A proposta também facilitaria a obtenção de green card e reduziria o caminho para a cidadania para os "dreamers", como são chamados os imigrantes sem documentos que chegaram aos EUA ainda crianças, acompanhando os pais.
O governo americano estima que ao menos 11 milhões de pessoas vivam ilegalmente no país. Dados mais recentes do Pew Research Center indicam que, em 2017, pelo menos 160 mil brasileiros estavam ilegais. Gabriela Ribeiro, de 28 anos, chegou a Newark, em New Jersey, em 2019. Formada em administração, vendeu a empresa que tinha com o marido e viajou para os EUA. "Não viemos para cá pensando em ficar ilegalmente. Queríamos ficar seis meses, estender nosso visto por mais seis meses e ver como seria", conta. Mas, uma vez no país, o casal avaliou que não era vantagem voltar.
Moradores de uma "cidade-santuário", onde a legislação local protege a comunidade de imigrantes ao bloquear o repasse de informações de agências locais ao ICE, o serviço de imigração federal, Gabriela e o marido levam uma vida normal, trabalham e pagam impostos. Ainda assim, ela vê uma mudança significativa.
"Com Trump, não havia esperança de legalização, pois não existia nenhuma medida a ser votada que fosse a favor dos imigrantes. E era difícil conviver com isso, porque tenho família no Brasil que desejo muito rever", conta.
Embora os critérios de elegibilidade para o processo de legalização ainda não estejam claros, ela pretende se candidatar "Desde que Biden assumiu a presidência, já venho me preparando para tentar a legalização assim que a reforma for aprovada", diz "Minha documentação está toda atualizada, as taxas estão em dia e já tenho uma reserva financeira para este fim, como me orientou um advogado de imigração."
Heloísa Pereira, que também vive em New Jersey, tinha 42 anos quando foi demitida de um cargo administrativo na Fiat, em 2002, e se mudou para os EUA. "A única forma de me legalizar seria através de um casamento com um cidadão americano. Mas não aconteceu de eu me casar de verdade e não me caso se for de mentira. Em New Jersey, se paga US$ 20 mil por um casamento falso. Eu não tenho coragem de mentir para o juiz", diz.
Em Newark, onde vive, e em Nova York, onde trabalha, Heloísa diz que a rotina de imigrante indocumentada é como qualquer outra. Trabalha de baby-sitter de famílias ricas, paga impostos, tem crédito no banco e vai ao hospital quando precisa sem medo de deportação.
A maior mudança que a legalização de status deve trazer será a chance de sair e entrar nos EUA livremente. Há 18 anos, desde que chegou, ela nunca mais voltou a Minas Gerais para visitar a família. "A legalização será nosso passaporte para a liberdade de ir e vir para outros países. Minha situação é privilegiada, porque tenho irmãs e sobrinhos que têm visto americano e podem me visitar. Mas a maioria dos imigrantes deixou filho, pai e mãe para trás, de famílias mais pobres, e não podem nunca mais ver a família. Para eles, é um desespero."
Desde que chegou, Heloísa disse já ter visto outros governos, como o do republicano George W. Bush, tentar reformar o sistema de imigração e legalizar a vida dos imigrantes. Por isso, tem um otimismo moderado com a proposta de Biden. "Honestamente? Acredito que alguma coisa vai ser feita, mas a proposta é muito ambiciosa. É preciso de apoio no Congresso. Sei que ele tem de propor um plano bem ambicioso para aprovar algo menor, porque é assim a política. Mas acho difícil que seja uma anistia tão ampla quanto prometem."
Se a reforma for aprovada, imigrantes na situação de Gabriela e Heloísa poderão receber um green card após cinco anos, se cumprirem alguns requisitos, como verificação de antecedentes. Após esta etapa, terão direito a solicitar a cidadania em três anos.
Imigrantes sob a proteção do Daca (Ação Adiada para Chegadas na Infância) também seriam beneficiados com a reforma. Implementado em 2012 pelo então presidente, Barack Obama, o programa regulariza temporariamente imigrantes em situação ilegal que chegaram aos EUA quando eram menores, concedendo vistos de estadia e trabalho por dois anos, que podem ser renovados. De acordo com o governo americano, 5.780 brasileiros estão sob status de proteção Daca.
João Paulo Machado Silva, de 25 anos, é um deles. Ele chegou aos EUA quando tinha 8 anos. "Ser dreamer me ajudou muito, porque me permitiu estudar no país e dirigir, mas há um lado negativo: não posso trabalhar em cargos públicos nem viajar para fora dos EUA", disse.
Se a reforma for aprovada, João Paulo e outros dreamers serão imediatamente elegíveis para solicitar um green card e terão um caminho de três anos para a cidadania.
Estudante de direito, João Paulo está otimista com a perspectiva "Muitas pessoas, como meus pais, estão aqui há muitos anos e não conseguem nem ver a família há muito tempo", conta. "Todos os imigrantes estão contando (com o novo governo) para se tornarem cidadãos do país".
Especialistas ouvidos pelo Estadão dizem acreditar que a reforma também possa facilitar a obtenção de vistos de trabalho e de investidor. "Mesmo as pessoas que são reconhecidas como portadoras de alto conhecimento técnico vinham encontrando muitas dificuldades para imigrar nos últimos quatro anos", afirma Carolina Carnaúba, diretora da PwC Brasil, acrescentando que a pandemia tornou o processo ainda mais difícil.
Hoje, o número de vistos de imigração com base em emprego é limitado a 140 mil por ano. A proposta de Biden, que havia sinalizado durante a campanha o desejo de expandir o número de vistos de alta qualificação e acabar com os limites vigentes no país, abre caminho para recuperar vistos não utilizados, reduzir longas filas de espera e eliminar limites de visto por país.
Biden também indicou a possibilidade de facilitar o caminho de recém-formados em programas de doutorado STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática) nos EUA, e de fornecer autorização de trabalho para os dependentes de portadores de vistos H-1B, que permite que empregadores americanos contratem temporariamente trabalhadores estrangeiros em ocupações especializadas.
"Ainda não sabemos se existirão outras regras que facilitam investimentos estrangeiros nos EUA ou um status diferencial para mão de obra qualificada, mas há uma predisposição mais favorável ao imigrante do que nos últimos quatro anos", afirma Carnaúba.