O tempo é implacável e, à medida que avançamos em anos, as rugas vão surgindo, assim como os fios brancos. A força e o vigor vão diminuindo, transformando tudo ao nosso redor. O envelhecimento não é apenas uma realidade, mas um desafio enfrentado pelas pessoas da terceira idade. A partir disso, surgem outras barreiras para levar uma vida ativa e de qualidade, como a falta de valorização, lazer, acessibilidade e insegurança, que são as queixas mais comuns entre eles.
De acordo com os dados do Censo Demográfico 2022, do IBGE, o número de pessoas com 65 anos ou mais de idade cresceu 57,4% na população do país em 12 anos. O total de pessoas dessa faixa etária chegou a cerca de 22,2 milhões de pessoas em 2022, contra 14 milhões em 2010. Em relação aos estados, o Rio é o segundo maior do país, sendo que a cada 100 crianças de até 14 anos, há 73,64 pessoas acima de 65 anos. Os números revelam que um dos principais desafios é garantir que a sociedade esteja preparada para acolher e atender às necessidades dessa crescente parcela da população. Isso inclui a implementação de políticas de assistência social, saúde e moradia voltadas especificamente para os idosos, bem como a promoção de uma cultura que valorize o envelhecimento ativo e saudável.
O francês Jules Slama mora há 50 anos no Brasil, ele sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) há cerca de dois anos e conta que o maior desafio para ele é em relação à acessibilidade para o lazer. Ele compartilha: “Às praias é muito difícil de serem acessadas porque não há escadas, nada. Se você vai a Ipanema ou ao Arpoador, há algumas escadas para descer, mas aqui em Copacabana é muito difícil chegar à areia. Nas calçadas, também há muitas pedras portuguesas que estão soltas e precisam ser resolvidas. Uma das coisas positivas que vejo aqui são essas academias de terceira idade, que permitem praticar um pouco de ginástica para ter uma saúde melhor, já que nós não temos muitas opções. Há pessoas que estão disponíveis, mas não tem acessibilidade para várias coisas, como a praia e também quase não há piscina. Hoje em dia, há coisas que podem ser feitas sem um grande investimento. Mas o problema é esse, há uma diferença, não é uma questão de dinheiro, é uma questão de escolha.
"Porque a idade, como disse Charles de Gaulle, é um naufrágio. Estamos afundando cada vez mais, mas fazendo essa ginástica conseguimos flutuar, ter uma vida normal por mais tempo", contou o francês.
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A moradora de Copacabana, Ilma Serra, gostaria de sair mais, porém enfrenta desafios todos os dias com a cadeira de rodas quando vai à praça ou ao calçadão: "A pessoa que tem condição de sair é mais fácil, pois as calçadas com pedras portuguesas estão todas estragadas, precisando consertar. Venho aqui todos os dias, mas ainda falta muito para melhorar”, disse a idosa.
O aposentado Aderley de Guizarra, 78, sofreu uma queda no centro de Niterói, no caminho voltando para casa. Ele diz que o maior problema são as calçadas e a altura dos degraus nos ônibus. "Essa semana, na segunda-feira, eu tomei um tombo. Caí, machuquei o joelho. O problema é das calçadas que são mal conservadas. Eu saí do plaza e vim procurando ônibus, atravessar a rua ali, tinha um ressalto e eu tropecei. Aqui também tem que tomar muito cuidado porque não é liso não", contou. Ele prefere utilizar ônibus do que outros transportes, porém critica a acessibilidade no transporte. "Os degraus são muito altos, é muito ruim", disse Guizarra.
A aposentada Vanda Carvalho, 73 anos, que se mudou para Copacabana com o marido para ficar mais perto dos netos, apesar dos benefícios que tem no bairro, sente falta de mais lazer para a terceira idade. "Um lugar perto de praia, um lugar bom como esse, que tem comércio e tem tudo é muito gostoso para os idosos, mas acho que deveria ter mais encontros para as pessoas conversarem e conviverem. A gente sente falta disso, pois não conhecemos muito a gente aqui. Seria bom assim um lugar pra ver filmes, dançar e conversar", relatou a aposentada.
Para a Anelise Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia do Rio de Janeiro (SBGGRJ): "O Rio de Janeiro precisa melhorar a sua infraestrutura, pois há risco de queda nas calçadas devido às pedrinhas soltas e à má organização das sinalizações. A queda e sinalização das ruas são grandes problemas, deveríamos utilizar cores mais chamativas e letras maiores, pois os idosos têm uma redução da sua acuidade visual. A visão é um órgão sensível para nós em termos de mobilidade. Além disso, lidar com a lentidão das pessoas idosas é desafiador, pois as pessoas estão sempre apressadas, o que resulta em empurrões em lugares mais cheios. Além disso, a falta de lazer e espaços acessíveis para essas pessoas, especialmente para os cadeirantes, tem também manutenção adequada de aparelhos de atividade física, se há profissionais do serviço público disponíveis para ajudar e orientá-las nos exercícios”, enfatiza.
