A Praia do Arpoador fica lotada de pessoas que querem participar da festaKaren Eppinghaus / Divulgação

Ela é a Rainha do Mar e até mesmo os que não se consideram das religiões de matriz africanas têm admiração pelo orixá feminino. No catolicismo, dá nome à Nossa Senhora da Imaculada Conceição e Nossa Senhora dos Navegantes. A celebração a Iemanjá, reconhecida como Patrimônio Imaterial desde 2021, é considerada a maior festa afro-religiosa do país. Não é à toa que neste domingo, no dia dedicado a ela, 2 de fevereiro, haverá diversos festejos por toda a cidade.
Durante todo o domingo (2), das 8h às 22h, será realizada a terceira edição do Dia de Iemanjá no Arpoador, quando o público levará suas oferendas e participará de várias atividades. Já na Gamboa, neste domingo, será o encerramento do Encontro de Povos de Terreiro, que faz participação no circuito Praça da Harmonia - Praça Mauá - Sacadura 154 com o Cortejo e Presente de Iemanjá com os Filhos de Gandhi. No Museu de Arte do Rio haverá o evento Mitologia dos Orixás – Presente de Iemanjá.
Em Maricá, ela também será reverenciada com uma homenagem especial feita pelo Museu Casa Darcy Ribeiro: o espaço que fica de frente para o mar de Cordeirinho fará um cortejo para Iemanjá, às 17h, com a Companhia de Mystérios e Novidades, com direito a muitos cantos, danças e ritos de matrizes africanas. Todos os eventos têm entrada franca.
ARPOADOR - Já estão confirmadas atrações como o Afoxé Filhos de Gandhi, Samba de Caboclo, Nina Rosa, Ogan Bangbala, Jongo do Vale do Café, Tião Casemiro, Ogan Kotoquinho, Pai Dário, Samba Jongo, Mingo Silva, Companhia de Aruanda, Orin Dudu, Ilê Axé Onixêgun e Marcos André, o idealizador da celebração, além da Feira Crespa. Tudo gratuito na Praia do Arpoador. Faça sol ou chuva o evento espera atrair um público maior do que do ano passado, quando chegou a 25 mil.
E neste ano haverá uma novidade: os surfistas aceitaram o convite para entrar no mar com oferendas, às 17h. Ao mesmo tempo, 150 filhos umbandistas de nove terreiros e de umbanda da Região Metropolitana do Rio vão abrir as giras nas areias do Arpoador, dando passes em quem estiver no local e quiser receber o axé.
"A festa para Iemanjá carioca era uma tradição antiga inventada pelos terreiros nas areias da Zona Sul, liderada pelo célebre pai de santo e sambista Tatá Tancredo em 31 de dezembro, dia de Iemanjá na umbanda. Poucos sabem que essa foi a origem do grandioso Réveillon de Copacabana - que acabou se tornando a maior festa de rua do mundo, com seus costumes, tais como se vestir de branco, jogar flores no mar e pular as sete ondas na virada", explica Marcos André, músico e idealizador do evento e um dos líderes de comunidades de Quilombos do Vale do Café.
De acordo com Marcos André, o tempo e a adesão de mais pessoas querendo assistir à queima de fogos na virada do ano, acabaram por expulsar os terreiros das praias nessa época. "Essa celebração dá visibilidade e enaltece a enorme contribuição do negro na formação da cultura carioca e revela a história de Tatá Tancredo, devolvendo essa vivência popular riquíssima no coração da Zona Sul para o povo de santo e para os cariocas e turistas", diz Marcos. Para a festa, ele mobilizou cerca de 300 mestres, entre líderes religiosos, artistas e filhos de santo, integrantes da rede de comunidades tradicionais que ele coordena em Madureira e em quilombos do interior do Estado do Rio.

