Rio – Em 2016, ao folhear em uma livraria da cidade alguns livros de fotos do Rio de Janeiro, o então estudante de Direito Felipe Viveiros se incomodou com a semelhança entre as publicações, tanto do ponto de vista crítico-social, quanto estético. A grande maioria exibia, de forma superficial e retratados de maneira parecida, imagens dos mesmos lugares, como o Corcovado, o Pão de Açúcar, as praias de Copacabana e Ipanema, e as favelas Vidigal e Rocinha, com fotos ostentando a vista para o mar.
Sentindo falta de uma representação mais ampla e plural, Felipe decidiu percorrer a pé os 160 bairros, à época, e retratá-los em um perfil do Instagram, como um mosaico visual do Rio. Daí surgiu a página 160 Rios (@160rios), dando ênfase a todos os bairros da cidade. As fotos são feitas por meio de iPhone e publicadas em preto e branco. Impossível não se impressionar com a beleza e a sensibilidade delas.
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O nome do projeto faz referência à ideia de existirem muitos Rios de Janeiros dentro de uma mesma cidade, e para muito além dos dois extremos que tomam conta da consciência coletiva.
"Temos uma ideia muito estreita do que é o Rio, quando a gente pensa na imagem do Rio. Se você olha só do ponto de vista turístico, você vai ter uma visão da praia e dos grandes marcos geográficos, como as montanhas, o Cristo Redentor, o Pão de Açúcar, o Morro Dois Irmãos e a Baía de Guanabara, se você chega de avião à cidade. No outro extremo, tem o oposto completo, que é a parte do crime, o lado da violência que é colocada como contraponto. Penso que há um universo bem enorme de Rio de Janeiro inserido dentro desses extremos. Percebi que as pessoas não faziam essa distinção. Pensam no Leblon e na Maré, dois opostos, mas cadê Méier, Pavuna, Madureira? E os outros bairros menos conhecidos? Se não mora em Paciência, quantas pessoas sabem qual é a cara de Paciência?", diz Felipe, que hoje se dedica exclusivamente à fotografia.
O trabalho teve início há sete anos. Neste tempo, outros bairros foram oficializados por lei, como Vila Kennedy, Ilha de Guaratiba e a minúscula Tubiacanga, nos limites do bairro do Galeão, na Ilha do Governador, Zona Norte. Hoje, o Rio conta com 164 bairros. Felipe os visitou com o intuito de registrar a dinâmica entre as pessoas e o lugar, capturar o cotidiano e contar cenas da cidade.
"O principal que quero mostrar hoje é que a vida também acontece nesses vários lugares do Rio. Cada Rio de Janeiro é tão Rio de Janeiro quanto o outro. Cada bairro representa uma vivência na cidade, tem a sua própria experiência, a sua própria identidade, e todos eles são Rio de Janeiro. Talvez o projeto comece como uma resposta a essa ambiguidade que se faz do Rio, o Rio turístico com o Rio perigoso. Não que eles não estejam narrados na página, eles estão lá, mas tem todo o resto também. É meio louco pensar que existe o Rio perigoso, que assusta algumas pessoas, e existe o Rio de Manoel Carlos, que não é falso, ele está ali, mas existe todo um Rio de Janeiro neste meio do caminho que ajuda a entender um pouco como esses dois extremos existem", afirma Felipe.
Em princípio, ia sozinho e preferia fazer fotos com mais destaque para os ambientes, imagens mais afastadas e simétricas e com poucas pessoas. Era uma reflexão de como essas fotografias eram feitas, ele desacompanhado observando o lugar como um todo, olhando o macro. Depois passou a fazer as suas andanças com pessoas que moravam no lugar, fossem conhecidas ou desconhecidas que Felipe buscava nas redes sociais para guiá-lo pelo bairro e ter experiências mais ricas e vivências mais profundas dos lugares, mostrar como o dia a dia se revela na prática. Indo com pessoas que conheciam o bairro, o fotógrafo acessava ambientes, ruas, vielas, espaços que ele não conheceria sozinho por não saber se era seguro. Assim, acompanhado, conseguia fotos de ângulos imprevistos.
