Gangues tentam paralizar Porto Príncipe, capital do Haiti, para derrubar o atual primeiro-ministro do paísClarens Siffory / AFP
O primeiro-ministro do Haiti, Ariel Henry, ainda não conseguiu voltar ao país depois que grupos paramilitares atacaram uma penitenciária, libertando 4 mil presos, e estiveram próximos de controlar o aeroporto internacional de Porto-Príncipe, capital do país caribenho. Sem conseguir voltar ao Haiti, Henry pousou em Porto Rico, território dos Estados Unidos no Caribe.
O pesquisador do Grupo de Estudos em Conflitos Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), João Fernando Finazzi, destacou que os grupos armados estão mais fortes hoje que antes das últimas intervenções internacionais e acredita que, por isso, há uma possibilidade real de que eles tomem o poder em Porto Príncipe.
“Os grupos estão mais profissionalizados, com operações com táticas mais complexas, armamento muito mais pesado, ponto 50, rifles, snipers e drones, sendo que boa parte desse armamento, os relatórios da ONU [Nações Unidas] já mostraram, vem dos Estados Unidos, principalmente da Flórida”, destacou.
As gangues
“Esses grupos que estavam se matando, que estavam disputando o controle no país, eles convergem na pauta de oposição ao governo”, acrescentou Finazzi, que é doutor em relações internacionais pelo programa San Tiago Dantas.
Para o professor aposentado Ricardo Seitenfus, esses grupos são oportunistas e estão aproveitando o vácuo de poder causado pela fraqueza das forças policiais.
“Eles veem a oportunidade, primeiro, de fazer os sequestros e aferir lucros com os resgates. Mas notam hoje que eles podem ter um papel político. Há um discurso tentando dizer que esse é um suposto processo revolucionário. O que há por trás disso é que sempre houve uma espécie de conivência, de aceitação, às vezes até de colaboração entre o poder político e as gangues no Haiti”, afirmou.
“Tem grupos armados que, por vezes, não são necessariamente gangues puramente criminais. Você tem alguns grupos armados de autodefesa que têm uma certa representatividade comunitária também”, comentou Finazzi, que diz ser difícil definir a natureza desses grupos.
“É muito difícil distinguir se são grupos criminosos ou se são revolucionários porque pode ser um grupo revolucionário, mas que comete crimes. Ao mesmo tempo, pode ter grupos simplesmente criminosos que usam da ideia de revolução para conseguir alcançar seus fins particulares”, acrescentou.
Governo não eleito
Herdeiro político indicado por Moïse, Henry chegou ao poder sem passar por eleições. Apoiado pela comunidade internacional desde então, ele já prometeu realizar eleições por duas vezes. Na última vez, prometeu deixar o cargo em 7 de fevereiro deste ano, o que não aconteceu. Agora, o premiê informa a interlocutores que pretende ficar no governo até agosto de 2025.
“Ele está no poder há três anos governando por decretos. O Parlamento haitiano não tem nenhum membro. Então, a impressão que se tem, e certamente não é errônea, é de que há uma postergação indefinida desse governo que deveria ser de transição”, destacou o pesquisador João Fernando Finazzi, acrescentando que o Haiti está há sete anos sem eleições.
“A comunidade internacional falhou em lidar com esse processo exatamente na medida em que não pressionou o suficiente o primeiro-ministro Ariel Henry para que ele realizasse essas eleições”, completou.
Intervenção Internacional
O especialista João Fernando Finazzi tem dúvidas do sucesso de uma ação como essa por considerar que as duas últimas intervenções não conseguiram resolver o problema de segurança do país. A última, liderada pelo Brasil, terminou em 2017.
“Quando essas intervenções acontecem, elas conseguem, em um ou dois anos, conter esses grupos armados porque existe uma diferença de poder de fogo. Só que, na medida em que essas tropas se retiram, esse quadro volta”, ponderou.
Ao contrário das intervenções anteriores, desta vez o apoio é bem menor. “Será que uma missão com 4 mil ou 5 mil policiais de diversos países, com baixo poder militar, vão fazer aquilo que os Estados Unidos, em 1994, não conseguiram fazer com 20 mil marines?”, questionou.
Finazzi lembrou que, na intervenção da década de 1990, os Estados Unidos construíram a atual Polícia Nacional haitiana, fizeram uma reforma no sistema de segurança, financiando e trenando as forças internas. “Poucos anos depois, em 2004, você teve um cenário muito parecido com o que a gente está enxergando agora”, comentou.
O professor Ricardo Seitenfus, por sua vez, acredita que essa possível intervenção encontrará forte resistência armada. “A confrontação ocorrerá, entre essa missão multinacional que diz que chegará no Haiti e não se sabe quando, composta por militares, mas sobretudo policiais do Quênia e de outros países, contra essas guerrilhas são muito bem armadas, são jovens, assassinos, sequestradores e que não têm nenhum receio de enfrentar essa missão”, destacou.
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