ESPECIAL - Grupo dos alcoólicos anônimos na Freguesia, Jacarepaguá. Foto: Pedro Ivo/ Agência O DiaPedro Ivo/ Agência O Dia

Numa terça-feira nublada, às 17h, em uma sala alugada, no bairro da Freguesia, na Zona Oeste do Rio, dava-se início mais uma reunião de Alcoólicos Anônimos. O coordenador (um membro da organização que naquele dia é o responsável pelo encontro), está sentado por trás de uma mesa antiga, de pés pretos, forrada com uma toalha azul, estampada com o símbolo de Alcoólicos Anônimos (um triângulo, que em suas bases tem escritas as palavras "recuperação", "unidade" e "serviço").
O preâmbulo de AA
O coordenador faz então a leitura do preâmbulo: "Boa tarde. Sejam bem-vindos a mais uma reunião do Grupo Freguesia de Jacarepaguá, reunião de número 24.751, do dia 12 de de setembro de 2023. Meu nome é L.C e eu sou um alcoólico", diz o homem.
"Alcoólicos Anônimos é uma irmandade de pessoas - em vez de 'pessoas', o texto anterior trazia 'homens e mulheres'. A mudança recente no preâmbulo, a nível mundial, teve como objetivo tornar a irmandade ainda mais inclusiva -, que compartilham entre si suas experiências de força, fé e esperança afim de resolver seu problema comum e ajudar outras a se recuperarem do alcoolismo. O único requisito para se tornar membro é ter o desejo de parar de beber (esta é a terceira tradição de Alcoólicos Anônimos). Para ser membro de AA não há taxas ou mensalidades, somos autossuficiente graças às nossas próprias contribuições. AA não está ligado a nenhuma seita ou religião, a nenhum movimento político ou instituição e não deseja entrar em qualquer controvérsia. Nosso propósito primordial é mantermo-nos sóbrios e ajudar outros alcoólicos a alcançar a sobriedade".
A "Oração da Serenidade"
Em seguida, o coordenador avisa que fará a Oração da Serenidade, solicitando aos presentes que façam um instante de silêncio pelo alcoólico que ainda sofre: "concedei-nos senhor, a serenidade necessária, para aceitar as coisas que não podemos modificar. Coragem, para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguir umas das outras", diz a prece.
Após, ele lê a "Reflexão Diária" (um livro da irmandade que tem uma mensagem para cada dia do ano) e solicita aos presentes que desliguem ou coloquem seus telefones no modo silencioso, e evitem conversas paralelas durante a reunião. A partir daí, começam as trocas de experiências relacionadas ao uso abusivo do álcool, as chamadas "partilhas". Na maioria dos grupos de AA, cada companheiro pode partilhar por até 10 minutos, enquanto os outros ouvem, sem interferir. Os depoimentos são por ordem de chegada ao grupo ou por determinação do coordenador.
A "Consciência Coletiva"
Os membros de alcoólicos anônimos se organizam para tomarem decisões que afetam o grupo. Essa é a chamada Consciência Coletiva. É um estado ao qual se chega por meio da participação dos membros, em especial nas reuniões de serviço, no processo em que se busca o conhecimento de algum assunto ou problema que esteja em estudo e se estende também às decisões que eventualmente irão ser tomadas.
As decisões tomadas pela Consciência Coletiva de um grupo são soberanas, desde que não desrespeitem os princípios da irmandade como um todo.
Café e água gelada
Além dos membros e da literatura própria, um outro componente não pode faltar nas reuniões de AA no Brasil: o café. Desde a chegada da irmandade no país, até os dias de hoje, a bebida se tornou algo tradicional nos encontros reuniões, e tem um sabor simbólico na recuperação dos AAs. "O café daqui é maravilhosos, é especial! Ele tem uma espiritualidade única, não sei dizer, não dá para explicar", elogia G.M.B, enquanto se servia de mais um copo de café, após o fim da reunião.
Além do cafézinho e da água oferecidos aos membros e visitantes, alguns grupos também servem biscoitos, ou outros alimentos, trazidos por membros ou custeados pelo grupo, de acordo com e decisão da Consciência Coletiva de cada grupo.
AA é gratuito, não cobra taxas
A recuperação oferecida por Alcoólicos Anônimos é totalmente gratuita para o membro. Entretanto, uma sacola é passada aos presentes em algum momento da reunião para que, por meio de contribuições voluntárias, o grupo possa arcar com despesas como café, luz, material de limpeza e higiene, e, em alguns casos o aluguel do espaço.
'Já não bebo há mais de sete anos graças ao AA'
Três vezes por semana, em média, sempre nos fins de tarde, o motorista de aplicativo A.L.M. frequenta um grupo de Alcoólicos Anônimos próximo à sua residência, na Zona Norte da cidade.
Nesses dias, ele deixa de trabalhar um pouco mais cedo para estar na sala, momentos antes da reunião começar, às 17h.
"Quando eu cheguei em AA eu tinha perdido tudo: família, emprego e principalmente a minha dignidade. Bebia quase todos os dias e perdia a 'linha'. Mas já não bebo há mais de sete anos graças ao AA, e nesse tempo consegui organizar minha vida", garante A.L.M. em entrevista ao DIA, afirmando que desde que entrou em um grupo de Alcoólicos Anônimos não fez mais uso de bebidas alcoólicas .
Já o bancário aposentado P.L frequenta uma sala e AA, em Jacarepaguá, desde 2007. Ele conta que sua vida se divide entre antes e depois de conhecer a irmandade. "Eu sofri muito nas garras do alcoolismo. Fui internado, prejudiquei meu casamento, quase perdi meu emprego, fui aposentado precocemente... fiz loucuras. O álcool me deixava completamente insano. Hoje, tenho uma vida muito tranquila, feliz e consigo cuidar de mim e da minha família", conta o membro de AA, que uma vez por semana coordena reunião em seu grupo base.

A rede protetora e acolhedora de AA
A classe médica reconhece a eficiência e indica o tratamento de Alcoólicos Anônimos para pessoas que têm problemas com o consumo de bebidas alcoólicas. Um dos maiores especialistas no país sobre alcoolismo, o psiquiatra e professor Ronaldo Laranjeira, considera o tratamento proposto por AA como fundamental.
"Os Alcoólicos Anônimos têm larga experiência no atendimento de dependentes de álcool. Eles oferecem um tratamento bom e barato alicerçado na generosidade de voluntários que se predispõem a ajudar o próximo a vencer um problema que de certa forma também é deles. É um trabalho maravilhoso, absolutamente fundamental na área do alcoolismo. Os AA são o sal da terra no sentido de facilitar o acesso e a adesão ao tratamento sem levar em conta cor, origem, sexo, nem condição socioeconômica. Quem se adapta aos grupos de autoajuda, deve procurar e permanecer nos grupos do AA", avalia o médico, em entrevista publicada no Portal Uol.
"Essa rede social protetora e acolhedora é muito importante nos AA como em qualquer outro sistema de tratamento. Ajuda muito ter amigos para os quais se possa telefonar sábado à noite e marcar um programa que não envolva álcool. Por isso, a orientação é sempre buscar relacionamentos sociais com não-bebedores e desenvolver formas de lazer distantes da cultura do bar", orienta o especialista.