Participantes do grupo de apoio se abraçamCleber Mendes/Agência O Dia

Rio - A morte é um dos grandes mistérios da vida, mas para quem fica, o que vem depois de perder alguém? Encontrar as palavras, encarar a dor e a ausência não é fácil. No Dia de Finados, celebrado neste dia 2 de novembro em memória dos que faleceram, são feitas orações e visitas aos túmulos de parentes e amigos.

Rômulo Dias perdeu a mãe e a avó no início deste ano e compartilha como tem sido viver o processo de luto. "Ainda está sendo muito difícil acordar todos os dias, encarar os fatos, seguir em frente e saber que não tenho mais essas duas pessoas ao meu lado fisicamente. Eu era uma pessoa antes da partida de minha mãe, e agora estou recomeçando tudo. Minha recomendação é que todos que ainda têm suas mães abracem e digam o quanto as amam", diz.

"Eu era muito próximo da minha mãe, tivemos uma relação de amizade e parceria. O câncer foi uma doença traiçoeira, e os sintomas apareceram para minha mãe de repente. A doença se espalhou de forma muito rápida pelo corpo. Ela tinha muita vontade de viver e lutou até o último segundo de vida. Eu tenho muito orgulho dela", recorda o jovem.

A saudade e a ausência fazem parecer que a dor não terá fim, muitas vezes no questionamento do "por quê", tirando o rumo, embargando a voz e paralisando quem ficou.

“Eu não existo longe de você e a solidão é o meu pior castigo": a letra da canção retrata o sentimento de quem perdeu alguém. A composição é conhecida como um dos hits da dupla Claudinha e Buchecha, que fez sucesso no início dos anos 2000 e a trajetória da dupla desde a infância até o acidente de carro que matou Claudinho em 2002, é contada no filme 'Nosso Sonho', em cartaz nos cinemas.

“Eu acho que nenhum de nós está disposto a perder. A gente é ensinado a ganhar e a vencer, e não estamos preparados para perder nada, nem tão pouco objeto e muito menos um ente querido ou alguém que a quem estimamos e temos carinho e amizade. É muito difícil, mas precisamos aprender e seguir em frente, faz parte da vida”, disse o cantor Buchecha.

Para o funkeiro, a fé é um grande aliado para ele nos momentos de perda e em tudo na vida: “Em todas as vezes que passei pelo luto, eu me apoiei na família, na fé, nas lembranças e memórias, nas minhas atitudes enquanto a pessoa estava aqui e eu pude fazer alguma coisa. Demonstrar amor enquanto se pode é muito importante, porque acho que dá um alívio e a tranquilidade de que a gente fez o melhor", disse o artista.

De acordo com a psicóloga e professora da Uerj, Eleonôra Torres Prestrelo, o luto é uma reação natural a qualquer perda que tenhamos ao longo da vida, se refere a perda de relação de algo ou alguém significativo. Não tem tempo pré determinado, depende do tempo de relação.

“Eu costumo dizer que vivenciamos perdas, assim como vivemos, com os referenciais de apoio que desenvolvemos na vida. Os apoios que criamos ao longo da vida são aqueles que utilizamos para enfrentar os grandes desafios que a vida nos impõe. As grandes perdas, sejam por morte ou quaisquer outras que nos levem à experiência do luto, enfrentamos com os recursos que desenvolvemos ao longo da vida. Nesse sentido, se desenvolvemos nosso autoconhecimento e autossuporte, isso acontece de diversas maneiras, mas acredito no suporte fornecido pelo processo psicoterapêutico. Quando enfrentamos nossas perdas, contamos com esse processo que desenvolvemos por meio desse acompanhamento. Não vamos deixar de sofrer, pois o sofrimento faz parte de toda perda, mas temos alguns apoios para elaborar a perda e melhores recursos para lidar com o luto do que as pessoas que não investiram nisso”, explicou a psicóloga.

Eleonôra ainda reforça que: “é muito importante a gente não colocar o luto como tendo que ser trabalhado todo luto da mesma forma. Ele precisa ser sempre olhado em um contexto onde está inserido, em alguns momentos, o processo de perda vai trazer um enlutamento com características muito peculiares e pode ser muito rápido e em outros pode levar alguns meses ou até anos para que ele possa ser elaborado em toda sua plenitude”, pontua a professora. 

Apesar de ser um processo natural da perda, o luto pode representar um problema para a saúde quando se torna intenso e prolongado. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o luto prolongado é considerado como um transtorno mental, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID).

A psicóloga ainda explica que é preciso um acompanhamento mais de perto para que se possa identificar se esse luto está sendo funcional, pertinente à relação ou se está sendo excessivo. De acordo com ela, na literatura, isso pode ser chamado de luto patológico, que apresenta características específicas, sendo aquele processo em que não há uma elaboração da perda. A pessoa fica paralisada, sem poder compreender e nem elaborar seus sentimentos diante do que foi a perda para ele. É nesse contexto que podemos avaliar a pertinência da duração do processo de enlutamento.

“Se um período de luto, após um tempo que pode variar de um a dois meses de uma perda importante, é identificado que a pessoa está enfrentando dificuldades no desempenho de suas funções básicas com frequência. É comum passar por dias mais tristes, nos quais a capacidade de trabalhar e se relacionar com o mundo é prejudicado e faz parte do processo de luto. Mas quando essa dificuldade se torna constante e a retomada de uma vida rotineira se torna difícil, é preciso olhar o enlutamento com mais atenção, e ver como é possível através do trabalho psicoterápico e, em casos mais graves, a utilização de medicação”, diz a professora.

Para ela, o sofrimento e a dor não podem ser comparados, mas existem alguns elementos que tornam o processo de luto mais difícil, como a idade e as perdas causadas por mortes repentinas e violentas, que são mais complexos de serem elaborados no luto devido às particularidades do contexto em que ocorre.

