Instalação 7 folhas, da artista Iah Bahia, na sala de corte da antiga fábrica de lingerieAnna Clara Sancho / Agência O Dia

Rio - Famoso por abrigar o histórico Santuário de Nossa Senhora da Penha e um dos maiores complexos de comunidades do Rio, o bairro da Penha, na Zona Norte, agora tem uma galeria de arte com entrada gratuita.
Localizada na Rua Conde de Agrolongo, 677, onde no passado funcionou uma fábrica de lingerie e moda praia desativada, a Nonada ZN quer democratizar o acesso de moradores da região à cultura e abrir espaço para artistas contemporâneos que não têm lugar no circuito tradicional. Na chegada, o público se depara com um prédio de quatro andares, com um grande pátio, onde obras de arte dividem espaço com equipamentos industriais e pés de fruta, como acerola, cajá, manga e coco.
Concebido pelos galeristas Paulo Azeco e os irmãos Luiz e Ludwig Danielian, o espaço, que abriu as portas no final do ano passado, é o primeiro passo para um projeto ainda mais ousado: transformar as antigas instalações da confecção Marilan em um grande centro cultural para os moradores da zona da Leopoldina e adjacências.
Ludwig Danielian, de 42 anos, conta que sonha com o projeto há anos. "A ideia de ter um espaço de arte na Penha começou quando eu trabalhava no bairro. Desde a época que eu trabalhei na fábrica, que era da minha família, eu tinha vontade de ter um espaço de arte para que as pessoas que lá trabalhavam pudessem ter contato com isso. Não conseguimos na época. A fábrica fechou em 2015 e, no final de 2022, quando começamos a planejar a Nonada em Copacabana (a galeria também tem um espaço no bairro da Zona Sul, aberto no mesmo dia), vimos uma loja com ambiente maior, mas a pessoa estava colocando empecilhos, se recusando a alugar. Então fomos para uma loja menor. Pensei: 'Se estamos fazendo uma galeria para artistas periféricos, por que não abrimos em um bairro na periferia do Rio?'. Eu tinha esse lugar ocioso, convenci os meus sócios de termos uma área expositiva maior aqui e continuarmos com a de Copacabana em uma menor", revela.
 