“Além disso, é outro desafio lidar com os cinco grandes pontos relacionados à pessoa idosa: mobilidade, heterogeneidade do grupo, condições de saúde diversas, aspectos sociais e políticos, e participação cívica. Muitos são engajados, outros não. A participação do idoso na votação, por exemplo, é opcional após os 70 anos. Por que não envolvê-los em políticas públicas, convidando-os a contribuir e expressar suas preocupações? Muitas vezes, em reuniões em bairros como Copacabana, há idosos que poderiam contribuir significativamente com suas experiências e opiniões”, pontuou.
O deputado estadual Munir Neto, presidente da Comissão da Criança, do Adolescente e da Pessoa Idosa, destaca que é importante valorizar os idosos: “Elas são um exemplo de vida, e precisamos estar sempre atentos às necessidades da pessoa idosa. Um dos grandes problemas que enfrentamos é que as pessoas idosas não são valorizadas. A sociedade tem memória curta e, portanto, não valoriza as pessoas que tanto contribuíram para o município e o estado. Isso começa em casa, onde uma pessoa idosa muitas vezes sofre violência física, psicológica e, principalmente, financeira. Outro problema é que se as leis contidas no Estatuto do Idoso fossem cumpridas, tudo seria mais fácil, mas infelizmente isso não acontece, não é cumprido em sua totalidade. Com isso, os idosos acabam sofrendo as consequências, não apenas da sociedade e do poder público, mas também de entidades privadas e até mesmo da própria família”, disse Neto.
De acordo com o parlamentar, as dificuldades enfrentadas pelos idosos e queixas relacionadas ao transporte público, violência intrafamiliar, e falta de estrutura são reclamações recorrentes que chegam à comissão. “Apesar de sua expectativa de vida ter aumentado, enfrentam grandes desafios, como no transporte público, onde encontram dificuldades tanto dentro dos ônibus, devido à falta de estrutura e de profissionais capacitados, é uma reclamação recorrente. Outras questões são a falta de geriatras e gerontólogos nos serviços de saúde, as calçadas que estão cheias de buracos, a iluminação pública muitas vezes é inadequada e o tempo de espera no sinal vermelho é insuficiente para uma pessoa idosa atravessar a rua. Tudo isso prejudica a qualidade de vida deles. Portanto, precisamos avançar nessas questões para melhorar a qualidade de vida da pessoa idosa.Eu acredito que a qualidade de vida deles só irá melhorar realmente quando o poder público e a sociedade estiverem comprometidos com essa questão”, concluiu.
O autônomo Sérgio Rodrigues da Silva, de 60 anos, costuma sempre que pode dar uma caminhada no calçadão da Praia de Icaraí, em Niterói, para se manter ativo e compartilha: “Eu acho que aqui os idosos são deixados de lado e desprezados, mas tem pessoas que tratam, até mais jovens nos tratam com carinho. Mas para melhorar faltam políticas públicas para os idosos, principalmente em relação à qualidade de vida e saúde, é bastante precário. O transporte não está mais superlotado como antes e as pessoas tinham que enfrentar o calor e passavam mal, hoje eu só tenho que elogiar esse progresso aqui de Niterói. Mas ainda precisa ser mais organizada e melhorar o trânsito”, pontuou Sérgio.
O tijucano Luis Claudio Viana de Faria, 68 anos, acredita que a violência é uma das dificuldades também para ele e para os idosos: "Eu acho que tem dificuldades inerentes à própria idade, além de ser uma cidade violenta, com trânsito horrível e isso dificulta para pessoa com idade para atravessar a rua enxergar direito. A cidade já foi melhor, mas temos também pontos positivos como os hospitais e uma infraestrutura muito boa”, comentou.
Já para a Madalena Andreiuolo Rodrigues, 80 anos, costuma frequentar a praia de Icaraí, em Niterói, com o marido para caminhar e tomar água de coco, para ela falta mais respeito: "Muita gente não respeita e às vezes leva muitos esbarrões, principalmente caminhando aqui na orla da Praia. Mas de modo geral acho que tem melhorado, porque antigamente era pior. O idoso é um patrimônio, por quanto tempo durar, agora é importante que aprendam também com a gente, um respeitando o outro, sempre aí dá certo. E eu acho que isso tem acontecido, um respeito maior, já está mais tranquilo”, disse.
