Rio - Com o auxílio de compostagem feita por minhocas africanas, a UPA Pediátrica da Ilha do Governador, que cuida exclusivamente de pessoas de 0 a 17 anos, cultiva uma horta orgânica comunitária nos fundos do seu terreno, na Zona Norte, com vista para a Praia da Bandeira. A plantação é aberta para visitação e colheita livre.
A compostagem usada no jardim é realizada com os alimentos orgânicos que seriam descartados da cozinha da unidade de saúde, transformando resíduos como cascas de ovos, bananas e pó de café em adubo de alto valor biológico para as plantas. A borra de café tem fósforo, a banana contém potássio e a casca de ovo possui cálcio - três elementos importantes para o crescimento e a geração de frutos e flores da planta.
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A pequena usina de compostagem é simples, formada por três baldes de plástico empilhados com tampas, com pequenos furos nos dois primeiros barris. O do meio contém terra, minhocas e o material orgânico, além de matéria seca como folhas, galhos de árvores e arbustos cortados em pequenos pedaços. O chorume gerado durante a compostagem fica armazenado na vasilha debaixo, sem furo. Como esse líquido não é tóxico, ele também serve como inseticida natural para as ervas, flores e frutos do terreno.
Idealizadora do projeto, a diretora da UPA Carla Pereira, de 33 anos, assegura que o equilíbrio entre materiais úmidos e secos garante uma boa decomposição, mantendo moscas, baratas e ratos à distância sem agredir as águas: "O inseticida natural gerado pelo chorume é extremamente benéfico ao solo. Então, devido a este pesticida e este adubo gerado do resto de alimento serem totalmente orgânicos (geralmente, os adubos de hoje em dia têm acréscimo de conservantes), eles ainda protegem o solo e as águas, já que a água da horta escoa para o mar, para a Baía de Guanabara (por conta dos lençóis freáticos) que, inclusive, está passando por processo de despoluição. Desta forma, além de garantir a estabilidade ambiental, o adubo e o pesticida contribuem para que o solo continue fértil e produzindo para que a população tenha acesso a essas plantas".
Na horta, temperos, algodão, feijão guandu, plantas e ervas medicinais, flores comestíveis e frutos estão sempre à mão e são utilizados como instrumentos para construir um futuro positivo e sustentável. No Dia Nacional do Diabetes, celebrado na última segunda-feira (26), por exemplo, a UPA usou sementes de girassol do espaço para falar com os pacientes e familiares sobre a importância do alimento na diminuição dos fatores de risco da doença.
Gabriel Filipe Leal, de 21 anos, funcionário administrativo da unidade de saúde e estudante de gestão ambiental, afirma que a horta deve ser usufruída como um espaço dos funcionários e da população: "O objetivo da horta é humanizar, ser um espaço de conforto para os colaboradores e também um espaço para integrar a comunidade à unidade de saúde. Expandir a cultura da horta e da composteira, para as pessoas fazerem em seus lares, conscientizar que dá para ter temperos em casa sem precisar comprar no mercado cheio de agrotóxicos, é ainda um dos pilares", explica.
A primeira colheita de hortaliças foi feita por crianças de uma creche do Morro do Dendê, na região central da Ilha do Governador, que tiveram contato com a terra, com a cultura e, posteriormente, criaram na escola a própria horta. "A meta é mostrar que dá para produzir as nossas hortinhas, dá para gerar práticas ambientais contra a fome e a favor do desenvolvimento socioambiental, assim todos fazem a sua parte. Esse é um dos maiores objetivos da gestão da unidade", afirma Carla.
A colheita de frutos geralmente é uma vez por ano, mas as ervas e verduras são abundantes. A intenção de Carla, junto ao setor de gestão ambiental da unidade, de envolver a comunidade no programa tem tido resultados. A aposentada Regina Lúcia Sousa Soares, de 70 anos, frequenta a horta com a neta Giselly Eloá, de 12. "A horta é maravilhosa, já levei couve, ervas e várias outras coisas para casa. Quando quero eu vou lá, pego tomate, toda verdura que tiver, tiro e levo para casa. A minha neta adora roça, então sempre pede para irmos, ela adora o local. Aquilo ali foi a melhor coisa que aconteceu na Ilha", conta, empolgada.
O sistema utilizado é o de agroflorestal, com plantios simultâneos de hortaliças, árvores frutíferas e medicinais que se complementam e colaboram para o desenvolvimento e a proteção umas das outras. As plantas aromáticas contribuem como repelente natural contra pragas, pois afastam, pelo odor que exalam, insetos nocivos e protegem outras plantas que estejam próximas.
O canteiro chamado de ‘farmácia viva’ é um dos mais visitados. O ambiente sustentável tem variedades como lavanda, menta, arnica, mil-folhas, capim-limão, funcho, erva-cidreira, planta da mandioca e hortelã. A fisioterapeuta da unidade, Manuella Gatto, já trocou o medicamento convencional para dor de garganta pela menta da pequena plantação.
A implementação desta cultura de as pessoas buscarem no espaço alternativas a medicamentos industrializados é um dos caminhos para mostrar os benefícios de se ter uma horta e que é possível cultivar uma em casa, sem a necessidade de grandes espaços. O projeto dispõe ainda de ‘berçário’, que oferece mudas de espécies distintas para quem quiser levar para plantar em casa.
A horta e a compostagem orgânica fazem parte do projeto ESG (sigla em inglês para 'Meio Ambiente, Social e Governança'), implantado por Carla para a UPA atender à Agenda 2030 da ONU, plano global com 17 objetivos de desenvolvimento sustentável para serem alcançados até 2030: "Nós entendemos que saúde é um todo, desde o cuidado com o meio ambiente, a saúde integrativa, a horta como local de humanização para os funcionários e a saúde deles, pois colhem variadas espécies de ervas medicinais e hortaliças aqui, além de termos o projeto de reutilização da água do bebedouro e da água da chuva", pontua a diretora da UPA.
A horta é aberta de segunda à sexta-feira, das 8h às 17h, para toda a população. A unidade fica na Praia da Bandeira, sem número - Cocotá.
Reuso da água
A fim de transformar a UPA em um local mais ecologicamente correto, independente e integrado à natureza, a água está sendo usada de maneira racional.
Como o gasto de recurso hídrico para regar a horta é muito alto, a UPA está criando um projeto de captação da água da chuva para suprir a demanda de água para a horta. Quando estiver finalizado, o uso de água potável na horta será eliminado, utilizando apenas a água de reuso da chuva.
A expectativa é a de que em dois dias de chuva haja o acúmulo de mil litros, o suficiente para regar a horta por quase uma semana.
"Vamos usar apenas a água de reuso da chuva, contribuindo com o nosso recurso hídrico, que está em escassez total. Hoje, água é de suma importância, temos que debater sobre o assunto e cada um fazer a sua parte para manter a vida humana de qualidade", afirma Carla.
Já a captação da água do bebedouro da recepção, chamado de acolhimento, é usado para fins não potáveis, como a limpeza e a rega das plantas da unidade, fora da horta. Trata-se do projeto chamado 'Cada gota conta', implantado para fazer o reaproveitamento da água desperdiçada no equipamento.
Pelas contas da diretoria da UPA, cerca de 100 litros de água são usados por dia no bebedouro.
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