"A dica básica para que a pessoa possa procurar ajuda é quando ela percebe que não está conseguindo mais levar a vida e a rotina dela como gostaria de levar e está prejudicada no sentido laboral, social e está sentindo sem vivacidade. Antes mesmo de chegar a este ponto, assim que a pessoa sentir que está mais deprimida, com maior dificuldade de manter uma rotina, já pode procurar ajuda", destaca a profissional.

Já Suzana Machado perdeu o pai devido à Covid-19 em 2021. Ele ficou hospitalizado por cinco meses, mas acabou não resistindo. “No caso do meu pai, houve uma internação muito longa, e em certo momento, já sabíamos que ele não se recuperaria. Começamos a vivenciar o luto antes mesmo de sua morte, e até hoje não sei dizer se isso é bom ou ruim”, contou a publicitária e escritora.

Ainda de acordo com ela: “O luto é que nem a maternidade: todo mundo tem um conselho para dar. Quando você perde alguém as pessoas ficam querendo dizer como deve ser o seu luto, mas é um sentimento totalmente particular. O meu pai foi a primeira pessoa muito importante que perdi na minha vida e, entendi que o luto não é um período que você passa, é um sentimento que nos acompanha pelo resto da vida, às vezes doendo mais, outras doendo menos, o que aprendi com o luto é que eu nunca mais vou falar para alguém "força!" ou "você tem que ser forte", eu acho que a gente tem que sentir o que quiser. Eu falo para a pessoa "respira". A gente tem que respeitar a forma com que cada um lida com a perda, porque a gente não sabe o que se passa dentro de ninguém”, destacou.

Suzana conta que fez uma homenagem ao meu pai. “Ele era mineiro e nunca me chamava pelo nome; só me chamava de 'fia'. Eu costumava brincar com ele, perguntando se ele ainda lembrava do meu nome. Quando ele morreu, fiz uma homenagem tatuando como ele costumava me chamar, era sempre 'fia', relembrou ela.
Suzana fez uma tatuagem em homenagem ao pai falecido em 2021 - Reprodução/Acervo pessoal
Suzana fez uma tatuagem em homenagem ao pai falecido em 2021Reprodução/Acervo pessoal


"Eu tento não lutar contra o luto. Quando sinto vontade de chorar, eu choro. Eu entendo que eu ainda vou ter momentos frágeis. Quando vejo algo que me lembra dele, às vezes sinto uma alegria doce, uma saudade gostosa, uma tristeza horrível ou uma revolta. Eu lido com o luto permitindo que ele se manifeste”, concluiu.

Apoio e acolhimento

Márcia há 12 anos fundou o primeiro grupo no Rio para dar suporte ao luto: o Amigos Solidários na Dor do Luto, que surgiu da percepção de não ter nenhum grupo que fizesse reunião presencial na cidade. E, desde 2017, também coordena junto com o psicólogo Paulo Victor Torres, a campanha A Vida Não Para, que conta com reuniões quinzenais no Crematório e Cemitério da Penitência, no Caju, na Zona Portuária. A troca de sentimentos e experiências é o ponto principal da iniciativa, que tem como madrinha a atriz Cissa Guimarães e o treinador de futebol Abel Braga, ambos perderam os filhos precocemente e viveram a dor do luto.

Sônia foi acolhida pelo grupo de apoio ‘A Vida Não Para’ há dois anos desde a perda do filho de 44 anos em 2021, após complicações de uma cirurgia associada ao câncer.

Para ela é muito bom estar no grupo e conta que se sente acolhida:"Foi uma coisa que não tem como explicar, eu encontrei este grupo e foi muito bom para mim e para a minha família, o que eu aprendo aqui eu levo para casa. Foi muito bom para eu entender o luto, porque se eu não amasse meu filho, eu não estaria aqui. Isso é o que me faz estar forte e querer viver, de caminhar. Aqui no grupo aprendi a entender os sentimentos de outras pessoas, a amar, respeitar e ser solidária”, contou a participante.
Sônia foi acolhida no grupo "A Vida Não Para" há dois anos - Cleber Mendes/Agência O Dia
Sônia foi acolhida no grupo "A Vida Não Para" há dois anosCleber Mendes/Agência O Dia

Márcia explica que quem está enlutado precisa falar sobre o luto, colocar para fora e trocar experiências. As reuniões possuem temas que ajudam nas questões práticas das perdas, mas que priorizam a troca de experiências sem julgamentos e sem críticas, independente do tempo da perda se foi 1, 2 ou 5 anos. Lá é o espaço em que a pessoa enlutada pode voltar e chorar de novo, contar histórias repetidas e vão ser acolhidas. “O luto compartilhado é o luto amenizado", diz.

"O principal é respeitar a dor do outro. Na troca de experiência as pessoas vêem que não estão sozinhas, que outras também estão passando por dores como ela está passando. Não dá para mensurar, eu sempre falo no grupo "dor é dor, perda é perda, perdeu é muita dor e não importa se foi pai, mãe, marido, filho. Cada dor é única e cada um sabe a dor que sente, independente de quem foi, é dor", enfatizou a assistente social.

De acordo com a idealizadora do projeto, o luto não é uma doença, mas sim um processo. Para aqueles que passam por esse processo, a vida parece ficar parada até que o enlutado consiga se ressignificar e elaborar o luto, ou seja, o momento em que compreendeu que não é mais o mesmo e assume uma nova identidade. “Porque a pessoa que ela perdeu não estará mais presente, o que significa que a vida daquela que está de luto será diferente, pois essa pessoa não fará mais parte dela. Então, quando alguém começa a entender isso, consegue seguir em frente com sua vida”, pontua a coordenadora do grupo.