Presidente Joe Biden durante discurso no primeiro dia da Convenção Nacional Democrata AFP

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, se despediu na segunda-feira (19) à noite com um discurso emocionado e após uma grande ovação na Convenção Nacional Democrata, em Chicago, onde passou o bastão eleitoral para a vice-presidente Kamala Harris, que disputará a Casa Branca com o republicano Donald Trump.
"América, eu dei o meu melhor a você", disse Biden, de 81 anos, citando o trecho da canção "American Anthem", de Gene Scheer, que foi gravada por Norah Jones e que ele também mencionou em seu discurso de posse em 2021. "Eu cometi muitos erros na minha carreira, mas dei meu melhor a vocês", insistiu.

Biden, que desistiu de disputar a reeleição em julho, depois das críticas por sua idade avançada, não desperdiçou a oportunidade de falar sobre o tema.
"Disseram que era muito jovem para ser senador por não ter 30 anos e muito velho para seguir como presidente", disse, arrancando risadas da plateia. "Mas espero que saibam o quanto sou grato a todos vocês", completou.

O presidente foi recebido com gritos de "Nós amamos Joe!" e "Obrigado, Joe!" por milhares de democratas, que o aplaudiram de pé.

Apesar dos momentos nostálgicos em que resumiu meio século de vida política, o discurso de uma hora de Biden foi veemente, concentrado na luta que Harris e o partido têm pela frente contra o ex-presidente republicano Donald Trump nas eleições de novembro.

O presidente criticou diretamente Trump e pediu aos eleitores que escolham para comandar a Casa Branca "uma promotora, ao invés de um criminoso condenado", uma referência ao antigo cargo de Harris e ao veredicto emitido contra o magnata em Nova York em um dos processos judiciais contra ele.

"A democracia prevaleceu e agora a democracia precisa ser preservada", disse Biden, depois de acusar Trump de promover o ódio.
O presidente perguntou aos eleitores se eles estavam prontos para votar pela liberdade. Ele relembrou o ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, e disse que não há lugar para violência política nos Estados Unidos.

"Não há espaço nos Estados Unidos para a violência política", disse o presidente, que pediu aos democratas que continuem "avançando, e não retrocedendo". "Vocês não podem dizer que amam o país só quando ganham", afirmou Biden. "A democracia precisa ser preservada. Vocês me ouviram dizer isso antes, mas estamos em um momento de inflexão", acrescentou.
Ao longo do discurso, o democrata afirmou que fez um governo para todos os norte-americanos, com foco na garantia da democracia e reconstrução da economia. Ao fazer um balanço da gestão, Biden disse que criou empregos, reduziu desigualdades e controlou a inflação.

Emoção 
Apresentado por sua filha Ashley, Biden enxugou as lágrimas por alguns segundos, assim como Harris, que alguns minutos antes subiu ao palco para iniciar o evento e agradecer ao presidente, a quem descreveu como "incrível". 
Muitas pessoas choraram durante a noite agridoce de Biden. "O discurso foi incrível", disse Alexis Rossum, da Louisiana. "Acho que ele fez um grande trabalho emocionando a todos, repassando as suas conquistas e as de Kamala, nos encorajou a votar e garantiu que estamos no caminho correto", acrescentou.

"Ele passou o controle para uma promotora jovem e vibrante que está pronta para agir", afirmou Azziem Underwood, de Seattle. "Ele parecia bem, pensei 'por que ele se aposentou? Estava excelente hoje'", completou.

Algumas horas antes, a ex-secretária de Estado Hillary Clinton emocionou os participantes da convenção com um discurso otimista. "Algo está acontecendo nos Estados Unidos. (...) Algo pelo qual trabalhamos e sonhamos há muito tempo", disse.

Mas a política, que perdeu as eleições presidenciais para Trump em 2016, alertou para o desafio das próximas semanas e pediu que todos "trabalhem mais duro do que nunca".

