Mãe pede Justiça durante enterro de adolescente baleada em Belford RoxoPedro Ivo/Agência O DIA

Rio - O enterro da adolescente M.I. C, 14 anos, morta após ser baleada durante um confronto no bairro Nova Aurora, em Belford Roxo, na Baixada Fluminense, aconteceu nesta segunda-feira (4), no Cemitério Municipal da cidade. Durante o velório, a mãe da vítima passou mal e precisou ser amparada por familiares e atendida por equipes do Serviço Móvel de Urgência (Samu). Aos prantos, Michele Christovam pedia por Justiça e pela prisão do PM que ela acredita ser o responsável por ter atirado em sua filha.

"Senhor governador, eu estou pedindo socorro. Se o senhor tem filho, não deixa eu ser mais uma mãe que perde um filho sem resposta, por favor. Tenha piedade de mim, faz esse cara pagar pelo que ele fez com minha filha. Enquanto eu não ver esse cara preso, não vou ter paz. Eu não sou a primeira mãe que perdeu um filho, peço que todas as autoridades me apoiem, me ajudem", suplicou.

Segundo Michele, o policial do serviço reservado (P2) mirou em um miliciano e acabou atingindo a sua filha, que estava de costas, dentro de uma loja.

"Dor e tristeza, é isso que me define, nada vai trazer minha filha de volta. Eu estou tendo que ter forças e quero que o policial que atirou nela seja preso. Ele atirou com um fuzil pelas costas e atingiu o coração dela. Ele jogou ela igual bicho dentro da Fiorino, porque não quis socorrer no carro dele. Ele tirou minha filha de mim, ele pode me matar, eu não tenho mais anda a perder, ele matou a minha filha. Eu quero justiça", contou.

A adolescente foi socorrida e encaminhada ao Hospital Municipal de Belford Roxo, mas não resistiu. Na unidade, a mãe disse que encontrou o policial que teria atirado na filha.

"No hospital, ele teve o prazer de segurar na minha mão e pedir desculpa, falou que ele tem filho e que não foi ele que atirou, mas o olho dele estava cheio de lágrimas. O bairro Nova Aurora estava esquecido, não tinha necessidade dele atirar numa rua movimentada, ele foi atirar num homem que estava em uma loja, minha filha estava na mesma loja, de costas, o tiro veio de trás e perfurou o coração dela", afirmou.

"Senhor governador, me ajuda. Faz justiça, eu quero saber onde está a câmera do uniforme dele, dos policiais que estavam lá. Se eu morrer hoje, tanto faz. Minha filha já morreu, minha vida já acabou, enquanto ele não for preso eu não vou sossegar", completou.

Sonho interrompido

A mãe da adolescente, que é auxiliar de serviços gerais, disse que sempre criou as duas filhas mais novas, que são gêmeas, e M. I. C, sozinha. A menina tinha o sonho de cursar Direito, se tornar advogada e melhorar as condições de vida da família. Durante o sepultamento, as irmãs mais novas seguravam cartazes pedindo por Justiça.

"Eu criei três filhas sozinhas. Eu precisava sair pra trabalhar porque o pai não pagava pensão e ela dava um jeitinho de olhar as meninas, com cinco, seis anos. Era uma criança cuidando da outra. Ela era uma menina estudiosa, autêntica, verdadeira, minha filha era amada por todos. O sonho dela era ser advogada, ela falava: 'Mãe, a gente passou tanta fome junto que você nunca mais vai precisar lavar banheiro'", desabafou, em meio às lágrimas.

A mãe, ainda muito abalada, contou que teve o final de ano arruinado e que está sem chão, à base de medicamentos.

"Ela falava que não queria essa vida (de auxiliar de serviços gerais), que ela ia me tirar dessa vida e que eu nunca mais ia lavar o vaso de ninguém. Minha filha foi embora, eu não estou acreditando até agora. Eu vi minha filha dura ali, gelada. Estou à base de remédios e vou continuar me dopando, porque cada canto da minha casa tem um pedacinho dela", disse.

A família pretendia passar o Natal em casa pela primeira vez. "Ela estava animada pra fazer o Natal lá em casa, porque nunca tínhamos feito. Para mim o Natal acabou, o ano acabou", completou.
A morte da adolescente M. I. C de 14 anos é o 13º de caso de vítimas de até 14 anos mortas por armas de fogo, a maioria por bala perdida, registrado em 2023. De acordo com a ONG Rio de Paz, esse é o maior número contabilizado em 16 anos.

Sobre a violência no bairro

Michele voltou a reforçar que a culpa da morte é da Polícia Militar, mas admitiu que a região é dominada por milicianos que extorquem comércios.

"Os meninos podem fazer as cobranças lá, mas não machucam a vida de ninguém, são os policiais que chegam lá pra acabar com a vida de todo mundo. Porque todo assassinato que tem ali é a polícia que começa. Aí estão querendo colocar a culpa nos meninos lá, mas não houve confronto. Eles chegaram atirando. Eu quero a verdade", disse.
O prefeito de Belford Roxo Waguinho Carneiro esteve presente no enterro e criticou a Polícia Militar.

O que diz a PM
De acordo com a PM, a menina foi baleada durante uma troca de tiros entre traficantes rivais. Apesar disso, a corporação afirma que também houve um ‘breve confronto’ entre bandidos e policiais militares no local. Os agentes prestaram depoimento e tiveram as armas apreendidas para serem periciadas. Um procedimento também foi instaurado pela Corregedoria para apurar a ação policial.

Na ação, um jovem também foi morto. Um homem foi preso e uma arma apreendida. As investigações estão em andamento na Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF).