Publicado 07/11/2024 15:51 | Atualizado 07/11/2024 15:56
Rio - Alguns cariocas têm sofrido com constantes problemas no abastecimento de água em diversas regiões do município do Rio. A falta d'água que atinge milhares de pessoas nas últimas semanas acontece, muitas vezes, por causa de reparos e manutenções nas redes de distribuição. Com a chegada do verão, o desabastecimento preocupa ainda mais a população.
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Em entrevista ao DIA, o estudante Flávio Santos Ribeiro, de 49 anos, disse que sua casa, na Ilha do Governador, Zona Norte, está sem água há cerca de 20 dias. Flávio está armazenando galões para os próximos dias, afinal, segundo ele, esse é um problema recorrente neste período nos últimos anos.
"Recentemente, cerca de um ou dois anos atrás, ficamos quase 30 dias sem água. É algo surreal. A gente reclama, liga para a Águas do Rio, mas eles dizem que vão analisar e não resolvem nada. Tenho que ficar pegando água com os vizinhos e com a minha sogra, aí encho alguns galões e levo para casa para armazenar. A situação está insuportável. Não ter algo básico, como água, é complicado demais", desabafou.
Morador da Rua Ébro, no bairro Jardim Carioca, Flávio vive com a mulher e a filha e revelou que parte da rua até está sendo abastecida, mas ela não chega até a casa dele e de outras pessoas. Devido ao desabastecimento, Flávio precisa comprar água mineral, para poder beber e cozinhar. Já para tomar banho e até lavar louça, é necessário recorrer a ajuda de vizinhos.
Quem também vem sofrendo com este problema é a agente comunitária de saúde Iris Márcia Silva, de 61 anos. Moradora do Morro da Baiana, no Complexo do Alemão, Zona Norte, ela alegou que a região está sem água há um mês. Iris vive com seu companheiro e seus dois netos na Rua Jorge Gomes, que não é abastecida de maneira regular há 20 dias. O mesmo acontece na Rua Santo Antônio, que não tem uma gota d'água há 26 dias.
"Está bem difícil. Para ter um pouco de água em casa eu preciso pegar com um vizinho. Acordo ás 5h e tenho que carregar baldes pesados pelas escadarias do morro. Eu saio para trabalhar já morta de cansada. Lavar roupa nem pensar. Teve dias que nem comida eu pude fazer. Temos que gastar dinheiro com água para beber e cozinhar e acabamos não tendo dinheiro para comprar alimentos", lamentou.
Segundo Iris, a água que chega dos sistemas de distribuição não tem força suficiente para atender toda a comunidade. De acordo com ela, é preciso fazer uma manobra na rede de distribuição para que o abastecimento chegue em algumas residências. Ainda assim, o volume que chega não está sendo suficiente para suprir a demanda na região.
Falta d'água recorrente
Os problemas de abastecimento e distribuição de água têm sido recorrentes. Na última segunda-feira (4), diversos bairros da capital fluminense foram afetados devido a uma manutenção no sistema do Guandu, que chegou a operar com 20% da capacidade devido a um vazamento em uma das elevatórias da estação de tratamento. De acordo com a Cedae, o reparo foi concluído às 10h desta terça-feira (5) e que atingiu 100% da capacidade de produção às 18h.
No dia 28 de outubro, moradores de Realengo fizeram um protesto e chegaram a ocupar duas faixas da Avenida Brasil. Na ocasião, os manifestantes relataram que estavam há uma semana sem água. Segundo a Rio+ Saneamento, o problema aconteceu devido a manutenções realizadas no sistema Ribeirão das Lajes, que impactaram o abastecimento e deixou cerca de 50 bairros do Grande Rio sem água.
No mesmo dia, o abastecimento foi interrompido pela Águas do Rio no Andaraí, Complexo do Turano, Maracanã, Morro do Salgueiro, Praça da Bandeira, Rio Comprido, São Francisco Xavier, Tijuca e Vila Isabel, na Zona Norte, por conta de uma manutenção na elevatória do Maracanã.
