Marcus Vinicius Dias é médico e gestor público com MBA em Gestão em Saúde pela USP e Mestrado em Economia pelo IBMEC Divulgação

Nasci no fim da década de 1970, mas minha consciência mais remota da política nacional remonta a 1984, quando eu residia em São Joao del Rey e o Brasil se mobilizava na icônica campanha das “Diretas Já”. Naquele tempo, como diria um evangelista, havia apenas duas correntes políticas no Brasil: a direita, majoritariamente militar e estatizante, ao lado de alguns tímidos liberais, representando o regime ditatorial que vivia os seus estertores; e, do outro lado, o pessoal do “contra tudo isso que tá aí”, que congregava lideranças tão díspares, ideologicamente falando, quanto Tancredo de Almeida Neves, Miguel Arraes e Leonel de Moura Brizola, para citar alguns. Não havia, portanto, centro e esquerda organicamente viáveis e independentes.
Eu me torno eleitor no meio da década de 1990, quando havia um centro, social-democrata, cujo expoente foi o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que congregava – e, ao mesmo tempo, absorvia de modo a torná-las invisíveis - diversas correntes ditas não de esquerda; e havia uma esquerda em ascensão liderada pelo atual presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Não havia direita. E esse cenário perdurou até meados da segunda década deste século no Brasil.
No fim da década passada, surge, de modo meio aleatório, pela primeira vez desde que tenho algum grau de entendimento do que é um processo político eleitoral, uma direita no país. Um tanto dispersa, é verdade, mas que encontrou na figura do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro o seu elemento catalisador e que, ao dar liga, o levou a vencer - de modo improvável diriam os analistas e expertos do ramo - o pleito de 2018.
De lá para cá, só existe, de modo prático, a direita e a esquerda. E, em grande medida, com tintas bastante marcantes, dando pouca margem (para não dizer nenhuma!) para tonalidades intermediárias relevantes. Desapareceu, por completo, o centro, estrela maior do fim do século passado no cenário eleitoral.
Numa sociedade democrática sadia, historicamente, há sempre um grupo de direita, um de esquerda e, entre eles, ora pendendo para um lado, ora para o outro, um terceiro terço que se situa ao centro. E, no plano individual, se notarmos bem, normalmente somos, em alguma medida, mais inclinados às ideias consideradas mais à direita ou à esquerda, ao passo que todos nós conhecemos pessoas que estão mais propensas a um polo oposto de crenças e valores aos nossos. E, se observarmos com maior atenção, vamos perceber que, em diversos temas, ora nos inclinamos mais à esquerda, mesmo que nos consideremos de direita, e vice-versa.
Durante a pandemia que nos assolou recentemente, hábitos e crenças, estabelecidos há décadas, foram colocados em xeque e uma outra rotina mundial passou a ser denominada de “novo normal”. Que esse vento de mudança que nos permitiu, durante o maremoto, sobreviver e chegar ao outro lado da praia, possa também chegar à política nacional. Que tenhamos, organicamente, e com a possibilidade de nuances nos tons, uma direita, uma esquerda e um centro na política brasileira, legitimamente representados, como um novo padrão de normalidade.
*Marcus Vinicius Dias é médico e gestor público com MBA em Gestão em Saúde pela USP e Mestrado em Economia pelo IBMEC