Emanuel Alencar. Jornalista e mestre em Engenharia AmbientalDivulgação

Ar-condicionado ligado no máximo, prainha para refrescar, roupas leves, ingestão de frutas e muita água. Nem todos os moradores do Rio conseguem ter à disposição tantos atributos para driblar o forte calor que vem assolando várias regiões do país. O jeito é se virar como pode – enquanto o horizonte, nada animador, segue à espreita. Há muito o alerta foi ligado, mas agora o sinal vermelho aí está. Escancarado. Evidente. Cruel. A época dos humanos – o Antropoceno – nos jogou num intricado desafio que exigirá não só do Rio, mas de todas as cidades brasileiras muito mais para evitar catástrofes gigantescas. Ao mesmo tempo em que somos uma espécie capaz de modificar profundamente o clima do planeta, temos todos os instrumentos para estender nossa permanência na Terra, para desenvolver soluções inadiáveis.

O último Censo, do IBGE, mostrou um Brasil mais envelhecido. Ondas de calor recentes em todo o planeta mostraram que os idosos pobres são o estrato mais vulnerável ao novo normal, que conjuga o maçarico inclemente com despreparo dos centros urbanos em fornecer algo que seja próximo do razoável para minimizar a quentura. Em 2018, o calor extremo causou a morte de quase 300 mil pessoas com mais de 65 anos em todo o planeta – um aumento de 54% em duas décadas, de acordo com o relatório produzido pela The Lancet, principal revista científica médica do mundo. A maioria das mortes ocorreu no Japão, leste da China, norte da Índia e Europa central. Sim, o calor mata. E muito. E estamos falando aqui de apenas um aspecto das mudanças climáticas.
Números e mais números vêm batendo recordes. O risco está à nossa porta. Nos últimos 30 anos, a média de dias em que o território brasileiro passou registrando ondas de calor aumentou de sete para 53, mostrou um novo estudo do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Aí vem outro dado preocupante: 3.679 municípios brasileiros, ou seja, 66% de um total de 5.570 não estão preparados para enfrentar as mudanças climáticas, segundo o Ministério do Meio Ambiente. E somente Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG), Feira de Santana (BA), Palmas (TO), Recife (PE) e Fortaleza (CE) possuem leis que estabelecem políticas climáticas municipais.
As cidades ocupam apenas 2% da área da Terra, mas concentram cada vez mais pessoas e o consumo dos recursos do planeta. Atualmente, 55% da população mundial – estimada em mais 7,8 bilhões de pessoas – está nas cidades. Em meio século, nossa nave que baila no espaço receberá mais três bilhões de passageiros. E a esmagadora maioria desses novos moradores habitantes virá se somar à população das cidades cinturão tropical, onde se encontram os países mais pobres do globo. Ao lado da questão ambiental, a desigualdade será um dos grandes desafios que a humanidade deverá enfrentar conjuntamente.
São, portanto, as cidades que devem dar respostas que queremos ao futuro. As frias letras das legislações precisam ser traduzidas em vida nas ruas, nas esquinas, nos pontos de ônibus e praças. Em investimentos em soluções baseadas na natureza, em drenagem, em políticas de criação de corredores verdes, em transporte público eficiente e com baixa emissão de carbono. Forte calor e temporais fenomenais estão associados. As cidades vão ter que se preparar para enfrentar um ou dois dias em que vai chover o equivalente a um mês. Não há saída: O enfrentamento aos efeitos das mudanças climáticas deve estar de verdade no orçamento das prefeituras. Não dá mais para adiar.
Emanuel Alencar
Jornalista e mestre em Engenharia Ambiental