A Justiça da França anunciou nesta quinta-feira (19) a pena máxima de 20 anos de prisão a Dominique Pelicot por drogar durante uma década sua então esposa Gisèle para estuprá-la ao lado de dezenas de desconhecidos, no último ato de um julgamento histórico.
"Senhor Pelicot, em relação ao conjunto dos fatos, o declaramos culpado de estupro com agravantes", declarou Roger Arata, presidente do tribunal de Avignon, no sul da França.
O réu de 72 anos, que recebeu o veredicto de culpa de pé e sem expressar qualquer emoção, nunca negou ter drogado Gisèle com ansiolíticos entre 2011 e 2020 para que ela dormisse e conseguir estuprá-la ao lado de homens desconhecidos que ele contactou pela internet.
Mas a pena severa o afetou, afirmou sua advogada, Béatrice Zavarro, que na quarta-feira declarou à AFP esperar que o tribunal levasse em consideração os "traumas" que seu cliente sofreu durante a infância, incluindo um estupro aos 9 anos. Ela não descartou a possibilidade de apresentar um recurso contra a decisão.
Além do principal réu, o tribunal declarou culpados os outros 50 acusados - um deles à revelia -, apesar de cerca de 30 deles terem solicitado a absolvição por acreditarem que foram "manipulados" pelo "monstro" Dominique Pelicot.
Os magistrados anunciaram penas de entre três anos de prisão - um de cumprimento obrigatório - e 15 anos de prisão para o grupo, o que está dentro da média de condenação de 11,1 anos por estupro na França em 2022, mas ficou abaixo dos pedidos de entre quatro e 18 anos de detenção solicitados pela Promotoria.
Em uma demonstração de pressão sobre os cinco magistrados, o coletivo feminista Amazonas de Avignon, colou cartazes ao redor do tribunal com as frases: "Natal na prisão, Páscoa atrás das grades" e "A vergonha mudou de lado".
A tensão era palpável no tribunal, que recebeu um grande dispositivo de segurança. Dos 32 acusados que compareceram em liberdade, alguns não seguirão diretamente para a prisão, apesar da condenação.
A decisão do tribunal foi acompanhada de perto na França e também no exterior, onde o julgamento e sua vítima Gisèle Pelicot se tornaram um símbolo das agressões sexuais contra as mulheres. Os réus, com idades entre 27 e 74 anos, têm perfis sociais diversos.
Profissionais de 180 veículos de comunicação - 86 estrangeiros - foram credenciados para acompanhar a leitura do veredicto, mas apenas quatro - entre eles a AFP - tiveram acesso à sala principal do tribunal. Os demais jornalistas permaneceram em salas de transmissão anexas.
Fora do comum por sua duração, pelo número de acusados e, sobretudo, pela atrocidade dos fatos denunciados, o julgamento já entrou para a história.
Laure Chabaud, uma das representantes do Ministério Público, desejou durante o julgamento que a decisão do tribunal fosse além do destino dos acusados, enviasse "uma mensagem de esperança às vítimas de violência sexual" e servisse para concretizar uma "mudança" na sociedade.
As associações feministas também esperam que o julgamento mude a atitude das pessoas em relação ao estupro, tentativa de estupro e agressão sexual, denunciados na França por mais de 200.000 mulheres a cada ano.
O caso também ajudou a personificar o flagelo das vítimas de agressão sexual, em particular por meio do uso da submissão química, na figura de Gisèle Pelicot.
A mulher de 72 anos, que rejeitou um julgamento a portas fechadas, passou de uma vítima anônima e um ícone feminista que exortou as mulheres a "não permanecerem em silêncio" para que "a vergonha mude de lado".
"Obrigado Gisèle", afirma uma faixa pendurada no centro histórico de Avignon, diante do tribunal.