Vencedor deverá investir R$ 97 milhões em intervenções durante dois anos e meio para renovar a estrutura do pavilhão, estacionamento e a praça em que está localizado Divulgação

Rio - Comerciantes e feirantes do Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, em São Cristóvão, ouvidos pela reportagem, concordam que o pavilhão precisa de reformas e que a estrutura da Feira de São Cristóvão está precária. Eles afirmaram que não são contrários à concessão do espaço, mas contam se sentiram apartados do processo e defendem a preservação da tradição nordestina na feira. A maioria dos comerciantes contactados não sabia sobre a licitação.
A Prefeitura do Rio publicou, na última quinta-feira (20), o edital de licitação para realizar a concessão à iniciativa privada do tradicional polo nordestino. "Essa informação pegou todo mundo de surpresa. Para quem está na ponta, pouca coisa chega. A gente fica sabendo por informações que circulam e nem sempre são confiáveis", conta Carlos Henrique, 31, que administra a loja Cactus, de decoração e artesanato na feira. "Sabemos que existe uma empresa que pode assumir o controle da feira. Mas o que passam para a gente é que tudo vai cair", exemplifica.


O comerciante afirma que considera o modelo de funcionamento do Centro Luiz Gonzaga "muito precário". "Só nesses últimos tempos que temos água encanada. Energia é por geradores. Não podemos trabalhar no dia que queremos. Isso não é uma democracia. Hoje a feira, por mais que seja um centro cultural, cobra R$ 20 de estacionamento e R$ 10 de entrada, mas não temos estrutura, banheiros acessíveis para as famílias, ar-condicionado, limpeza. Acredito que toda mudança tem pesos e melhorias", avalia.

Conhecido como o "Rei da Carne de Sol", Zeca tem 61 anos e trabalha desde 1985 na feira. Ele critica que o centro de tradição nordestina tenha se afastado de suas atrações originais. "A feira é nordestina. É de forró, de pessoal nordestino, que traz os parentes. Agora a feira está de uma maneira que à noite está um horror. Tem que botar a tradição, a família para dançar um forró. Tem muita barraca fechada e muito baile funk", reclama.

Zeca da Carne de Sol, como é conhecido na feira, aprova a concessão desde que a tradição nordestina seja preservada. "Se for para deixar a feira nordestina original, é uma boa. Tá ótimo. Não tem coisa melhor", afirma o pernambucano.

Nascido em São Cristóvão e filho de paraibano com maranhense, Flávio Fárney da Silva Xavier, 61, considera que a feira tenha sido abandonada pelo poder público nos últimos anos. Feirande da "Barraca di Cumida Conexão Mandacaru", ele também diz que não se opõe à concessão do pavilhão, desde que os feirantes participem do processo.

"Nós não somos contra a licitação, nem contra a terceirização ou privatização. Mas temos graves objeções pela forma que foi concebida. Nossa história não pode ser apagada em nome da modernização", afirmou Flávio, que também é CEO da CIiaNÊ - Companhia Nordestina de Empreendedores.

Para Flávio, os gestores da feira deveriam ser especializados em cultura. "Os cargos são por indicação política. Não tem um museólogo, alguém formado em cultura. Conquistamos o direito de estar no pavilhão que foi construído com a mão-de-obra dos nordestinos. Não permitimos que se faça uma pesquisa para que a feira se transforme num shopping. Tem que ter museu da saga nordestina, do desenvolvimento do nordeste até os tempos atuais", exemplifica.

A comissão que administra a feira esteve reunida na tarde desta segunda-feira e afirmou que vai se manifestar às 10h desta terça-feira (24) no Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, quando vai anunciar seu posicionamento aos feirantes.
Âncora cultural
O secretário municipal de coordenação governamental do Rio, Jorge Arraes, afirmou que a intenção é investir na feira para torná-la uma âncora cultural que integre o bairro ao Porto Maravilha.

O vencedor deverá investir R$ 97 milhões em intervenções durante dois anos e meio para renovar a estrutura do imóvel, o estacionamento e a praça em que está localizado. Ao todo serão 82 mil m² de área revitalizada com investimento privado.

A empresa será responsável pela gestão da Feira de São Cristóvão por 35 anos com obrigatoriedade de manter o local exclusivamente como centro de tradições nordestinas; dar prioridade à permanência das pessoas que trabalham atualmente no pavilhão; e fazer as intervenções por fases para garantir trabalho para quem vive da feira durante o período de obras.

"A ideia é manter os atuais comerciantes da feira e agregar outros tipos de uso especificamente vinculados à tradição nordestina. Seja do ponto de vista gastronômico, ou do ponto de vista cultural, do folclore da região. É uma área muito importante para a cidade no bairro de São Cristóvão que é como se fosse a expansão do Porto Maravilha, no sentido urbanístico, com a construção do Terminal Gentileza e a passagem do VLT para São Cristóvão", afirmou o secretário Jorge Arraes. "Será uma virada de página no bairro de São Cristóvão utilizando a principal âncora cultural da região", completou.

A Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos (CCPar) fez um levantamento ao longo de uma semana com cadastramento dos trabalhadores do local junto à comissão dos feirantes e representantes dos artistas. Em meados de 2022, duas empresas participaram de Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) para preparar material sobre a concessão. Uma delas, o Grupo AM Malls, entregou os estudos de viabilidade que desenvolveu. Após processo de análise, o material foi usado como base pelo município para estruturação da concessão com alterações e sugestões da associação de artistas e da comissão da feira.

O presidente da Companhia Carioca de Parcerias e Investimentos (CCPar), Gustavo Guerrante, explica que o imóvel precisa de importantes intervenções estruturais e reforça que os trabalhadores do local terão suas atividades de tradições nordestinas mantidas e respeitadas ao longo do processo.

"É um ponto de encontro querido pelos cariocas e um importante centro de tradições da cultura nordestina no Rio. Hoje a infraestrutura do pavilhão erguido na década de 60 está precisando de grande modernização. Essa concessão trará os investimentos necessários sem dinheiro do tesouro e com as devidas garantias do poder público para a população que tira seu sustento dali", afirmou.