Em um clássico filme da década de 1990, aprisionado em um looping diário por um "feitiço do tempo", um jornalista rabugento – interpretado pelo comediante Bill Murray – acorda todo dia no mesmo dia do ano (o "Dia da Marmota"), obrigado a cobrir as festividades de uma cidade provinciana, onde, por força do destino, tem que conviver com a população local e suas idiossincrasias a fim de tornar-se uma pessoa melhor e se libertar.
Construída sobre a ideia de uma pessoa que fica "presa no tempo", infelizmente, a narrativa dessa película parece ter muito em comum com a história da centenária Escola de Teatro Martins Penna. É a primeira escola pública de teatro do Brasil, e, assim como Bill Murray, parece estar fadada a viver crises periódicas, numa espécie de looping no tempo.
Foi propriamente de uma "crise" que nasceu a Martins: a do Teatro Brasileiro. Credita-se sua criação aos reclames de personalidades que, durante boa parte do século 19, insistiam que o Brasil precisava de uma escola pública para formar artistas que estivessem no mesmo nível dos europeus. Em 1908, essa escola pública foi criada a partir de um decreto que estabeleceu uma concorrência pública para conceder a gestão do Theatro Municipal da cidade do Rio de Janeiro (recentemente construído) a empresários. Nesse decreto, o vencedor seria obrigado a colocar em funcionamento e manter uma escola pública de teatro. Dessa forma, em 1910, a Escola Dramática Municipal (primeiro nome da Escola de Teatro Martins Penna) abre sua primeira turma.
Desde então, como incita a abertura deste texto, a Escola Martins Penna passa a conviver com crises constantes em sua história. No entanto, não crises advindas dos debates sobre a formação do artista, mas sim crises deflagradas por conta do abandono do Estado. Em 1910, Coelho Netto, primeiro diretor da Escola, cinco meses após a sua inauguração, pede demissão ao prefeito em face da dificuldade de manter os professores. Em 1928, uma matéria denuncia o "estado deplorável" das instalações da Escola Dramática. Em 1939, cinco de seus sete professores são obrigados a deixar a escola, interferindo diretamente no seu funcionamento. De 1940 a 1943, a escola fecha. Só em 1951 chega ao Casarão do Barão do Rio Branco (esse que está para cair!), após passar por, no mínimo, cinco endereços diferentes.
Já com o nome Martins Penna, a escola vive crises: entre 1964 e 1968, quase culminando em seu fechamento; entre 1983 e 1988, pós a gestão José Wilker, com professores sem qualquer estabilidade; em 1997, quase passando para a iniciativa privada; em 2006, quando faltava até papel higiênico; em 2015, na crise dos contratos da Faetec, com a iminência de falta de docentes; e, por fim, agora em 2023, com a ameaça "a casa vai cair".
De uma vez por todas, o que os governantes precisam entender é que a Escola de Teatro Martins Penna é um patrimônio imaterial da Cultura e da Educação brasileiras. E não basta não deixar a casa cair. É preciso construir um prédio para a Martins à altura de sua produção e manter a continuidade de todos os projetos. Isso seria uma reparação histórica e um projeto concreto de valorização da instituição.
Heitor Collet é doutor em Educação, pesquisador e professor da Escola Técnica Estadual de Teatro Martins Penna
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