O professor do departamento de engenharia sanitária e meio ambiente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) Adacto Ottoni, de 65 anos, explicou que os problemas de falta d'água podem ser gerados por uma série de fatores que vão desde manutenções anuais nas estações de tratamento, até acidentes que podem danificar os equipamentos e "gatos" na rede de distribuição.
No entanto, ele afirma que uma das principais causas das falhas na distribuição de água é a ausência de manutenção e conservação das tubulações. Segundo ele, os materiais se desgastam com o tempo e precisam ser trocados antes que sua vida útil acabe, caso contrário, o risco de rompimento dos equipamentos aumenta.
"Não é normal ficar faltando água todo dia. Qualquer sistema de abastecimento tem que ter manutenção, assim como as estações de tratamento, mas não pode gerar desabastecimento. É importante que as concessionárias tenham uma rotina de verificar quando as tubulações foram trocadas. Não tem que esperar dar problema para trocar. Aí acaba tendo que apagar incêndio. Rompe um dia em um lugar, no outro dia rompe em um local diferente. É preciso ter um monitoramento muito bem feito e uma fiscalização rigorosa dos órgãos de regulação", disse.
Para Adacto, os problemas de distribuição nas comunidades, como no caso de Iris, vai além das explicações técnicas, sendo também uma questão socioeconômica e ambiental. Segundo ele, a maioria dos moradores dessas regiões não têm serviços básicos de saneamento, mas como precisam de água para viver, acabam fazendo manobras para conseguirem acesso.
"Normalmente a questão social fica em segundo plano. As pessoas que moram nessas comunidades são abandonadas pelo poder público. Os órgãos públicos precisam estar presentes junto às concessionárias para resolverem essa questão do abastecimento. É necessário e urbanizar as comunidades para poder implementar os serviços de saneamento, distribuição de água potável, de coleta de lixo e esgotamento sanitário", comentou.
"Normalmente a questão social fica em segundo plano. As pessoas que moram nessas comunidades são abandonadas pelo poder público. Os órgãos públicos precisam estar presentes junto às concessionárias para resolverem essa questão do abastecimento. É necessário e urbanizar as comunidades para poder implementar os serviços de saneamento, distribuição de água potável, de coleta de lixo e esgotamento sanitário", comentou.
O que dizem as concessionárias
Procurada pela reportagem, a Cedae informou que realiza manutenções preventivas anuais nos sistemas produtores geridos pela companhia, como Guandu e Imunana-Laranjal, além de serviços menores, como limpezas, reparos elétricos e substituição de tubulações, que costumam reduzir a capacidade de produção. De acordo com a empresa, os processos de captação e tratamento de água são totalmente paralisados antes do verão para poder preparar as estruturas para o período de maior consumo.
Já a Águas do Rio informou que o abastecimento em sua área de atuação foi afetado nas últimas semanas por conta de sucessivos eventos, como paralisações programadas e ocorrência nos sistemas produtores de água. A concessionária reforça que vem instalando válvulas inteligentes que permite a separação das tubulações em trechos menores, além de monitorar e ajustar automaticamente o fluxo de água na rede, conforme a demanda específica de cada região.
Por meio de nota, a Rio+ Saneamento explicou que, na última semana, alguns bairros da Zona Oeste ficaram sem água devido a interrupções no abastecimento do sistema Ribeirão das Lajes por conta de manutenções preventivas realizadas pela Light. A concessionária alega que já investiu mais de R$ 320 milhões em melhorarias, infraestrutura e abastecimento, e que realiza manutenções preventivas de forma regular, como vistorias programadas, substituição de peças e modernização do sistema.
Em contato com a reportagem de O DIA, a Iguá alegou que vem investido em obras de melhoria, que incluem a instalação de válvulas, boosters, medidores de vazão e de pressão, que, entre outros benefícios, permitirão a retomada mais rápida do abastecimento em casos de paradas emergenciais. A empresa esclarece que não identificou aumento nos casos de desabastecimento nas regiões onde ela atua nas últimas.
*Reportagem do estagiário João Pedro Bellizzi, sob supervisão de Iuri Corsini
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