O aposentado Jacyr Lagrimante, 77 anos, veio da roça para morar no Rio há 55 anos, mas tem medo da violência: "me aposentei e agora quero voltar para minha cidade em Santo Antônio de Pádua, mas a minha vontade é voltar para lá outra vez por causa da violência. Há 50 anos atrás, você podia andar em qualquer lugar do Rio, que não existia isso. Agora você não pode sair nem de casa porque a violência é muito forte", desabafou.
A artesã Mila Alves, de 66 anos, vende almofadas e produtos que ela mesma faz na feira da Praça Saens Pena, na Tijuca, Zona Norte do Rio, e percebe que com a rotina e o trabalho árduo a força física já não é a mesma e a produção reduzida: "as coisas vão ficando mais difíceis conforme a gente vai ficando mais velho. Vou continuar trabalhando mais algum tempo, antes eu mesma tirava as coisas do meu carro e colocava os produtos na barraca. Hoje eu não tenho mais condições físicas para isso. Até já tentei, mas não consigo. Então dependo de um menino que me ajuda, tira do meu carro e bota aqui para mim, para eu arrumar na barraca. O trabalho em si, percebi que eu saio mais cansada da feira também”, contou Mila. “Além disso, acho que tem muita insegurança no Rio e, para o idoso é mais um pouco, pois é uma presa fácil. É muito mais fácil roubar uma idosa do que roubar uma pessoa mais nova que pode correr. Então, eu acho que é complicado”, acrescentou.
Segundo a Secretaria Municipal do Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida (SEMESQV) e a Secretaria Municipal de Saúde (SMS), reconhecer e valorizar os idosos é também reconhecer a contribuição para a sociedade e sua sabedoria acumulada ao longo dos anos.
No município, há algumas das ações ofertadas aos idosos do município. A Secretaria Municipal do Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida (SEMESQV), oferece projetos sociais de transferência de renda, disponibiliza o “Agente Experiente”, que visa garantir transferência de renda às pessoas idosas em situação de vulnerabilidade social, como o Projeto Vida Ativa, que tem como objetivo oportunizar o envelhecimento ativo, de segunda a sexta-feira, das 7h às 10h, em locais públicos, para pessoas com 40+, o Mais Cidade que garante o direito à cidade através de acesso e fruição de diversos espaços culturais, artísticos e turísticos, por meio de isenção de pagamento nas entradas, gratuidade e formação de público, além de oito Casas de Convivência que são espaços que recebem os idosos durante o dia e promovem diversas atividades como aulas de dança, yoga, memória, coral e teatro.
Além disso, a pasta ainda disponibiliza outros programas através do 60+Carioca: Auxilio Moradia, Idoso em Família e Rio Dignidade, criados com o objetivo de garantir envelhecimento saudável.
Já a Secretaria Municipal de Saúde promove o Programa de Atenção Domiciliar ao Idoso (PADI), que realiza atendimentos de saúde, preferencialmente àqueles com mobilidade comprometida ou acamados. O PADI mantém 13 equipes multiprofissionais, compostas por médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e fisioterapeutas, além de cinco grupos de apoio com assistentes sociais, nutricionistas, psicólogos, fonoaudiólogos e terapeutas ocupacionais. O serviço é prioritário para pessoas com 60 anos ou mais, porém não há restrição de idade.
Segundo a SMS, o Programa Academia Carioca visa promover a prática de atividade física de forma mais acessível, com objetivo de melhorar os indicadores de saúde e reduzir as desigualdades entre a população. O projeto conta com 126 profissionais de educação física integrados às equipes de saúde em 216 unidades de Atenção Primária (centros municipais e clínicas da família). Em janeiro deste ano, chegou à marca de 195 mil participantes, 55% deles com mais de 60 anos, aponta o levantamento feito pela coordenação do programa.
De acordo com a SEMESQV, a expectativa é que neste ano tenham mais aparelhos da terceira idade (ATIs), pois está em andamento o processo licitatório para aquisição de novos equipamentos a serem implantados em praças do município. Em relação a manutenção dos equipamentos já existentes as demandas são atendidas à medida que chegam na secretaria através dos canais de comunicação.
A pasta ainda esclareceu: “os profissionais nos aparelhos da terceira idade (ATIs), informamos que no Projeto Vida Ativa, nos núcleos onde existam ATIs instaladas, estas são usadas dentro do planejamento da aula com professores de educação física. Nas outras situações, onde não existam o funcionamento do projeto, a prática anterior mostrou que a procura é muito baixa, não compensando a manutenção de um profissional para isto”, disse em nota.
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