Hillary afirmou que é necessário impedir "os perigos que Trump e seus aliados representam" e disse que o republicano fez "seu próprio tipo de história: 'O primeiro candidato à presidência condenado por 34 acusações'". A plateia respondeu ao discurso aos gritos de "prendam ele".

Além dos elogios políticos, a convenção democrata abriu espaço para vozes a favor do acesso ao aborto, principal questão da plataforma de Kamala Harris, e uma pedra no sapato dos republicanos. "Donald Trump vai conhecer o poder das mulheres em 2024", afirmou Biden.
O democrata ainda acusou o ex-presidente de mentir sobre dados de segurança pública. Na convenção republicana, Trump afirmou que os índices de violência estavam em alta, como resultado da imigração ilegal.

"Os crimes violentos caíram para o nível mais baixo em mais de 50 anos. E a criminalidade continuará diminuindo quando colocarmos uma promotora [Kamala] no Salão Oval, em vez de um criminoso condenado", disse Biden.

O presidente encerrou o discurso afirmando que cometeu muitos erros durante a carreira, mas que deu o seu melhor pelos Estados Unidos.

"Por 50 anos, como muitos de vocês, dei meu coração e alma a nossa nação e fui abençoado milhões de vezes em troca do apoio das pessoas", apontou.
Passagem de bastão
Em uma aparição não prevista na Convenção do Partido Democrata, a candidata à presidência dos Estados Unidos Kamala Harris subiu ao palco para fazer um agradecimento ao presidente Joe Biden, de quem é vice.
"Joe, obrigada por sua liderança histórica, por sua vida de serviço à nossa nação e por tudo o que você continuará a fazer", afirmou.
Durante o discurso, o democrata fez uma série de elogios a Kamala. Biden afirmou que os EUA estão prontos para eleger a primeira mulher presidente da história do país. Ele também tentou mostrar as diferenças entre Kamala e Trump.

"Kamala e Tim (Walz) vão proteger a assistência médica. Trump quer cortar o seguro social e a assistência médica. Kamala e Tim vão proteger a liberdade, vão proteger o seu direito ao voto, os direitos civis", disse.
Em um dos momentos, o democrata afirmou que Donald Trump se curvou a ditadores, como o presidente russo Vladimir Putin. Biden disse que Kamala nunca vai se curvar a Putin e será respeitada pelos líderes mundiais.

O presidente também prometeu que ele e Kamala conseguiriam um acordo de cessar-fogo na Faixa de Gaza para libertar os reféns que estão sob o poder do Hamas.

Gaza 
Apesar da imagem de unidade e emoção que os democratas querem apresentar na convenção, o sentimento não é unânime.

Quase 30 delegados que integram o movimento "Não Comprometidos" chegaram ao evento incomodados com a posição do governo Biden-Harris a respeito da guerra em Gaza.

Asma Mohammed, delegada de Minnesota, disse que está decepcionada com a ausência de uma voz pró-palestina na convenção e teve uma opinião dissonante na despedida simbólica de Biden.

"Acho que o partido precisava de uma mudança. Não fico triste com a saída de alguém que apoiou descaradamente um regime genocida em Israel", disse.

O grupo é uma pequena minoria, considerando que o evento conta com quase 5 mil delegados, mas a causa faz barulho: quase mil pessoas protestaram na segunda-feira no centro de Chicago contra a represália de Israel contra o Hamas em Gaza, que deixou mais de 40 mil mortos.

Biden, surpreendentemente, reconheceu o descontentamento em seu discurso. "Os manifestantes nas ruas têm um ponto. Muitas pessoas inocentes estão morrendo nos dois lados", disse.

"Vamos continuar trabalhando para trazer os reféns para casa e acabar com a guerra em Gaza" entre Israel e o movimento islamista Hamas, prometeu.
 
*Com informações da AFP e Estadão Conteúdo