‘Há comida no Líbano, mas preços estão altos’, afirma representante da ONU
Dificuldade de se adquirir ou consumir alimentos suficientes impactava 30% da população de 6 milhões de habitantes em setembro do ano passado, mas piorou severamente desde então
"O poder de compra colapsou, especialmente para a classe média, os pobres e os muito pobres. Tivemos ao mesmo tempo preços subindo e salários caindo", disse Saade, que se emocionou em alguns momentos da conversa.
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Helicóptero sobrevoa local atingido por explosão no Líbano
AFP
Grande explosão atingiu Beirute, no Líbano, nesta terça-feira
AFP
Explosão no porto de Beirute, Líbano
Anwar Amro /AFP
Explosão em Beirute
Reprodução Twitter
O Líbano já atravessava uma crise econômica antes dessas explosões. Como era o panorama?
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Desde a revolução de outubro de 2019, a crise econômica já estava afetando muito o país, com o problema financeiro de controle de capitais e as pessoas não podendo sacar seu dinheiro nos bancos. Com a rápida desvalorização da libra libanesa e a escassez de dólares, a situação foi se deteriorando.
Como a segurança alimentar foi afetada nesse processo?
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São dois aspectos. O Líbano importa cerca de 80% do que consome - e as importações são cotadas em dólar. Então, toda vez que há uma desvalorização da libra libanesa, os preços da comida sobem quase que automaticamente.
Desde o ano passado, os preços subiram quase 200% para a maior parte dos alimentos. Ao mesmo tempo, a crise econômica resultou em demissões em massa, pessoas tendo seus salários cortados pela metade ou até mais. A taxa de pessoas na pobreza passou de 30% no fim de 2019 para uma estimativa atual de 50%.
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Quais as consequências dessa crise para o libanês?
O poder de compra colapsou, especialmente para a classe média, os pobres e os muito pobres. Tivemos ao mesmo tempo preços subindo e salários caindo. E temos de comprar comida em preços internacionais.
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Então, cerca de 50% da população, de alguma maneira, está em algum nível de insegurança alimentar. A comida está disponível, talvez não tudo, mas a questão é que as pessoas não conseguem comprar. Os preços estão muito altos.
Como o senhor avalia o cenário após a tragédia no porto?
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Existem preocupações de que poderia faltar trigo ou farinha no país. Mas, felizmente, o silo destruído na explosão estava praticamente vazio. Tinha cerca de 15 toneladas lá e a capacidade era de 200 toneladas. Hoje, temos para o consumo de um mês. E há ainda quatro navios que estão em território libanês ou muito próximos que vão descarregar mais cargas.
Os traders também vão pedir novos embarques de países como Rússia e Ucrânia, que não estão tão longe e podem chegar em poucas semanas. Se a logística funcionar bem no porto de Trípoli, não teremos deterioração da segurança alimentar.
Como a comunidade internacional e os libaneses no exterior podem ajudar o país?
Eu pediria que, nesse momento, as comunidades libanesas enviassem recursos para as famílias e comprassem produtos libaneses. É a melhor forma de apoiar e permitir que os produtores libaneses sobrevivam.
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Muitos analistas dizem que a situação no país se deteriorou por causa da corrupção endêmica. O senhor vê dessa forma?
Vou falar em termos gerais. Houve décadas de críticas da corrupção generalizada entre os políticos. As divisões sectárias, o clientelismo, isso é sabido e todos falam disso. A revolução que começou em outubro do ano passado foi uma expressão da frustração. Mas é tão sistêmico que uma mudança vai ser difícil.
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Espero que esse incidente e essa revolta pública, que hoje é extremamente forte, possam trazer mudanças, especialmente num momento em que o país está colapsando. Temos uma crise econômica, a pandemia e agora essas explosões. Essa combinação pode forçar uma mudança.