O processo de criação tinha sido definido pela trinca fotos em preto e branco, espontâneas e amplas, formatos minimalistas. Mas com o tempo passou a gostar de retratos baseado na ideia de mostrar quem habita as ruas que estão no 160 Rios, afinal, os bairros também são feitos de pessoas.
"O cotidiano é importante para o registro. Eu me disponho a ver muita coisa, mas não consigo mostrar tudo. Se estou andando sozinho, eu estou vendo só o que estou olhando. Já se estou com algum morador, é enriquecedor, pois está multiplicando a visão, dando vistas mais íntimas. Mas aquela pessoa ainda não representa puramente o que é aquele bairro, pois outra que mora ali pode ter uma visão diferente, pode andar por espaço diferentes do lugar. A própria natureza da fotografia limita o olhar, você está restrito pelas quatro linhas retas da câmera. No final das contas, está sempre deixando alguma coisa de fora", comenta.
Rio em preto e branco
Apesar do contexto de o Rio ser uma cidade com muita cor, as fotografias em preto e branco são a base da página 160 Rios para ter uma visão mais sóbria e ponderada do município. "As fotos dos livros sobre o Rio geralmente têm muito céu azul, verde da mata, pôr do sol laranja. Eu queria afastar o projeto um pouco disso, ter uma visão menos saturada da cidade e, ao mesmo tempo, trazer uma atemporalidade estética, mesmo vivendo um tempo muito específico", diz Felipe.
Cenas da cidade
Ao percorrer a pé e observar com cuidado os bairros, Felipe percebeu não apenas diferenças, mas também semelhanças entre eles. "Eu consegui perceber as riquezas individuais de cada um, a riqueza cultural, popular e como é a vida na rua daquele lugar. Méier e Madureira, por exemplo, são efervescentes, enquanto alguns bairros da Zona Oeste podem ter uma vida mais pacata. Mas é interessante como a vida acontece em todos os lugares de formas muito parecidas. Claro que existem diferenças óbvias, lugares planejados para lugares não planejados, alguns lugares com mais serviços e ruas mais movimentadas. Porém é bacana ver as pequenas coisas se repetindo, como idosos sentados na calçada, crianças brincando na rua, as conversas de padaria, de bar, que existem em todo lugar. É possível ir pescando essas coisas que talvez representem uma identidade carioca", afirma.
A partir da ideia, ele costuma postar no 160 Rios carrosséis de fotos de diferentes lugares, inspirado nas semelhanças de comportamento entre eles, que foram captados pela sua câmera. São cenas da cidade que acontecem de forma igual em bairros distintos, como mostra a série de fotos de músicos esperando o transporte público.
Mudanças
Nestes sete anos de projeto, Felipe notou mudanças físicas apenas na Zona Oeste, que ganhou ainda mais prédios e projetos de urbanização, devido aos Jogos Olímpicos de 2016. Contudo, as caminhadas pelo Rio foram responsáveis por uma mudança de visão: "O espectro é grande, são 164 bairros diferentes entre si, eu tinha uma visão de descoberta, pois cada bairro era algo absolutamente novo para mim. Quando me propus a sair dessa maneira, eu fui atrás de olhar outras coisas. E só agora que já fui em todos os bairros, em alguns andando mais, em outros andando menos, que eu já tenho uma visão, uma carinha para eles".
"Não posso ignorar que é um projeto com valor estético que acho bonito. A ideia desde o início era ser um projeto fotográfico com imagens da rua, do cotidiano, essa visão do que é sensível, do que chama atenção na Zona Sul e retratam nos livros comerciais. Queria fazer isso para a cidade como um todo, trazer esse olhar para todo mundo. Porém, tendo consciência de que é o meu olhar. Sei que é um olhar particular, por isso, o projeto não tem nenhuma pretensão de ser um olhar definitivo do Rio. Talvez tenha gente que olhe uma foto do projeto e fale 'isso aqui representa o Rio de Janeiro', 'isso é a cara verdadeira do Rio'. Eu acho complicado, pois é a minha experiência percorrendo a cidade, que com certeza é diferente de todos os outros mais de seis milhões que moram aqui", finaliza.
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