Obras feitas com uso de diversas técnicas compõem o espaço, permitindo que o visitante transite em todos os 4 mil m² do local. Antigos objetos da fábrica, como bancos do refeitório, mesas de corte, papéis, tecidos, ferros, dão ainda mais charme à experiência.  
A exposição em cartaz, "Fragmento I: Vento Pórtico", é a segunda da galeria, aberta no ano passado, e apresenta 32 obras, entre esculturas, instalações, gravuras, vídeos e objetos dos artistas visuais Iah Bahia, Loren Minzú e Siwaju Lima. Eles têm criado in loco, em um ateliê que ocupa um dos andares onde ficava o refeitório e, muitas vezes, utilizando fragmentos da confecção que encontram por lá.
Os próximos planos são manter exposições periódicas nos andares da fábrica e, posteriormente, preencher o espaço vazio com ocupações musicais, ateliês e uma escola de arte. Segundo Ludwig, ainda não há previsão para isso acontecer, mas um projeto já está sendo elaborado com a ajuda de outros empreendedores culturais. 
Paulo Azeco garante que a arquitetura do lugar será mantida, assim como o verde que existe na parte exterior. Uma das salas será reformada para ter "cara" de galeria, como foi feito com a sala do andar térreo, mas nada além dessa mudança. E as intervenções artísticas com o mobiliário da fábrica permanecerão. "A fábrica faz parte da história da Penha, então preservar o prédio tem algo maior, tem a ver com o bairro", pontua Paulo.
A estudante de artes visuais Mylena Santiago, de 21 anos, estagia na Nonada ZN e acompanha o público na mostra. Ela considera o projeto importante não apenas para a região, mas para toda a cidade do Rio. Como estudante de arte, aprecio muito a proposta de criar um centro cultural na Penha, que não tem muito. Essa iniciativa de expandir arte no Rio é importante, pois tudo fica muito no Centro, e tirar do eixo Centro-Zona Sul e colocar na periferia é interessante. Tendo o espaço em Copacabana, a Nonada ainda faz uma ponte dos dois mundos, com bate-volta dos artistas da Penha para Copacabana, e de lá para Penha. Isso atrai muita gente para o subúrbio. Por isso, esse espaço é importante, a galeria sendo um pontapé inicial, ela fazendo parte do que vai ser o centro cultural. Um dos pontos principais que os visitantes comentam é sobre o espaço, o quão grande é e como dá para aproveitar", destaca a jovem, entusiasmada.
Natural de São Paulo, Siwaju Lima, 26 anos, se mudou para o Rio em 2020, durante a pandemia de covid-19. Ela, que ainda está se adaptando ao Rio, diz que frequentar a Penha e mostrar seu trabalho trouxe uma nova perspectiva sobre a cidade. "Eu ainda estou me relacionando com vários aspectos da cidade, que ainda é nova para mim. Estar na Penha trabalhando e ajudando a nascer o 'Vento Pórtico' tem a ver com a retomada de um olhar, talvez, da próxima sociedade, não só para este bairro, mas também para o que pode ser feito e pensado aqui. Eu sinto uma alegria muito grande de estar circulando neste espaço. Como uma pessoa criada em São Paulo, tinha outro pensamento do que era a Penha. Tinha uma mistificação do bairro, achava um lugar perigoso, que não tem cultura e não é bom para se morar. Tem me dado paz, de certa forma, desmitificar isso", conta.
Ela também ressalta a importância do contato de moradores da região com a arte. "Enquanto galeria, a Nonada ZN perpassa esse caminho de retomada, até de alguns artistas que são daqui do bairro e agora se sentem pertencentes. A galeria movimentou bem a região, as pessoas podem ver uma coisa nova, mesmo que não entendam nada, e irem pra casa com o direito de não terem entendido nada”, completa a artista.
Nascido em São Gonçalo, o artista visual Loren Minzú, 23 anos, lembra da riqueza artística da região. "É bastante complexo pensar sobre a cultura, pois a Penha não é um lugar desprovido de manifestações culturais, muito pelo contrário. Ela é muito farta, mas desprovida dos aparelhos que mediam a cultura, que são as instituições que fazem parte do circuito que está sendo regido pela ideia de arte, e arte contemporânea, que é o meio em que escolhemos trabalhar e nos profissionalizar."
A artista Iah Bahia, 29 anos, que também é de São Gonçalo, não esconde a alegria com a inauguração do espaço no subúrbio. "Não é preciso ir ao Centro para ter acesso a algum tipo de cultura, à uma linguagem das artes visuais. Eu tinha que sair de São Gonçalo para o Rio, para acessar centros de artes visuais, sempre esse deslocamento para o Centro da cidade. Então ter pontos de circulação de arte contemporânea, que é nosso campo, em outros pontos do município, que não sejam só o Centro, é importante para ter conhecimento e saber mais acessíveis para outros corpos, para outras narrativas. As pessoas passam, perguntam, tem ponto de ônibus aqui perto, gera fluxo na rua", exalta.
A galeria também pretende fazer, em breve, parcerias para estimular a utilização das dependências da fábrica, como forma de atrair novos visitantes.
Ampliação de diálogos
Além do desejo de reavivar o espaço, os idealizadores reforçam a missão de abrir espaço para novos talentos de todas as vertentes, buscando pluraridade e diversidade. 
"Eu trabalhei muitos anos em São Paulo, então conheci uma cena cultural muito forte, que não estava sendo absorvida pelo circuito. Do ponto de vista de artistas periféricos, precisamos esclarecer que não são apenas pessoas que moram na periferia, mas também referentes à setoriedade e gênero. A questão periférica é maior do que a questão geográfica. E essa questão está deslocada do eixo de galerias de arte. Queremos apresentar de forma plural novos talentos, visões e força criativa", sintetiza Paulo.
Ludwig acrescenta: "Não queremos levantar bandeiras ou rótulos, e sim valorizar a arte boa, que independe de estereótipos. Queremos ter esta proposta de galeria em Copacabana, bairro popular, e no subúrbio, na periferia do circuito de arte, para que se leve excelentes trabalhos a todos. Pretendemos promover discussões livres, contemporâneas, abertas, sem julgamentos prévios."
Na perspectiva de artista, Loren reflete sobre a importância da galeria garantir na arte a presença de outros tipos de corpos, que geralmente não costumam ser representados. "Acho que de alguma forma, dentro de todos os esquemas e negociações das instituições de arte, a importância de ter uma galeria na Penha é que existem códigos de comunicação que a arte institucional abriga, e que corpos como os nossos, por exemplo, corpos incidentes de raça, gênero e sexualidade, por muito tempo também não acompanhavam, não faziam parte dessas comunicações. Na medida que gente adentrou essa instituição, é importante que a gente partilhe esses corpos com outros códigos, criando então esse movimento de abertura por todas as frestas e também de uma ocupação territorial que permita essa partilha."
Exposição 'Fragmentos 1: Vento Pórtico'
Com curadoria de Clarissa Diniz, os três artistas visuais expositores têm obras bastante distintas na mostra. Iah Bahia está com dez trabalhos, incluindo duas instalações de dimensões maiores, uma delas ocupando o espaço da antiga sala de corte. "Como sou uma jovem artista, isso é importante para a minha trajetória. Os trabalhos que tenho aqui compõem a minha poética sobre a minha relação com habitação, com o espaço que a gente habita. Mas vi se desdobrando em várias maneiras", diz Iah.
Os trabalhos expostos foram feitos de materiais que a artista coletou na rua, como ráfia e correia, além de papel e tecido retirados da fábrica. 
Já Siwaju tem 16 obras de escultura que falam sobre o tempo e suas intersecções e se propõem a buscar maneiras de se relacionar. Ela investiga a relação do tempo com diferentes ecologias por meio do reaproveitamento de peças de ferro doadas pela própria fábrica. Todas as obras foram criadas quase que integralmente no ateliê da antiga confecção. Loren tem seis trabalhos, em linguagens diferentes, como instalação, vídeo-arte e escultura. 
A NonadaZN funciona às quintas e sextas-feiras, de meio-dia às 17h, e aos sábados, das 11h às 15h. Através do @nonada_nada, é possível agendar visitas guiadas para pequenos grupos.
Outras galerias na Zona Norte e na Zona Portuária

Galeria 5Bocas: Localizada em Brás de Pina, na Zona Norte, a galeria foi criada, em 2021, pelo artista Allan Weber, que nasceu na comunidade Cinco Bocas, no mesmo bairro. Em seu trabalho plástico, Allan usa como pesquisa a realidade e o imaginário da favela. Fica na Rua Tamborari, 881.
Galeria Refresco: no Santo Cristo, Zona Portuária do Rio, a galeria de arte não institucional tem exposições, residências artísticas e cursos. Ela atua de forma independente, com mostras feitas a partir de chamadas abertas, diferente das galerias, em geral, que trabalham por meio de um curador. O endereço é Rua Sara, 18.

Instituto Inclusartiz: em um imponente casarão histórico, na Rua Sacadura Cabral, 333, na Gamboa, Zona Portuária do Rio, o centro cultural abriga residências artísticas, exposições e atividades educativas.