A ONG vai realiza um ato e preparou um documentário para marcar os dez anos do desaparecimento e morte de AmarildoONG Rio de Paz

Rio - O desaparecimento de Amarildo Dias de Souza completará, nesta sexta-feira (14), dez anos. Para marcar esse tempo sem resposta, a Rio de Paz vai lançar, na próxima quinta (13), o documentário 'Cadê Você?', que relata o drama vivido pela família do ajudante de pedreiro. A ONG ainda fará um ato público na Praia de Copacabana, na Zona Sul, no mesmo dia.

O documentário será lançado às 20h no Estação NET, em Botafogo, na Zona Sul do Rio, e conta com direção e roteiro do jornalista Humberto Nascimento, uma produção do Rio de Paz e da HN Produções.

"A ideia do documentário surgiu a partir da percepção de que os casos de pessoas desaparecidas no Rio de Janeiro são muito extensos, e que entre esses cinco mil desaparecidos por ano em nosso estado uma fração significativa não vai reaparecer nunca porque foi morta e teve seu corpo lançado em cemitério clandestino, incinerado e até mesmo devorado por animais. Então, pensamos: temos que dar visibilidade para esta prática criminosa hedionda", disse o fundador da ONG Rio de Paz, Antônio Carlos Costa, que participa da produção.
A ONG vai realiza um ato e preparou um documentário para marcar os dez anos do desaparecimento e morte de Amarildo - ONG Rio de Paz
A ONG vai realiza um ato e preparou um documentário para marcar os dez anos do desaparecimento e morte de AmarildoONG Rio de Paz


Além disso, a Rio de Paz vai realizar um ato público na Praia de Copacabana, também na quinta, a partir das 6h, pelos dez anos do desaparecimento. Os manifestantes, convidados a se vestir todos de preto e com a foto de Amarildo nas mãos, serão cobertos por um tecido transparente.

"Se passaram 10 anos, para gente a sensação é que aconteceu ontem. A dor continua com a mesma intensidade. Não tivemos o direito de nos despedirmos de forma digna do meu tio, como ele merecia, já que foi um homem batalhador e muito presente dentro de casa, para seus familiares, e para favela. Tivemos um Estado que não se sentiu culpado. Precisamos da Justiça para culpar o Estado e eles serem condenados a pagar uma indenização. Indenização esta que demora a chegar e o Estado ainda posterga este pagamento. Eles sabem que foram eles que destruíram nossa família. Estamos há dez anos em busca de justiça e nos perguntando sobre o paradeiro, onde estão os restos mortais de Amarildo? Estamos unidos para que a Justiça seja feita. Só queremos aquilo a que temos direito. Não teremos o corpo do meu tio, ele com a gente, só nos resta querer a reparação disso. Justiça", diz Michelle Lacerda, sobrinha de Amarildo.

Documentário vai abordar histórias de outros desaparecidos

Além da história de Amarildo, 'Cadê Você?' mostra o drama de famílias de desaparecidos que vivem a esperança do reencontro, mesmo que seja apenas do corpo. Os casos abordados mostram histórias de pessoas que procuram por seus entes queridos, alguns mortos pelo tráfico e pela milícia ou polícia no estado do Rio. São os chamados desaparecidos forçados.

São relatos inéditos e fortes que expõem uma realidade sobre os desaparecimentos no estado do Rio, casos não noticiados, e muitas vezes nem investigados, que ficam escondidos nos becos das favelas, onde a maioria desses crimes acontecem.

"Tem muito homicídio disfarçado de desaparecimento. A sociedade não aprende com os erros do passado. As coisas acontecem com a mesma intensidade ou até mais forte. É impressionante como os pobres não têm direito a nada, nem a enterrar seus parentes. É disso que se trata", afirma o diretor e roteirista do documentário, o jornalista Humberto Nascimento.

Entre os casos de repercussão, além do de Amarildo, estão os de Priscila Belfort, Patrícia Amieiro, sumida há 15 anos; Fernando Santa Cruz, pai do ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Felipe Santa Cruz, assassinado há 49 anos durante a ditadura militar e cujo corpo nunca jamais encontrado; do menino Juan, morto por PMs em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense; dos três meninos de Belford Roxo, também na Baixada, mortos pelo tráfico e que jamais tiveram os corpos recuperados.

Relembre o caso Amarildo

No dia 14 de julho de 2013, Amarildo Dias de Souza, de 47 anos, desapareceu após ser levado por policiais militares da porta de sua casa até a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha, onde morava, para prestar esclarecimentos.

Ele foi detido pelos agentes durante uma operação batizada de Paz Armada na Rocinha, a polícia prendeu suspeitos sem passagem pela polícia, logo depois de um arrastão ocorrido nas proximidades da favela.

Dois dias depois do desaparecimento, a família fez o registro do caso, que se tornou símbolo e um dos episódios mais emblemáticos sobre violência policial e abuso de autoridade. O corpo de Amarildo até hoje não foi encontrado.

Após alguns meses, o Ministério Público do Rio (MPRJ) pediu a prisão preventiva de dez policiais envolvidos no caso. Oito deles pelo crime de tortura na modalidade de omissão. Estes, mesmo não tendo participação direta no crime, foram enquadrados por estarem na UPP e não terem feito nada para impedir. De acordo com promotores do caso, o ajudante de pedreiro foi torturado pelos agentes com choques elétricos, afogamento e sufocado com sacos plásticos.

Entre os policiais indiciados, 12 deles foram condenados pelo desaparecimento e morte de Amarildo, entre eles o comandante da UPP na época, o major Edson Raimundo dos Santos. Os outros 11 foram expulsos da PM, porém o major foi reintegrado à corporação. Edson teve a maior pena entre os acusados: 13 anos e sete meses de prisão. Hoje, o major cumpre a pena em regime de liberdade condicional, benefício que adquiriu em 2019, e está lotado na Diretoria Geral de Pessoal (DGP).

Família ainda não foi indenizada

Nenhum familiar do pedreiro foi indenizado, apesar de decisão favorável do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no ano passado. Somente em agosto de 2018, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) julgou o caso, fixando as indenizações em R$ 500 mil para a viúva e para cada um dos seis filhos de Amarildo, além de R$ 100 mil para a irmã. O caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça que em agosto do ano passado manteve a decisão do Rio de Janeiro.

Segundo o advogado João Tancredo, representante da família de Amarildo, provavelmente a mulher, irmã e filhos não receberão a indenização antes de 2026.

"O caso Amarildo é um exemplo importante de que a Justiça que tarda, é a Justiça que falta. A morosidade da Justiça chega a ser perversa, pois os beneficiários de algumas ações, em sua maioria, morrem sem receber os valores a que têm direito. Os filhos de Amarildo, todos muitos jovens, além da convivência com o pai que lhes foi suprimida, foram também privados do auxílio que Amarildo lhes prestava. Nenhum se formou ou conseguiu trabalho regular que lhes garantisse a subsistência. A família de Amarildo sofre com o seu desaparecimento e amarga profundo sofrimento com a demora no recebimento da indenização a que fazem jus", disse João Tancredo.