Severina da Silva Nunes, de 69 anos, foi baleada e morta no Morro do Turano, Zona Norte do RioDivulgação

Rio - Testemunhas que presenciaram Severina da Silva Nunes, de 69 anos, ser baleada e morta no Morro do Turano, Zona Norte do Rio, afirmaram em depoimento, na tarde desta quinta-feira (22), que somente policiais militares realizaram os disparos e que não houve confronto. O crime aconteceu na quinta-feira passada (15) e está sendo investigado pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC). A versão apresentada pelos PMs é de que a equipe foi atacada por criminosos na comunidade e houve confronto.
Quatro pessoas foram ouvidas na sede da DHC nesta quinta e outras duas testemunhas são aguardadas para prestar depoimento nos próximos dias. Com medo de uma possível retaliação por parte dos policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) do Turano que estavam na comunidade no momento dos tiros, as testemunhas não quiseram falar com a imprensa e nem serem identificadas.

Ao fim das oitivas, o advogado criminalista Gláucio Maciel, que defende a família de dona Severina no processo, acompanhou as quatro testemunhas até à especializada. Para ele, uma das testemunhas disse à polícia que estava sentada na cadeira onde a idosa foi atingida um minuto antes de a tragédia acontecer.
"Uma das testemunhas estava sentada no lugar que a dona Severina estava e ela pediu para trocar de lugar para que pudesse secar o cabelo, que estava molhado, tomar sol. Um minuto depois a viatura disparou. Ela considera que nasceu de novo", afirma.

Ainda de acordo com o advogado, não havia operação no momento dos disparos. "Era uma manhã tranquila, não havia operação", diz. Gláucio.  "Três casas depois do bar tem a base da UPP do Turano, nesse horário costuma subir viatura para fazer troca de turno, a surpresa para os moradores foi ter ocorrido os disparos", completou.

A defesa da família de dona Severina tenta provar que, ao contrário do que a Polícia Militar alegou na ocorrência, não houve confronto no Morro do Turano. "As testemunhas ainda estão com muito medo, por isso estamos acompanhando todos e dando suporte psicológico. Se não houver testemunha, o caso pode ser arquivado, pode se tornar mais uma estatística", lamentou Gláucio.

Relembre o caso

Dona Severina estava sentada em uma cadeira de plástico tomando café, do lado de fora de um bar, quando foi atingida pelos disparos. Ela chegou a ser socorrida por PMs e levada para o Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro do Rio, mas não resistiu aos ferimentos e morreu.

Késsia da Silva, grávida de oito meses, foi atingida por estilhaços na mesma ação. Ela foi socorrida e levada para a mesma unidade de saúde e liberada horas depois. Ela e o bebê estão bem. Severina era moradora do Morro do Turano, onde vivia com a família. Um dos filhos dela chegou a ver a mãe morta próximo à casa deles, na Rua Joaquim Pizarro, uma das vias de acesso à comunidade. Em vídeos publicados nas redes sociais, moradores aparecem desesperados ao identificar que a mulher baleada na ação era a idosa.

Um outro vídeo mostra as marcas de tiros no telhado e na cadeira do bar onde a idosa estava. Veja imagens:

Carinhosamente apelidada de Milonha pelos vizinhos, Severina era considerada a alegria da família e a tia favorita dos sobrinhos. O corpo da idosa foi sepultado no último dia 17, no Cemitério de São Francisco Xavier, no Caju.

Investigação

A Polícia Militar instaurou um procedimento na Corregedoria Geral da corporação para apurar as circunstâncias da ação. Os agentes também tiveram as armas apreendidas para perícia, mas continuam atuando em serviços administrativos.

De acordo com a Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), responsável pelas investigações, os policiais da UPP envolvidos na ação foram ouvidos na especializada e diligências estão em andamento.
Comissão de Direitos Humanos recebe familiares de idosa baleada no Morro do Turano

A Comissão de Direitos Humanos e Assistência Jurídica (CDHAJ) da OABRJ recebeu, na tarde da última segunda-feira (19), familiares de dona Severina. Participaram do encontro os procuradores Rodrigo Mondego, Mariana Rodrigues, Leonardo Guedes e a integrante da comissão Patrícia Félix.
Conselheira tutelar e integrante da comissão, Patrícia Félix lembrou a constante atuação da CDHAJ em casos envolvendo forças policiais e moradores de favelas e comunidades periféricas. "É inadmissível que a gente ainda tenha familiares de pessoas mortas procurando a comissão sempre pelo mesmo motivo e quase que semanalmente", afirmou.
"Este é mais um caso em que tentaremos auxiliar essas pessoas e oferecer todo nosso apoio. A responsabilidade do Estado com essas comunidades é muito grande, e o cenário que vivemos é muito grave. O Rio de Janeiro tem pautado a segurança pública no genocídio do povo preto, pobre e favelado, e cabe a nós, integrantes da comissão, atuar ao lado dessas famílias", finalizou Patrícia.
*Colaboração de Marcos Porto.