Maioria da corte mostrou-se reticente a limitar o uso do medicamentoAFP

A Suprema Corte dos Estados Unidos se mostrou inclinada, nesta terça-feira (26), a rejeitar os pedidos para restringir o acesso a uma pílula abortiva amplamente utilizada no país, um caso sensível que reacende o debate em pleno ano eleitoral.

Grupos conservadores estão tentando impedir o acesso à mifepristona, um fármaco utilizado nos abortos induzidos medicamente, que correspondem a quase dois terços dos procedimentos.

Dezenas de manifestantes pró e contra a interrupção de gestação se reuniram nesta terça-feira em Washington, do lado de fora do tribunal, enquanto os nove juízes começavam a ouvir os argumentos do caso, o mais relevante sobre aborto a chegar à corte em dois anos.

Apesar de seis dos nove juízes serem de linha conservadora, a maioria da corte mostrou-se reticente a limitar o uso do medicamento.

Médicos e organizações antiaborto querem restringir o acesso ao fármaco argumentando que não é seguro e que há médicos que estão vendo-se obrigados a agir contra sua consciência ao tratarem pacientes que sofrem complicações após o uso de mifepristona.

"São situações que colocam em perigo a vida, nas quais a opção de um médico é se retirar e tentar encontrar alguém mais, ou atender a mulher que está tendo uma hemorragia", disse Erin Hawley, advogada da Alliance Defending Freedom, que representa os grupos antiaborto.

A advogada-geral dos Estados Unidos, Elizabeth Prelogar, que representa o governo de Joe Biden, rebateu afirmando que essas são situações "remotas", e que os antiaborto não são capazes de "identificar um único médico específico que enfrente um prejuízo iminente".

"Disseram que temem que haja um médico em uma sala de emergências em algum lugar, algum dia, que possa receber uma paciente com uma complicação sumamente rara, e tenha que possivelmente atendê-la", disse Prelogar.

A mifepristona está aprovada pela Administração de Alimentos e Medicamentos dos Estados Unidos (FDA) desde o ano 2000.

Em 2016, a agência reguladora atualizou a prescrição para até a décima semana de gravidez - anteriormente apenas até a sétima - e permitiu que os comprimidos fossem prescritos por meio de consultas online e enviados pelo correio durante a pandemia da covid-19.

No entanto, a pedido de grupos antiaborto, um tribunal de apelações reverteu as alterações no ano passado.

O governo do democrata Joe Biden e a fabricante da mifepristona, o laboratório Danco, recorreram dessa decisão perante a Suprema Corte, cuja decisão se espera para o fim de junho, quatro meses antes das eleições presidenciais, nas quais o aborto deve ser um tema central.

Processos da FDA, 'padrão ouro'
A juíza progressista Ketanji Brown Jackson disse estar preocupada com o que considera um "desequilíbrio significativo neste caso, entre o prejuízo que se alega e o remédio que se quer aplicar".

"O que [os médicos antiaborto] estão pedindo é que, para evitar que eles, talvez, em algum momento, tenham que praticar este tipo de procedimento, todo o restante da população se veja impedido de ter acesso a este medicamento", afirmou Jackson.

O juiz Neil Gorsuch, de linha conservadora, expressou preocupações similares.

"Este caso me parece um excelente exemplo de quando algo que poderia ser uma pequena demanda, se transforma em uma assembleia legislativa de alcance nacional sobre uma decisão da FDA ou qualquer outra ação do governo federal", disse Gorsuch.

Jessica Ellsworth, advogada do laboratório Danco, expressou "preocupações importantes" diante do risco de que os tribunais substituição nas decisões científicas dos especialistas e dos "processos de revisão da FDA, que são padrão ouro".

Apenas dois juízes - os conservadores Clarence Thomas e Samuel Alito - concordaram com os argumentos dos grupos que querem restringir a mifepristona.

"Você acha que a FDA é infalível?", perguntou Alito à advogada Ellsworth em certo momento.

A mais recente batalha judicial em torno dos direitos reprodutivos ocorre no momento em que o uso de pílulas abortivas está aumentando.

Interrupções de gestação com medicamentos representaram 63% dos abortos realizados no país no ano passado, em comparação com 53% em 2020, de acordo com dados do Instituto Guttmacher.

Em 2022, a Suprema Corte derrubou a jurisprudência do caso Roe vs. Wade (1973) que garantia o direito ao aborto, e deu a cada estado a liberdade de legislar sobre o tema.

Desde então, cerca de 20 estados proibiram ou restringiram este direito.

As pesquisas mostram que a maioria dos americanos apoia a continuidade de acesso a abortos seguros.