Em decisão histórica, papa autoriza bênção para casais do mesmo sexoAnna Clara Laurindo (RC24h)
Em decisão histórica, papa autoriza bênção para casais do mesmo sexo
Novo documento, divulgado ontem pelo Vaticano, prevê uma mudança significativa na política da Igreja Católica
Em uma ação histórica, o papa Francisco aprovou formalmente a permissão para sacerdotes abençoarem casais do mesmo sexo. Um novo documento, divulgado ontem pelo Vaticano, prevê uma mudança significativa na política da Igreja Católica, apontando que as pessoas que procuram o amor e a misericórdia de Deus não devem ser sujeitas a "uma análise moral exaustiva" para receber uma bênção.
A declaração Fiducia supplicans sobre o significado pastoral das bênçãos, publicada pelo Dicastério para a Doutrina da Fé com aval do papa, constitui um fato raro. Desde agosto de 2000, o antigo Santo Ofício não publicava uma declaração (a última foi em 2000, Dominus Jesus, um documento de alto valor doutrinário, do mais importante departamento doutrinal da Igreja). Na introdução, o prefeito do discastério, cardeal argentino Victor Fernandez, explica que se fez uma reflexão teológica "baseada na visão pastoral de Francisco".
O documento contém uma carta que o papa enviou a dois cardeais conservadores e publicada em outubro. Nesta resposta, Francisco sugeriu que tais bênçãos poderiam ser oferecidas em algumas circunstâncias, contanto que não se confunda o ritual com o sacramento do casamento. A situação resolve ainda uma disputa interna, uma vez que padres na Bélgica e na Alemanha já davam essas bênçãos, enquanto conservadores americanos as condenavam. Agora, os sacerdotes que quiserem poderão dar essas bênçãos.
O novo documento desenvolve essa ideia, reafirmando que o casamento é um "sacramento vitalício entre um homem e uma mulher". Ele sublinha que as bênçãos devem ser de natureza não litúrgica e não devem ser conferidas ao mesmo tempo que uma união civil, por meio de rituais definidos ou mesmo com as roupas e gestos próprios do casamento. Mas diz que os pedidos de tais bênçãos para casais do mesmo sexo não devem ser negados.
Francisco, que completou 87 anos neste domingo, e tem uma década de pontificado, vem dando acenos para uma maior inclusão de grupos LGBT+ na Igreja Católica. Em entrevista no começo do ano, ele reforçou que "homossexualidade não é crime". Em 2008, ainda sob o comando do antecessor, o papa Bento XVI, o Vaticano havia se recusado até a assinar uma declaração das Nações Unidas pedindo o fim das leis que criminalizam a homossexualidade.
Em outubro de 2020, circularam trechos de um documentário, que estrearia no fim daquele ano, em que o pontífice defendia leis que previam a união civil entre pessoas do mesmo sexo e o direito de os homossexuais serem acolhidos pelas suas famílias. Semanas depois, porém, ele divulgou um documento destacando que suas palavras não sinalizavam mudança na doutrina católica.
CONFIANÇA
O documento divulgado nesta semana oferece definição extensa e ampla do termo "bênção" nas escrituras católicas. "Em última análise, uma bênção oferece às pessoas um meio de aumentar a sua confiança em Deus", afirma o documento. "O pedido de bênção, portanto, expressa e alimenta a abertura à transcendência, à misericórdia e à proximidade de Deus em mil circunstâncias concretas da vida, o que não é pouca coisa no mundo em que vivemos". E acrescenta: "É uma semente do Espírito Santo que deve ser nutrida, não impedida".
Em 2021, a Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano disse categoricamente que a Igreja não poderia abençoar as uniões de dois homens ou duas mulheres porque "Deus não pode abençoar o pecado". Esse documento criou um clamor - pelo qual parece que até Francisco foi surpreendido, apesar de ter aprovado tecnicamente a sua publicação. Logo após a divulgação, o pontífice demitiu o funcionário responsável por ela e começou a lançar bases para uma reversão.
No novo documento, diz o Vaticano, a Igreja deve evitar "esquemas doutrinários ou disciplinares, especialmente quando conduzem a um elitismo narcisista e autoritário pelo qual, em vez de evangelizar, se classifica os outros. "E, em vez de abrir a porta à graça, esgotamos as nossas energias na inspeção e verificação."
O Vaticano sempre afirmou que o casamento, enquanto sacramento, é uma união indissolúvel entre homem e mulher. Como resultado, se opõe ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. O novo texto reitera que, conforme a "doutrina católica perene", só as relações sexuais dentro do casamento entre homem e mulher são consideradas lícitas. Mas também sublinha que as pessoas em uniões "irregulares" - homo, bi ou heterossexuais - estão em um estado de pecado.
Mas diz que isso não deveria privá-los do amor ou da misericórdia de Deus. "Assim, quando as pessoas pedem uma bênção, uma análise moral exaustiva não deve ser colocada como precondição para concedê-la", afirma o documento.
REAÇÕES
O reverendo americano James Martin, que defende maior acolhida para os católicos LGBT+, elogiou o novo documento como um "grande passo em frente" e uma "mudança dramática" na política do Vaticano". "Juntamente com muitos padres católicos, terei agora o prazer de abençoar os meus amigos em casamentos entre pessoas do mesmo sexo.
O LifeSite News, portal conservador dos EUA, publicou ontem que o documento foi lançado "em contradição com o imutável ensinamento do Catolicismo de que a Igreja não pode abençoar relacionamentos em pecado." Já John Oballa, bispo da Diocece de Ngong, em Nairobi, capital do Quênia, disse em entrevista: "Temos certeza de que muitos questionamentos virão da congregação. Vão querer saber o quão longe isso vai, que implicações terá e o que prediz sobre o futuro".
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