Somente flores e frutas como presentes

O ritual de oferendas do Dia de Iemanjá no Arpoador é liderado pelo lendário Mestre Bangbala, aos 105 anos, o Ogan mais antigo do país em atividade e patrono do evento, juntamente com Pai Dário, descendente da Casa Branca, primeira casa de candomblé do Brasil e um dos líderes do jongo do Morro da Serrinha.
O cuidado com a sustentabilidade e a preservação podem ser vistos no alerta para que os frequentadores só levem oferendas biodegradáveis. No encerramento, haverá um mutirão de limpeza das areias, no calçadão e na Pedra do Arpoador. Pai Dário afirma que: "Todas as oferendas do ritual serão biodegradáveis. Pedimos ao público que não leve plástico, vidro ou madeira. É uma saudação à Rainha do Mar, à sua morada e às forças da natureza. Somente flores e frutas serão oferecidas às águas".
Programação completa:
8h - Concentração do Cortejo na Estátua do Tom Jobim
9h - Cortejo com oferendas liderados por Ogan Bangbala, Ogan Kotoquinho, Pai Dário e Ilê Axé Onixêgun
9h30 - Presente para Iemanjá na Pedra do Arpoador
10h - Roda de Candomblé com grupo Orin Dudu e lideranças religiosas
14h - DJ Bieta
15h - Festival de Curimbas na Pedra do Arpoador com Pai Caio e Coletivo Kalundú
15h - Roda de Afoxé com Ore lai lai, Filhas de Gandhy e Yza Diordi
15h45 - Ciranda, Coco e Samba de Roda com Companhia de Aruanda do Jongo do Morro da Serrinha e Tia Ira Rezadeira.
17h - Oferendas de flores no mar pelos surfistas da Escola de Surf local Ondas Arpoador.
17h às 21h - Giras de Umbanda na areia da praia com 09 terreiros organizados pelo Instituto Carta Magna da Umbanda.
18h -Mutirão de limpeza das praias com Pedra Arpoador Conservação
17h às 18h30 - DJ Bieta.
18h30 - Roda de Umbanda com Tião Casemiro 
19h - Show Samba Jongo com Nina Rosa, Mingo Silva e Marcos André
20h45 Show com o grupo Samba de Caboclo
22h - Mutirão de limpeza das praias com Pedra Arpoador Conservação - Encerramento
10 às 22h - Feira Crespa de gastronomia e artesanato no Parque Garota de Ipanema.

GAMBOA – Pelo segundo ano acontece o Encontro de Povos de Terreiro, que começou na quarta (29) e termina neste domingo (2). Nesta edição, o tema é 'A Força da Mulher Ancestral', que contou com palestras de Mãe Flávia Pinto, Elaine Marcelina, Sol Shakur, Iyá Luciana Carneiro, Janamô e Mãe Sara Pinheiro – também dirigente da ÚNICA (União Umbandista, Luz, Caridade e Amor) e organizadora do evento ao lado de Leandro Bacellar e Ramon Alcântara, produtores do Encontro. Reconhecido como um dos grandes estudiosos das religiões de matriz africana, o escritor e professor Luiz Antônio Simas entra como único representante masculino da programação.
Para Mãe Sara, o evento é de grande valor. "O objetivo do Encontro de Povos de Terreiro é mostrar para a sociedade a importância da cultura negra e originária, a cultura dos povos de terreiro. Nossa cultura e identidade preta e indígena sofreram muito apagamento com as imposições do colonizador. É de primeira ordem mostrar que Exu não é diabo, que banho de erva não é bruxaria. É necessário reverenciar e celebrar a beleza da nossa ancestralidade e suas tradições, perpetuando o que os negros e os povos originários deixaram marcados na nossa sociedade", sintetiza Mãe Sara.
Programação completa
Encontro de povos de terreiro – a força da mulher ancestral
Sacadura 154: Rua Sacadura Cabral, 154 - Saúde
09h – (Praça da Harmonia x Praça Mauá x Sacadura 154)
Cortejo, lavagem e entrega do balaio de Iemanjá com participação do cortejo e presente de Iemanjá dos Filhos de Gandhi
12h às 20h - Espaço de recreação infantil
12h às 21h - Feira de artesanato
12h às 21h - Mostra de culinária – Casa Omolokum
12h às 13h45 - 1º bloco Festival de Curimba Encontro de Povos de Terreiro 
14h - apresentação musical - Filhos de Gandhi
15h30 às 17h- 2º bloco Festival de Curimba Encontro de Povos de Terreiro / 2ª edição
17h30 - apresentação musical - Letícia Ventania
18h30 – apresentação musical- Carta na Manga
21h - show musical- Fina Batucada convida Curimba Única

MUSEU DE ARTE DO RIO - A Praça Mauá será palco de uma celebração que une cinema, tradição e ancestralidade: Mitologia dos Orixás – Presente de Iemanjá. O evento inclui a exibição do filme Exu Mensageiro, documentário de Rodrigo Moraes sobre o Afoxé Filhos de Gandhi, que acontecerá no Cineclube Zezé Motta no Museu de Arte do Rio. A celebração é promovida em parceria com o Afoxé Filhos de Gandhi-RJ, grupo afro-religioso e cultural que há 49 anos organiza o tradicional Presente de Iemanjá, que simboliza uma das maiores celebrações afro-religiosas do Brasil, destacando a força espiritual e cultural da Rainha do Mar.

