Chiara, de 46 anos, e sua companheira grávida, Christine, de 42Tiziana Fabi/AFP
"É um pesadelo", disse à AFP esta mulher de 46 anos, mãe de uma criança de três anos. Com sua companheira, Christine, elas veem como "única opção" deixar amigos, família e trabalho na Itália e se mudar para a Espanha.
A Itália legalizou as uniões civis em 2016, mas a lei sobre os direitos parentais para casais do mesmo sexo é ambígua.
Nos últimos anos, as prefeituras, seguindo várias decisões judiciais, registraram tanto os pais biológicos quanto os não biológicos nas certidões de nascimento. Em janeiro deste ano, porém, o ministro do Interior, Matteo Piantedosi, proibiu os municípios de registrarem as certidões de crianças nascidas no exterior por barriga de aluguel, citando uma decisão judicial.
Pouco depois, vários procuradores começaram a denunciar as certidões de nascimento de menores nascidos de pais do mesmo sexo.
Chiara consta como mãe de Arturo, mas, por não ser sua mãe biológica, sua certidão de nascimento e seus direitos podem ser refutados. O mesmo pode acontecer com seu segundo filho, que nascerá no início de 2024.
"A ideia de que esse bebê possa ser entregue para adoção, caso Christine morra, em vez de ser entregue a mim, é uma loucura", diz Chiara, que prefere não informar seu sobrenome.
Inação dos governos
Os casais do mesmo sexo e as mães solteiras não têm acesso à barriga de aluguel, e não existe nenhuma lei que preveja o registro de crianças concebidas no exterior por mães homossexuais que dão à luz na Itália.
Prefeitos de cidades como Roma, Milão, Turim, Nápoles e Bolonha instaram o Parlamento a legislar sobre a questão o mais rápido possível. Mas, em um país de maioria católica, a inação dos governos acabou com as esperanças dos militantes. E mais ainda com a chegada do governo Meloni ao poder.
A líder do partido de extrema direita Irmãos da Itália, que se apresenta como uma "mãe cristã", opõe-se à "ideologia de gênero" e ao "lobby LGBT" e insiste em que as crianças podem ser criadas apenas por pais heterossexuais.
Os juízes de Milão e Bérgamo ordenaram este ano que as certidões de nascimento de filhos de pais do mesmo sexo fossem modificadas. E um promotor de Pádua determinou que o município suprimisse, de forma retroativa, os nomes das mães não biológicas das certidões de nascimento desde 2017.
'Como uma tia'
Retirar Kelly de sua certidão de nascimento seria considerá-la "como uma tia, uma amiga", embora "quiséssemos juntas nosso filho", disse Bruni, de 40 anos, à AFP. "Ela estava na sala de parto comigo, cortou o cordão umbilical", completou.
Essa mulher lamenta condições jurídicas desiguais, com apenas 15 minutos no tribunal para sua defesa e erros em documentos oficiais.
Os casais do mesmo sexo também temem perder os direitos parentais em caso de morte, ou separação.
O advogado Michele Giarratano, que representa 15 famílias, explica que os filhos privados de um pai "também perdem todo o lado familiar deste pai", e os direitos de herança.
Os juízes de Pádua decidirão em janeiro e poderão enviar o caso à Corte Constitucional italiana, cuja decisão poderá ter alcance nacional. Até então, o prefeito desta cidade, Sergio Giordani, que autoriza o registro de mães do mesmo sexo desde 2017, disse que continuará a fazê-lo.
"Como você pode dizer que esta é uma criança da categoria A, e aquela, de categoria B? Que essa tem direitos, e aquela, não?", questiona.
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