Wagner Cinelli de Paula Freitas, desembargador do TJRJ e autor dos livros 'Metendo a Colher' e 'Igualdade e Progresso'Divulgação

O primeiro passo é adotar uma identidade falsa nas redes sociais. Pode ser alguém da realeza, um ator de cinema ou o herdeiro de uma família milionária. Príncipe Harry, Keanu Reeves e Elon Musk, por exemplo, são nomes que aparecem às dezenas em perfis no Facebook e no Instagram. Também pode ser uma criação menos pretensiosa, sem evocar uma celebridade, mas a ostentação é um item que não costuma faltar.
Feito isso, inicia-se a segunda fase, que é a caça às vítimas, para quem são enviados convites de amizade. Outro ataque é via chat, iniciando conversas com um simples "oi". A aceitação do convite ou a resposta à mensagem leva à etapa seguinte: a construção de um vínculo, que se consolida quando a vítima passa a confiar no algoz.
O Don Juan virtual não tem pressa e costuma investir em diversas frentes ao mesmo tempo. É dedicado, galanteador e promete realizar sonhos, podendo ser cruzeiro de luxo, hospedagem em hotel seis estrelas ou casamento campestre em outro continente.
Atingida a fase da confiança, o que pode levar meses para acontecer, o estelionatário sentimental dá o bote. Os enredos são variados: está sofrendo uma injustiça que lhe impede ter acesso à sua fortuna e o empréstimo é apenas temporário; ele lhe enviou um presente, mas é necessário pagar uma taxa para que chegue às suas mãos; tem um investimento que é uma barbada; ou convida a vítima para contribuir para uma obra social. Outra modalidade é obter fotos íntimas para extorqui-la.
O golpe pode ser uma única vez ou de forma continuada e a transferência se dá por diversos métodos, como Pix, Bitcoin e uso do cartão de crédito da vítima. Não obstante, quase nada sabemos quanto aos números relativos a esses delitos, mas um pouco de luz vem dos Estados Unidos.
A Federal Trade Commission (FTC), agência que tem por escopo a proteção do consumidor, aponta que aproximadamente 70.000 pessoas teriam sido lesadas no chamado romance scam em 2022, com um prejuízo da ordem de 1,3 bilhão de dólares. A FTC destaca ainda que o número de vítimas tem aumentado ano a ano, fora a denominada taxa de subnotificação, pois muitas preferem o silêncio, seja pela vergonha da exposição, seja porque o criminoso não foi descoberto, além de, em muitas das vezes, estar em outro país.
O serviço de investigação Social Catfish, voltado a evitar fraudes na internet, incluindo golpes do amor, apresentou o State of Internet Scams 2022, estudo que revela que 78% das vítimas desses esquemas são mulheres, a indicar que o público feminino é um alvo vulnerável.
O fato de esse tipo de golpe ser antigo não impede que continue funcionando, com os predadores incólumes e suas presas amargando prejuízos, que são financeiros e também psicológicos. Por isso, urge falarmos sobre o assunto, ficando a dica de se ter o máximo de prudência nas mídias sociais. Nunca forneça dados pessoais e desconfie se o novo amigo vier com narrativas incomuns, mais ainda se lhe pedir qualquer quantia. Afinal, como bem recomendou Mark Twain, ora parodiado: se um amigo virtual te pede dinheiro, pensa bem qual dos dois preferes perder, o dinheiro ou o amigo.
Wagner Cinelli de Paula Freitas, desembargador do TJRJ e autor dos livros 'Metendo a Colher' e 'Igualdade e Progresso'