em diversos pontos do território americano.
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"Não é mais uma incógnita. No início, Trump demonstrou para a sociedade um perfil de grande empresário que iria fazer com que a máquina do Estado americano funcionasse de forma mais eficiente. O que a gente percebe, agora, com o caso dessas crianças, é que Trump é a cara do fascismo dos gringos", diz o filólogo Breno Wilson, especialista em Análise do Discurso. "Os Estados Unidos tem uma face racista. Institucionalmente, são uma sociedade mais democrática do que a brasileira, que é profundamente autoritária, mas o racismo é mais enraizado".
O historiador americano James Green, da Universidade de Brown, classifica a gestão Trump como "uma profunda vergonha para o meu país". "É claro que ele tem apoio de eleitores que, infelizmente, são mesmo racistas, xenófobos", admite ele, falando ao DIA desde Israel. No entanto, ele lembra que a política de exclusão defendida por Trump está ganhando corpo em várias partes do planeta. "A xenofobia, o medo do outro, está se espalhando por aí. Na Europa vemos a Hungria, onde estão criminalizando o apoio a imigrantes; aqui em Israel, é política de Estado. No Brasil, não se vê tanto porque os venezuelanos estão chegando a lugares longe das grandes cidades, mas há sinais claros".
Para Green, mesmo as cenas de horror das crianças enjauladas são frutos de um cálculo político de Trump que pode ter efeito positivo para ele - no curto prazo, apenas. "Ele está desesperado com a perspectiva de perder as eleições parlamentares. Uma derrota poderia ser um fim precoce de seu governo, não por impeachment, mas pela dificuldade de fazer mudanças bruscas na direção da visão de país que ele tem. Essas atitudes, como as que certos políticos têm no Brasil, podem ser constrangedoras para alguns, mas são um aceno para os eleitores cativos", diz.
A dinâmica das campanhas eleitorais americanas é diversa da brasileira, já que lá o voto não é obrigatório. "Ele precisa fazer com que o eleitor saia de casa para votar", lembra o professor.
Ele explica que Trump emergiu "da primeira geração desde o pós-guerra que não teve a vida melhor do que a que tiveram seus pais". "Eles deixaram de acreditar no sonho americano", diz.
Narcisista e maligno, diagnostica psicanalista
Desde os primeiros momentos da administração Trump surgiram dúvidas sobre a sanidade mental do ocupante da Casa Branca. James Green, historiador, acha que os gestos do presidente são calculados. "Mas é tudo distorcido por uma personalidade doentia e realmente perigosa", acredita ele."Nunca vi alguém que tenha tanta necessidade de se afirmar a todo momento, provar que tem Poder. E isso, claro, vem do fato de ele ter sido humilhado quando era criança", diz.
Psicanalista e também sociólogo, Jackson César Buonocore dá o diagnóstico: narcisismo maligno. "É a crença de que tudo o que pertence a si mesmo é de grande valor e qualquer coisa que pertence a outras pessoas é inútil", explica. "O narcisista maligno mostra todos os sinais de satisfação consigo mesmo. Quando diz palavras triviais acha que disse algo de grande importância".
Buonocore diz que a personalidade de Trump explica a pouca importância que ele dá ao sofrimento das famílias separadas por suas ordens. "O caráter autoritário está intimamente, ligado ao desvio psicológico dos narcisistas malignos, porque eles adoram se expor e entram sem hesitar em conflito com ideias culturais e éticas, dificultando as relações normais na vida social. Nesse mundo estão políticos como Trump, celebridades, jogadores de futebol e até gente comum".
Ódio
O filólogo Breno Wilson insiste no caráter fascista do presidente. "Trump tem um discurso do ódio aos imigrantes, ódio aos negros, ódio às minorias".
Buonocore concorda. "Eles acham que precisam salvar o Estados Unidos, o Brasil e o mundo do ateísmo, da homossexualidade e do feminismo". Ele adverte: "É um fenômeno presente entre nós. E são panfletários. O comportamento histérico preenche o vácuo existencial e político".
'O governo americano não nos informa sobre as crianças', diz Felipe Santarrosa, cônsul em Houston
O consulado do Brasil em Houston, nos Estados Unidos, recebeu na quarta-feira uma lista com 49 crianças brasileiras separadas dos pais e em abrigos americanos. O cônsul-geral adjunto do Brasil na cidade disse ao DIA que o documento foi passado por um funcionário do Ministério da Saúde americano graças a contatos pessoais. Desde então, os consulados brasileiros enfrentam a burocracia dos abrigos para tentar identificar as crianças, sem contar com nenhum apoio do governo americano.
O governo americano está colaborando para a identificação das crianças brasileiras separadas dos pais?
O governo americano não nos informa sobre as crianças, não há nenhum canal de comunicação. Eles deveriam procurar o país de origem do menor para comunicar o abandono. Permitem que o detido entre em contato conosco, mas uma criança nem sabe o que é um consulado para pedir para entrar em contato. Nós recebemos essa lista de 49 brasileiros separados dos pais graças a contatos pessoais de funcionários do consulado com um funcionário do Ministério da Saúde aqui. Outros consulados não receberam esta lista. O número tampouco é exato. Aqui no Texas identificamos uma criança a mais em um dos abrigos, o que eleva o número para 50. Isso também deve acontecer em outros estados. A lista é do dia 15 de junho.
Como é feita a identificação das crianças nos abrigos?
É difícil confirmar se as crianças estão nos abrigos. Em alguns casos, você telefona, cai em uma central de atendimento, demora até conseguirmos falar com a assistente social. Ela diz que precisa pedir autorização para o diretor. Até agora, conseguimos falar com três abrigos. Nos outros quatro, ainda estamos nesta fase de identificar quem são as crianças. Temos quatro crianças identificadas em três abrigos.
Como era o abrigo que o senhor visitou?
Visitei um menino mineiro de nove anos na sexta-feira em um abrigo em Baytown, bem próximo a Houston. Fui com outras três funcionárias do consulado. É sempre um trauma ficar separado dos pais. Ele conversou conosco e estava alegre por falar português. O menino está há 26 dias em um abrigo onde só se fala espanhol. Ele contou que tem tido aulas, que brinca com outras crianças e assiste televisão. Sobre a travessia, ele disse que nunca tinha feito uma viagem tão longa. Contou que pegou cinco aviões e caminhou muito. Disse que passou frio à noite e lembrou de quando chegou na imigração: estava quentinho. O menino pareceu bem, é articulado. Perguntamos se tinha visto o jogo do Brasil. Ele disse que não, mas sabia o resultado.
Onde estão os pais dele?
Ele imigrou com a mãe. Só conversou com ela após 22 dias separados. Ela foi solta há dois dias e o abrigo está no processo de liberar o menino. Eles precisam das certidões de nascimentos dos dois, recolher as digitais, são muito rigorosos com as documentações.
*Com reportagem com Beatriz Perez