Fernández deu o primeiro passo para o pedido de impeachment de juízes da Suprema Corte da ArgentinaAFP

Já nos primeiros dias de 2023, ano em que a Argentina passará por suas eleições gerais para governadores e a presidência, o presidente Alberto Fernández pediu para que o Congresso inicie um julgamento político contra a Corte Suprema de Justiça pelo que considerou mau desempenho das funções da Corte e decisões políticas. O pedido cita um caso de disputa de repasses orçamentários contra a capital, Buenos Aires, comandada pelo possível candidato a presidência, Horacio Rodríguez Larreta
Fernández deu o primeiro passo nesta quarta-feira, 4, ao entregar o projeto de impeachment ao chefe do bloco governista da Câmara dos Deputados, Germán Martínez, e à presidente da Comissão de Impeachment, Carolina Gaillard, a quem solicitou rapidez, informou o governo. Na última terça-feira, 3, ele recebeu o apoio de onze dos 23 governadores das Províncias do país para o envio do pedido de julgamento político, um número abaixo do esperado, segundo a imprensa argentina.
O presidente argentino já havia antecipado em 1º de janeiro, durante sua viagem ao Brasil para a posse de Luiz Inácio Lula da Silva, sua intenção de promover o impeachment do presidente do Supremo, Horacio Rosatti, por "mau desempenho em suas funções". Fernández e os governadores também pediram que se inicie o processo de impeachment contra os demais integrantes do Tribunal - Carlos Rosenkrantz, Juan Carlos Maqueda e Ricardo Lorenzetti - por "alguns fatos com diferentes graus de responsabilidade".
O partido no poder, Frente de Todos (centro-esquerda), tem a maioria simples necessária para abrir a fase de investigação, mas carece dos dois terços dos votos necessários na Câmara e no Senado para avançar na acusação e destituir os quatro magistrados do mais alto tribunal. O quinto lugar da Corte está vago.
De qualquer forma, para convocar formalmente a Comissão de Impeachment, é preciso convocar sessões extraordinárias, o que está previsto para ocorrer na próxima semana.
Disputa contra a capital
O governo e o Judiciário se enfrentam desde que Fernández assumiu o cargo em 2019, com o presidente afirmando desde o princípio sua intenção reformar o Poder Judiciário, sobretudo a Corte Suprema de Justiça. Mas o conflito se intensificou nas últimas semanas depois que a Corte Suprema decidiu a favor do governo da cidade de Buenos Aires em uma disputa com Fernández sobre a distribuição federal de recursos da arrecadação de impostos.
A Corte obrigou o Estado argentino a devolver fundos à Cidade Autônoma de Buenos Aires, governada pelo conservador Horacio Rodríguez Larreta, por um valor de 2,95% da chamada coparticipação federal, acima da taxa atual de 2,32%. Apesar de Fernández inicialmente ter decidido não acatar a decisão, depois anunciou que pagaria o governo da capital, administrada por um dos principais candidatos da oposição para as próximas eleições presidenciais.
O chefe de Estado acusou a Corte Suprema de "invadir arbitrariamente as esferas das competências exclusivas e excludentes dos demais Poderes" do Estado. Também considerou esta uma decisão política no ano eleitoral, em referência às eleições gerais de outubro.
Em resposta, o prefeito da capital acusou Fernández de querer romper a ordem constitucional. "O kirchnerismo quer passar por cima das leis e mudar o árbitro, que numa república como a nossa é a Justiça". A coalizão de oposição Juntos pela Mudança, que inclui o prefeito, já anunciou sua rejeição ao processo de impeachment.
Para acirrar a crise com o Poder Executivo, nos últimos dias de 2022 vazaram conversas supostamente comprometedoras entre um funcionário do governo da capital e um assessor do presidente do Supremo.
As divergências entre o Executivo e o Supremo também abrangem as decisões relativas à composição do Conselho da Magistratura - órgão que nomeia, sanciona e destitui os juízes -, em um contexto em que a vice-presidente, Cristina Kirchner, enfrenta vários casos por supostos crimes ocorridos durante seus mandatos (2007-2015).
Em uma delas, em 6 de dezembro, a ex-presidente foi condenada por administração fraudulenta a seis anos de prisão e inabilitada para o exercício de cargos públicos, decisão da qual decidiu recorrer. Após a sentença, Kirchner anunciou que não concorrerá a nenhum cargo nestas eleições, pela primeira vez em 20 anos.
Um dia antes do julgamento de Kirchner, Fernández ordenou em rede nacional a abertura de uma investigação criminal sobre um possível conluio entre juízes e promotores que atuavam no processo de sua vice.
Segundo uma pesquisa de meados de 2022, mais de 78% dos argentinos têm uma opinião negativa ou muito negativa sobre o funcionamento da Justiça.