Primeira mulher a presidir o Peru, Boluarte diz que seu governo é de transição e que críticas podem ter conotação machistaAFP
Boluarte descarta renúncia e 'exige' que Congresso antecipe eleições no Peru
Segundo o balanço da Defensoria do Povo, saldo das violentas manifestações no país é de 19 mortos
Lima - A presidente do Peru, Dina Boluarte, garantiu, neste sábado, 17, que não vai renunciar diante dos protestos violentos desatados após a destituição do antecessor, Pedro Castillo, e pediu ao Congresso que antecipe as eleições, uma demanda popular que poderia pôr fim à crise no país andino.
Ao lado de seus ministros e dos chefes das Forças Armadas e da polícia, Boluarte concedeu uma entrevista coletiva para explicar as ações de seu governo para enfrentar as manifestações iniciadas em 7 de dezembro. Segundo novo balanço da Defensoria do Povo, violência entre manifestantes e forças de segurança até sexta-feira deixaram 19 mortos, após confrontos em Junín (centro).
Em alguns casos, essas mortes ocorreram após enfrentamentos com militares, que foram autorizados a atuar na segurança pública como parte da instalação de um estado de emergência. Os números indicam que também há 569 feridos.
"O que se resolve com a minha renúncia? Aqui vamos permanecer, firmes, até que o Congresso resolva a antecipação das eleições [...] Exijo que se reconsidere a votação" de sexta-feira, quando o Parlamento votou contra adiantar o pleito de 2026 para 2023.
Ontem, o presidente do Congresso, José Williams, detalhou que a votação está pendente de reconsideração em uma sessão futura. Segundo pesquisas recentes, 83% da população considera que adiantar as eleições é a saída para a crise.
Os manifestantes pedem a libertação de Castillo, a renúncia de Boluarte, o fechamento do Parlamento e eleições gerais imediatas.
"Só vamos conseguir trabalhar com calma, cordialidade e diálogo sincero e aberto [...] Como vamos brigar entre nós peruanos, arruinar nossas instituições, bloquear estradas?", considerou a presidente.
Boluarte explicou que a presença das Forças Armadas nas ruas é para "cuidar e proteger" os cidadãos, "porque esta situação [protestos] estava ficando fora de controle" com a presença de "grupos violentos".
"Estes grupos não surgiram da noite para o dia, estavam organizados taticamente para bloquear rodovias", acrescentou.
A Defensoria Pública pediu uma investigação criminal devido aos relatos de disparos diretos contra o corpo por parte de militares. Entre as vítimas há menores de idade.
A governante, que está no cargo há dez dias, também anunciou a recomposição de seu gabinete de ministros para enfrentar melhor a crise. Dois de seus ministros renunciaram em reprovação às mortes de manifestantes.
Boluarte, a primeira mulher a assumir a presidência no Peru, um país conservador, considerou que seu governo é de "transição" e que as críticas podem ter conotação machista.
"Não ao machismo. Chega de violência contra a mulher, deixem-me trabalhar em paz", frisou.
Os protestos têm sido mais intensos nos Andes do sul do Peru, uma região assolada pela pobreza e com demandas sociais represadas. Boluarte, natural de Apurímac, uma das áreas em conflito, difundiu parte de sua mensagem em quíchua, idioma falado por parte importante dos habitantes andinos do país.
As manifestações começaram depois que Castillo, um professor rural de esquerda e de origem humilde, tentou dar um autogolpe de Estado em 7 de dezembro, fechar o Congresso, intervir nos poderes públicos e governar por decreto.
Castillo foi detido em "flagrante" quando tentava chegar à embaixada do México para pedir asilo. A Justiça decidiu na quinta-feira que o ex-presidente permanecerá preso por 18 meses, até junho de 2024, enquanto é investigado por rebelião.
O chefe do Comando Conjunto das Forças Armadas, Manuel Gómez de la Torre, garantiu que "a normalidade está sendo recuperada paulatinamente em rodovias, aeroportos e cidades. Estamos voltando à normalidade, que ainda não está assegurada. Contudo, sejamos positivos".
Segundo o ministro da Defesa, Alberto Otárola, houve "atos violentos organizados" que pretendiam "desarmar o Estado", atentando contra aeroportos, rodovias, hidrelétricas e o sistema de gás.
"A tendência é de baixa, mas mantemos o alerta, a situação de violência não acabou e a crise continua", acrescentou Otárola.
Após permanecer fechado por mais de três dias, as operações do aeroporto internacional de Cusco foram retomadas na sexta-feira, o que permitiu evacuar cerca de 4.500 turistas que estavam ilhados na cidade.
Entretanto, cerca de 500 visitantes permanecem presos na cidadela inca de Machu Picchu, a joia do turismo peruano. Neste fim de semana, é esperada a chegada de helicópteros que possam levá-los de volta a Cusco.
"O mais tardar no domingo, sairão todos os turistas ilhados", disse o ministro de Comércio e Turismo, Luis Fernando Helguero, citado pela agência estatal Andina.
Da cidadela inca, outros 200 turistas, principalmente americanos e europeus, caminharam pela ferrovia até a localidade de Ollantaytambo, a cerca de 30 km, para fazer conexão até Cusco.
"Temos que transmitir uma boa imagem para o mundo, o Peru é uma sociedade de paz. Os turistas podem vir com a segurança de que vamos recebê-los de braços abertos e que poderão retornar vivos a seus países de origem", afirmou Boluarte.