Paulo Velasco é coordenador do Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais da UERJ (PPGRI-UERJ)divulgação

O cinco primeiros meses do governo Lula revelam uma intensa agenda internacional, com foco nos encontros com lideranças globais e o objetivo de resgatar a credibilidade internacional abalada nos últimos anos, bem como ampliar a projeção e influência do país em distintos tabuleiros. Em maio, o presidente brasileiro participou da cúpula do G7 em Hiroshima, foro no qual era figura frequente nos anos 2000, em um contexto marcado pelo aumento da envergadura internacional brasileira e por maior influência dos países do sul global.
Mas, desta vez, o contexto mostrava-se muito mais desafiador, a começar pela maior complexidade de um mundo marcado pelas disputas entre China e Estados Unidos e pela dramática guerra na Ucrânia, que já completou 15 meses e parece longe do fim.
Coube ao líder brasileiro aproveitar-se da vitrine do G7 para revelar ao mundo um ativo engajamento em pautas como a defesa do meio ambiente e o compromisso com a agenda do desenvolvimento e do combate à pobreza, além de pressionar pela democratização dos foros multilaterais, especialmente a reforma do Conselho de Segurança da ONU, causa antiga e tradicional para a diplomacia brasileira.
De última hora, contudo, o comparecimento surpresa do presidente Zelensky casou certo mal-estar na delegação brasileira, que subitamente se viu pressionada por um encontro entre Lula e o líder ucraniano. Alegando-se incompatibilidade de agendas, não houve a conversa entre os presidentes e ficou a nítida sensação de certa má vontade em viabilizar a reunião bilateral.
Havia em Hiroshima outros países emergentes convidados e que também divergem das posições ocidentais na guerra, como a Índia e a Indonésia. Diferentemente da postura do presidente brasileiro, contudo, Joko Widoko, presidente da Indonésia, e Narendra Modi, primeiro-ministro indiano, mantiveram encontros bilaterais com Zelensky na Cúpula do G7.
Assim, ficou nítido o isolamento de Lula no tema e o saldo do “não encontro” com Zelensky parece ser o encolhimento das possibilidades de o Brasil ocupar papel mais assertivo na busca por solução negociada para o conflito. O sonho de ganharmos protagonismo como mediadores em um grupo pela paz, proposta que Lula vinha defendendo nos últimos meses, ficou mais distante.
Nos últimos dias, chamou a atenção o encontro em Brasília entre Lula e o presidente venezuelano Nicolás Maduro, até bem pouco tempo proibido de ingressar no Brasil. Na conversa, Lula não se limitou a defender o governo Maduro e sua suposta legitimidade democrática, mas afirmou que os adversários 'terão que pedir desculpas pelo estrago’ causado no país vizinho.
A narrativa reforça a impressão de que as agruras e o caos instalados na Venezuela explicam-se exclusivamente pela ingerência externa e pelas sanções norte-americanas contra o país. Não considera que haveria a incidência de outras variáveis como a deterioração das franquias democráticas com ativa perseguição a opositores, desmandos desastrosos na gestão macroeconômica e no setor petrolífero, além da corrupção nas mais altas esferas da ineficiente e aparelhada burocracia estatal.
Em suma, no afã de ganhar protagonismo e visibilidade internacional, Lula combina importantes e necessários encontros presidenciais com declarações controversas e narrativas temerárias que elevam os riscos para um país que não tem excedentes de poder e que precisa se equilibrar entre velhos aliados ocidentais e estratégicos parceiros do sul global.
*Paulo Velasco Júnior é professor de Política Internacional da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).