Arlene Marques da Silva (esquerda), de 82 anos, morreu neste domingo (16) enquanto a médica que deveria a atender era agredidaReprodução

Rio - O corpo da idosa Arlene Marques da Silva, de 82 anos, foi sepultado na tarde desta segunda-feira (17) no Cemitério de Irajá, na Zona Norte do Rio. A mulher morreu após ficar sem atendimento médico durante as agressões de um pai e uma filha contra uma médica plantonista no Hospital Municipal Francisco da Silva Telles, também em Irajá, na madrugada deste domingo (16).
Familiares de Arlene estiveram na manhã desta segunda-feira (17) no Instituto Médico Legal (IML) Afrânio Peixoto, no Centro do Rio, para a liberação de seu corpo. Elaine Marques, 52, filha da idosa, contou que a mãe estava se recuperando de um infarto e, provavelmente, iria receber alta na próxima semana.
"Ela já estava almoçando, jantando, eu ia lá cuidar dela, mas não podia dormir, então eu vinha para casa, mas ela já estava bem, não estava tão ruim assim. A médica falou que talvez já ia dar alta para ela semana que vem, ela estava lá há duas semanas", contou.
A vítima deixou 8 filhos, netos e bisnetos. "Minha mãe era muito amada, muito querida e bem tratada demais para morrer dessa forma. Ela queria receber alta para ir para casa comer mocotó. Eu só quero Justiça!", completou a filha.
Morte aconteceu durante agressão à médica
Arlene morreu enquanto André Luiz do Nascimento Soares e Samara Kiffini do Nascimento Soares, pai e filha, agrediam a médica plantonista do hospital, o que não permitiu um atendimento à idosa.
O homem deu entrada no hospital com um corte no dedo da mão, sem gravidade. Funcionários da unidade pediram que ele aguardasse porque outros pacientes mais graves estavam sendo atendidos no momento. Insatisfeitos com a demora, André e Samara, que estava com uma criança no colo, quebraram vidros de portas e janelas do hospital. O homem agrediu com um soco a única médica que estava de plantão, que teve um corte na parte interna da boca e precisou receber cinco pontos.
Segundo testemunhas, André, que dizia estar armado, e Samara também invadiram a sala vermelha, onde ficam os pacientes com quadros de saúde mais graves. Um deles, com infarto agudo do miocárdio, saiu da sala com a coluna de soro para se esconder no banheiro.
Durante a confusão, Arlene, que estava em estado gravíssimo e precisava ser monitorada, acabou ficando sem acompanhamento e morreu. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), a idosa entrou em parada cardiorrespiratória às 4h, a equipe tentou reverter o quadro, mas não teve sucesso.
"Me contaram que o cara chegou pedindo para ser socorrido porque tinha cortado o dedo. Ele simulou que estava armado, entrou na sala vermelha e todo mundo correu. Quando minha mãe viu, ela começou a passar mal e a médica não pode socorrer porque ele estava socando o rosto dela. Agora está todo mundo sofrendo. Eu quero fazer Justiça porque isso não justifica. Por causa de um cortezinho no dedo tirar a vida de uma pessoa que estava na sala vermelha? Tenho certeza que ela morreu pelo susto que ela teve porque eu fui lá na hora da visita, mas por falta de segurança, aconteceu o que aconteceu", disse Elaine, filha da vítima.
Homicídio doloso
Após as agressões neste domingo (16), pai e filha foram levados por policiais do 41º BPM (Irajá) até a 38ª DP (Brás de Pina), onde o caso foi registrado. Na delegacia, André e Samara ameaçaram, de morte, a médica e outros funcionários do hospital.
Posteriormente, o caso foi encaminhado para a 27ª DP (Vicente de Carvalho), que assumiu as investigações. De acordo com o delegado Geovan Omena, os suspeitos foram autuados por homicídio doloso com dolo eventual por não se importarem com a vida dos pacientes ao invadir a sala vermelha da unidade. Eles também vão responder pelo crime de lesão corporal contra a médica e Samara pelo crime de coação no curso do processo após ameaça de morte dentro de delegacia.
"A filha virou para a médica que estava sendo ouvida e falou: 'Olha toma cuidado que isso não vai ficar assim não. Quando eu sair, vou te matar de tanto te agredir'. Nessa hora, ela recebeu voz de prisão também pelo crime de coação no curso do processo porque quando a ameaça é em razão de um inquérito ou procedimento judicial, que já está sendo apurado, o crime é coação no curso do processo, que é a pena bem mais grave", explicou Omena.
Até a tarde desta segunda-feira (17), André e Samara não passaram por audiência de custódia. Segundo o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), os nomes ainda não constam nas pautas de audiências.
Defesa alega inocência

O advogado Cláudio Rodrigues, responsável pela defesa do pai e da filha, alega que os dois não têm culpa da morte da paciente e acusa o hospital de atendimento precário.
"A ré Samara também foi agredida na unidade hospitalar e está cheia de hematomas sobre o corpo. Tudo isso em razão da ausência de atendimento, pois quem conhece o PAM de Irajá sabe que o atendimento é bem precário. Inicialmente, a defesa entende com a máxima vênia que acusar os réus de homicídio de um paciente que já estava internado naquela unidade possivelmente com um quadro clínico ruim, réus esses que também estavam naquela unidade desesperados por um atendimento que não alcança, é forçoso demais!", disse.
Ainda segundo a defesa, a verdade dos fatos deve ser apurada, visto que havia apenas uma médica de plantão na unidade.
"Equivocado querer culpar duas pessoas, um pai e uma filha que estão sofrendo, que também são vítimas do péssimo estado de saúde do estado, é forçoso demais. Querer culpar duas pessoas com a idoneidade comprovado pela ineficiência do estado não me parece justo. Uma ressalva importante é que as testemunhas são pessoas envolvidas. As enfermeiras e a médica. Havendo dúvidas, os réus devem ser soltos e responder em liberdade até ser apurada a verdade real dos fatos", complementou.
O advogado também alega que a investigação foi realizada de forma simplória.
O que diz a SMS

Em nota, a Secretaria Municipal de Saúde explicou que no setor de clínica médica do Hospital Municipal Francisco da Silva Telles, o plantão noturno é composto por dois médicos, mas que um dos profissionais escalados para a madrugada de domingo (16) teve um problema de saúde e não pôde comparecer.
"Todas as unidades da SMS contam com profissionais de vigilância desarmados. Em caso de alguma intercorrência, as autoridades policiais são acionadas", disse.
A direção da unidade informou ainda que repudia agressões a profissionais de saúde. "Cada vez que uma situação como esta ocorre, torna-se mais difícil a contratação de profissionais para a composição dos quadros funcionais", finalizou.