Rio - O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) decidiu que os estupros sofridos por Inês Etienne Romeu, na Casa da Morte de Petrópolis, na Região Serrana do Rio, durante a Ditadura Militar, não estão amparados pela Lei de Anistia. A militante política foi a única sobrevivente das torturas, abusos sexuais e humilhações cometidos por agentes do governo da época, entre maio e agosto de 1971, no centro clandestino. A informação foi divulgada nesta segunda-feira (27), pela deputada estadual Dani Balbi (PCdoB) e confirmada pelo órgão.
De acordo com a publicação da parlamentar, com a decisão do TRF-2, o soldado reformado do Exército, Antônio Waneir Pinheiro de Souza, conhecido como Camarão, de 80 anos, se tornará réu pelo crime. Ele era carcereiro da Casa da Morte e responsável por dois dos estupros sofridos por Inês. O acórdão assinado pelo desembargador federal Paulo Cesar Espirito Santo afirma que os crimes em questão devem ser tratados como delitos contra a humanidade e, por isso, não estão sujeitos à prescrição e à Lei de Anistia.
"Importante decisão do Tribunal. Seguimos na luta pela punição dos crime cometidos pelo Estado durante a Ditadura Militar. A revisão da Lei da Anistia é uma necessidade da nossa democracia", comentou a deputada estadual.
Memória, Verdade e Justiça!
O Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) decidiu que o estupro sofrido por Inês Etienne Romeu, na Casa da Morte em Petrópolis, não está amparado na Lei de Anistia.
Em julho de 2020, Camarão e os sargentos Rubens Gomes Carneiro, o Boamorte, e Ubirajara Ribeiro de Souza, o Zezão, foram denunciados pelo Ministério Público Federal (MPF) pela sequestro e tortura do militante Paulo de Tarso, também levado para a Casa da Morte. Em depoimento à Comissão Nacional da Verdade (CNV), Inês contou que, na ocasião, ele foi colocado no pau de arara e, durante quase 30 horas ininterruptas, torturado com choques elétricos. Até hoje, o corpo do ativista não foi encontrado.
Além da condenação, foi pedido a perda de cargo público, o cancelamento da aposentadoria e pagamento de indenização de R$ 111,3 mil à família do ativisita. Antônio Waneir é o único militar que responde por violência sexual na ditadura. Ao fim do regime, em 1985, ele passou a trabalhar como segurança de uma empresa de ônibus de Nilópolis, na Baixada Fluminense. Em 2004, chegou a ficar um mês preso, por dar quatro tiros no músico Lúcio Francisco do Nascimento, do grupo Molejo, após uma discussão em Araruama, na Região dos Lagos. Camarão acabou sendo absolvido pelo Tribunal do Júri da cidade.
Casa da Morte de Petrópolis
Considerado um dos mais bárbaros espaços de tortura do regime militar no Brasil, a Casa da Morte de Petrópolis era usada pelo Centro de Informações do Exército (CIE) como um cárcere clandestino para presos políticos especiais, como comandantes ou chefes de grupos de fogo de organizações da esquerda armada. Aproximadamente 20 pessoas teriam sido executadas no local, mas não há números oficiais sobre as vítimas.
Inês Etienne foi a única sobrevivente da Casa da Morte e só conseguiu sair com vida porque prometeu aos torturadores que se tornaria uma infiltrada. Mas, além de não ter cumprido o acordo, a ativista conseguiu lembrar nomes, detalhes e até o contato do imóvel, revelados em 1979, quando acreditou que não corria mais riscos. A localização do espaço foi descoberta em 1981, a partir do número de telefone memorizado pela militante.
Inês Etienne Romeu
Mineira, Inês Etienne Romeu era integrante da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VAR-Palmares) e da Organização Revolucionária Marxista Política Operária (Polop). Ela participou do sequestro de 40 dias do embaixador suíço Giovanni Bucher, em 7 de dezembro de 1970, em troca da soltura de 70 presos políticos. Após a libertação do então embaixador, a ativista decidiu abandonar a luta armada e exilar-se no Chile, mas acabou sendo capturada em São Paulo, sob a acusação de integrar o comando do VPR.
Depois de ser levada para o Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS), onde sofreu as primeiras sessões de tortura, foi transferida para a Casa da Morte. À época, ela tinha 29 anos. A militante relatou, anos depois, ter sofrido torturas físicas e psicológicas com choques elétricos e injeções de pentatol sódico, o "soro da verdade", além de abusos sexuais. No inverno, a ativista era obrigada a tomar banhos gelados de madrugada e a se deitar nua no cimento molhado.
Em 11 de setembro de 2003, ela foi encontrada caída e ensanguentada, em seu apartamento em São Paulo. Na véspera, ela tinha pedido ao porteiro que deixasse subir um marceneiro para fazer um reparo em sua casa. O traumatismo craniano a deixou com sequelas na fala e nos movimentos. Na delegacia, o caso foi registrado como acidente doméstico e nunca elucidado. Em 2009, ela recebeu o Prêmio Direitos Humanos na categoria "Direito à Memória e à Verdade", do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Inês morreu em 27 de abril de 2015, aos 72 anos, em sua casa em Niterói, na Região Metropolitana do Rio.
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