Lorna Washington, referência no transformismo do Brasil, morre aos 61 anosReprodução/Instagram

Rio - Amigos e familiares estiverem no velório e sepultamento de Lorna Washington, nesta terça-feira, 31, no cemitério São Francisco Xavier, no Caju, Zona Portuária. Ícone do transformismo no Brasil, a artista sofreu um infarto na segunda-feira, chegou a ser socorrida na UPA da Tijuca, mas não resistiu e morreu aos 61 anos.
 
Fora dos palcos, Lorna se chamava Celso Paulino Maciel. Em entrevista ao jornal O DIA, Salete Maciel, filha do artista, falou sobre a falta que ele fará.
"Meu pai era só alegria, um ator maravilhoso, uma pessoa linda, que abraçou todo mundo que estava do lado dele, viveu brilhantemente, lutou pra caramba, e agora é saudade, a estrela voltou pro céu, foi brilhar", disse ela, que completou contando sobre o legado que o pai deixa.
"Amor, solidariedade, compaixão pelo próximo, muita luta. Uma vida sem preconceitos, é isso que ele deixa".
Sobrinho e filho de consideração da transformista, Rafael Maciel, disse que teve o prazer de reencontrar Lorna em 2014.
"Foi a coisa mais linda pra mim, uma energia espiritual, uma vibração, uma aura iluminada. E de 2014 pra cá só foi amor, só foi compreensão, um desenvolvimento de espiritualidade, de pessoa, de amor ao próximo, uma referência de luta, de gratidão, de luta mesmo em prol das outras pessoas.", destaca.
Rafael ressalta que Lorna foi ativista nos lados humano e social. "Ativista contra a luta do câncer, do HIV, sobre as questões raciais, as questões relacionadas à LGBT. Então, meu pai foi uma pessoa exemplar. Um artista completo, um artista de palco, de presença, uma mente assim brilhante, uma cognição sem igual, autodidata. Uma pessoa que te olhava e analisava e te dava caminhos através de conselhos, não tem mais nada a falar dele a não ser uma pessoa que passou pela vida escrevendo histórias, deixando histórias e é isso, esse é meu pai", concluiu.
Lorna era comparada à atriz Fernanda Montenegro no mundo drag, pela sua capacidade de encarnar diferentes personagens. A transformista teve a vida retratada no documentário "Lorna Washington: Sobrevivendo a Supostas Perdas", de Rian Córdova e Leonardo Menezes. A artista também era ativista pelos direitos das pessoas com HIV/Aids.
Alcione prestou uma homenagem à drag queen em seu Instagram. "Lorna Washington sempre foi e será sinônimo de amizade, parceria, caridade, amor é grande caráter. Marcou a todos nós com seu talento e grande personalidade. Está, com certeza, nos braços de Deus, abertos para pessoas como ela.
Que ela tenha a felicidade eterna, embalada pelo sopro Divino do Senhor. Descanse em paz minha amiga", escreveu.
Artista com “A” maiúsculo
Rodrigo Faour, jornalista, produtor musical e historiador de música popular brasileira, destacou em uma postagem no Facebook a importância de Lorna na cena LGBTQIA+.

"Nosso querido Celso, um dos maiores transformistas que já tive a chance de conhecer dentro e fora dos palcos, por seu talento, humor, franqueza, versatilidade. Foi pioneiríssimo em aliar diversas qualidades – apresentar, cantar com a própria voz, dublar (ou mimetizar, como ele (a) gostava de dizer), fazer humor e ativismo nos palcos", iniciou.

O historiador destacou algumas boates que Lorna reinou durante sua trajetória artística: Katakombe, Boêmio, Mamão com Açúcar (como chapeleira), Papagaio, Incontru’s, Le Boy, 1.140 "e todas que se pode imaginar, até passar o ano de 2021 apresentando-se na extinta QG, na Princesa Isabel, em Copa, quando a pandemia começou a arrefecer", disse.

Carente de programação cultural, Faour costumava vê-la se apresentar toda segunda-feira. "Ali tive a oportunidade de ver um Artista com “A” maiúsculo que, mesmo com mil e um problemas de saúde, inclusive não poder contar com uma das pernas, além de apresentar a cada semana três números diferentes, ao final, fazia um strip-tease ao som de Dalida (“Je suis toutes les femmes”) e saía do palco só de sunga, sem pudores, despido (a) de qualquer vaidade".

Até o iníco do ano passado, Lorna fazia trabalhos sociais e precisou parar quando esteve internado por mais de seis meses, passando um deles em coma. "Renasceu e ainda teve mais de um ano de vida, amparado por sua irmã de criação Neide, os amigos Almir França, Denilson, Elaine Parker e tantos outros que o amavam. Nunca foi de reclamar. Mandava áudios carinhosos de força e otimismo, para todos os amigos próximos quando acordava: cantava uma música e em seguida dava sua mensagem. Celso/Lorna não virou estrela porque sempre foi uma estrela e sua energia ainda há de nos contagiar por muitos anos", concluiu Rodrigo na homenagem.
Lorna agradeceu homenagem recebida em vida
Em sua última publicação na página do Instagram, em julho, a diva compartilhou registros de uma homenagem que recebeu na casa Pink Flamingo, em Copacabana, Zona Sul do Rio. A artista recebeu flores das mãos da artista Karina Karão. "Muito obrigada por toda reverência que recebi na casa LGBTQIAPN+, mais importante na cena carioca.Me emocionei muito e estou muito feliz por receber essas flores em vida!", escreveu Lorna na publicação.
O grupo em defesa de pessoas com HIV Grupo Pela Vidda RJ (GPV-RJ) divulgou uma nota de pesar. "É com profundo pesar que nos despedimos de uma figura icônica e essencial para o movimento LGBT e de combate ao HIV/AIDS, Lorna Washington. Sua partida deixa um vazio irreparável em nossos corações e na comunidade que ela tanto amou e serviu", diz o texto.

"Lorna Washington não foi apenas um transformista; ela foi uma estrela que brilhou intensamente por um breve momento e que, se dependesse de nós, continuaria a iluminar nossas vidas eternamente. Seu legado é marcado por uma dedicação incansável às causas que abraçou, especialmente ao Grupo Pela Vidda RJ (GPV-RJ) e à luta contra o HIV/AIDS", diz o vice-presidente do Grupo Pela Vidda RJ, Rene Júnior.