Para além disso, especula-se que os ataques ignominiosos que a organização terrorista Hamas perpetrou contra populações civis no dia 07 de outubro também tiveram como leitmotiv atrair Israel - que deve agir com extrema sabedoria e prudência - para uma segunda emboscada. Ou seja, com requintes de inédita crueldade, instalar um terror inaudito e maximizar o medo com uma devastação sem precedentes através de massacres, estupros, incineração, decapitação de bebês e sequestros ainda em andamento. Os objetivos: destruir o mito da invulnerabilidade, obstaculizar os acordos de paz com a Arábia Saudita e instigar o isolamento político de Israel.
Ora, a especialidade da própria cultura judaica ao longo dos milênios tem sido iconoclasta, portanto, a primeira função já estava previamente destinada ao fracasso. O exercício da autocrítica, da humildade e sobretudo a capacidade constante de reavaliar o contexto sempre fizeram parte do DNA do povo judaico. A conhecida metáfora de uma pergunta respondida com outra pergunta é uma prova auto evidente deste procedimento hermenêutico quase inato. Aspectos que os fanáticos de qualquer espécie são privados. Pelo contrário, o ódio dos fundamentalistas concentra-se exatamente sobre a dúvida, o impreciso, o que não se pode ter certeza. É compreensível que não suportem as civilizações que se põem à prova, as democracias, e o desafio permanente sobre as certezas absolutas: a relativização de tudo.
A segunda missão dos terroristas também está se comprovando deficitária, ainda que seja um aspecto a ser observado e seguido com cautela: sabotar acordos e conseguir o isolamento político de Israel. Boa parte do Ocidente, especialmente as verdadeiras democracias — já que existem as de ocasião —, tem reagido de uma forma compassiva e favorável a Israel. Vale dizer, não exatamente ao Estado hebreu, mas se posicionando contra a barbárie, neste claro ataque não apenas aos judeus e pessoas de outras religiões e etnias - de 40 países distintos -, mas a favor de toda civilização.
As marcas do holocausto ainda estavam vivas, em longo processo cicatricial, destarte, aplacadas pela ideia de que agora havia um Estado, perto da infalibilidade, nos aspectos segurança e acolhimento. Um governo que pudesse defender os judeus no caso de oportunistas enxergarem uma brecha para repetir erros antigos, erros que muitos tentaram durante o percurso da história. Nenhum Estado é infalível, e, de fato, Israel cometeu erros e desperdiçou muitas oportunidades de paz com a ala mais pragmática da Autoridade Palestina, alias assassinados e expulsos de Gaza pelo Hamas.
O que fazer quando se enfrenta um inimigo que rejeita a paz, não porque a desconhece ou ignora o termo, mas precisamente porque sabe exatamente o que ela significa?
Então, como nos entenderemos?
A paz é um ardil, um álibi para moderar impulsos, um alimento que ninguém aceita de forma natural. O grande significado da paz, ainda ignoto, não pode ser compartilhado. Não é silêncio, concórdia, tranquilidade, ou "ai dos vencidos". O que a paz não traz, as bombas suprem. Para formar tréguas, é preciso coexistir senão na língua, na linguagem. O multiculturalismo, que deveria significar distensão e convívio, vem transformando-se em multisectarismo. Numa corrosão progressiva que alcança a cultura, as redes eletrônicas multiplicaram dialetos e tribos. Depois de quase oito décadas distantes do fim da Segunda Guerra Mundial, há uma análise mais ousada do que a superficialidade das teorias conspiratórias de Chomsky: o terror pode estar sendo legitimado sob a manipulação política do medo. Vários especialistas afirmaram que os organismos terroristas ocuparam o lugar de administrações ausentes - sob um modo operacional similar no crime organizado e outros bolsões de violência. E há quem leia de forma reducionista que a presença do estado significa esquerda, e sua ausência poder-se-ia traduzir como direita. Evidentemente, nem um nem outro.
Não se trata de debate aberto, de escuta, processo hermenêutico de interpretação para alcançar consensos intelectuais, mesmo precários. Não.
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