Não à toa, em algum momento da vida, eu tinha aversão a aceitar que a gente não sabe o que vem pela frente. Era algo que me impedia de tomar decisões. Afinal, em cada escolha a gente deixa outro caminho para trásArte: Paulo Márcio

Havia acabado de ligar o celular, que tinha permanecido fora de área durante todo o o espetáculo. Queria registrar em vídeo os aplausos aos bailarinos da Companhia Dalal Alchar, que se apresentaram em um domingo de junho no Teatro Riachuelo, no Centro do Rio. Consegui gravar as palmas ecoando pelo histórico auditório, enquanto a música de Rita Lee fazia trilha sonora: "Amor vem de nós/ E demora..." Até que fui surpreendida por aquele grupo de amantes e profissionais da dança pulando em direção à plateia.
Sim, eles fizeram questão de vir até nós em forma de agradecimento. Logo fui abraçada por uma bailarina e, em seguida, por um colega dela, que me disse: "Obrigado por ter vindo". Rapidamente, consegui lhe responder: "Parabéns". Pela apresentação, pelo talento, pela entrega.
As cenas do teatro seguiram comigo e me fizeram lembrar de um papo com uma grande amiga. Ela tinha visto um post no Instagram em que eu escrevia sobre o inesperado da vida e me mandou uma mensagem afetuosa para saber se estava tudo bem comigo. É curioso como a gente tem a tendência a conectar o imprevisível a algo nem sempre positivo. Não à toa, em algum momento da vida, eu tinha aversão a aceitar que a gente não sabe o que vem pela frente. Era algo que me impedia de tomar decisões. Afinal, em cada escolha a gente deixa outro caminho para trás.
Mas a surpresa também pode ser boa. Aprendi isso de uns anos para cá e confirmei nessa ida ao teatro. Eu já esperava um espetáculo lindo. Mas jamais poderia imaginar que seria abraçada ao fim da apresentação pelos bailarinos. É mágica a forma como a gente se surpreende com um afeto repentino.
Ouso dizer que a vida é feita de muitos acontecimentos que fogem ao script. Como a emocionante despedida da bailarina Manuela Medeiros, naquele mesmo dia. Ao fim da apresentação, veio o anúncio de que ela estava deixando a companhia rumo à Espanha. Seu 'até logo' teve abraço coletivo dos colegas e dos pais, aplausos e desejos de boa sorte.
De lá para cá, ela se lançou ao imponderável de um novo destino. Daqui, eu vivi sensações inesperadas sem mudar de casa. Afinal, surpresas não estão necessariamente ligadas a novos endereços. Isso também é instigante, assim como é mágica a possibilidade de uma crônica renascer após um mês e meio adormecida em um rascunho. Afinal, o despertar de um texto também é imprevisível.