Programação Completa 
Das 7h às 20h – Presente de Iemanjá
07h - Xirê (ritual para os orixás), saindo da sede do Gandhi
08h - Café da manhã comunitária gratuita
9h - Cortejo até a Praça Mauá
10h30 - Saída do barco para entrega dos presentes em Iemanjá
12h - Falas de abertura
12h30 -Apresentações musicais e feira cultural
13h - Almoço gratuito
15h: Exibição do filme Exu Mensageiro
16h15: Roda de conversa com Nathalia Lambert , pesquisadora do filme, para um debate  sobre as narrativas ancestrais e a força cultural dos orixás.
18h: Apresentação de Charanga Gandhi Rio
20h Encerramento

Fé, devoção e ato de resistência

Em entrevista ao jornal O DIA, o Babalawô Ivanir dos Santos, professor doutor e orientador no Programa de e Pós-graduação em História Comparada da UFRJ, fala sobre a Rainha do Mar.  Ele também é conselheiro estratégico do CEAP, além de autor e idealizador da série 'Resistência Negra', do Globoplay

O DIA: Como o senhor explicaria o simbolismo de Iemanjá dentro das religiões de matriz africana?
Ivanir dos Santos: Iemanjá é considerada uma orixá que representa a fertilidade, a paz o respeito. Ela também é tida como a mãe dos orixás, protetora dos mares e dos pescadores. Cultuada no candomblé e na umbanda, na cultura do catolicismo popular Iémanjá é associada à Nossa Senhora do Navegantes e Nossa Senhora da Conceição.

O DIA: O que Iemanjá representa em termos de proteção, fertilidade e conexão com as águas?
Ivanir dos Santos: Iemanjá é uma orixá muito popular no Brasil. Seu culto foi trazido e propagado pelos africanos e africanas que chegaram no Brasil na condição de escravizados. Obviamente que o culto foi adaptado às condições sócias e politicas.

O DIA: O que explica o aumento do número de celebrações em locais como o Arpoador e a Gamboa nos últimos anos?

Ivanir dos Santos: A fé popular, a devoção pode ser um dos motivos do aumento significativo. Não podemos nos esquecer que estamos falando de lugares históricos para a cultura negra na cidade do Rio de Janeiro.
O DIA: De que maneira os festejos pelo Dia de Iemanjá se tornaram um ato de resistência frente à intolerância religiosa?
Ivanir dos Santos: O fato de acontecer anualmente faz dos festejos em comemoração ao dia de Iemanjá um ato de resistência frente à intolerância religiosa e ao racismo. Vivemos em uma sociedade extremamente intolerante. Assim, qualquer ato de resistência também é um ato de sobrevivência.

O DIA: Como o senhor avalia o impacto da cultura afro-brasileira no fortalecimento dessas celebrações? Pessoas de outras crenças também participam dos festejos?
Ivanir dos Santos: Avalio como um ato de respeito às diversidades religiosas uma possibilidade para a construção do diálogo interreligioso.
O DIA: Qual o impacto desejado dessas festividades para o combate à intolerância religiosa e o fortalecimento da identidade afro-brasileira?
Ivanir dos Santos: Acredito que as festividades são parte das expressões das construções e das trocas da nossa sociedade. A identidade brasileira foi forjada pelos encontros e atravessamentos das culturas, das experiências e das inteirações sócias. Trocas essas que nem promoveram a equidade ou priorizaram pela diversidade religiosa. Por isso, nós resistimos todos os dias.

Uma história curiosa

Segundo o site www.signifcados.com.br, a lenda conta que Iemanjá, filha de Olokun, o soberano dos mares, recebeu uma poção do pai para que a ajudasse a fugir de possíveis perigos. Após um tempo, Iemanjá se casa com Olofin-Oduduá, com quem teve dez filhos, que posteriormente se tornaram orixás.
Por amamentar todos os seus filhos, Iemanjá ficou com seios enormes. Ela se sentia envergonhada, principalmente depois que o seu marido passou a caçoar dela por este motivo. Irritada e triste e ir atrás da felicid, Iemanjá resolveu largar o marido.
Nesta jornada, apaixonou-se pelo rei Okerê. Para aceitar se casar com ele, Iemanjá pediu para que Okerê jamais caçoasse de seus seios enormes. Porém, após ficar bêbado, o rei começou a zombar dos seus seios, e Iemanjá fugiu. O rei tentou persegui-la para se desculpar, mas a Rainha do Mar usou a poção que seu pai lhe deu para escapar do marido. A poção a transformou em um rio, que desaguava no mar.
Com medo de perder a esposa, Okerê se transformou numa montanha para impedir que o rio alcançasse o mar, e Iemanjá pudesse voltar para ele.
Porém, Iemanjá pediu ajuda ao filho Xangô, que com um raio, partiu a montanha ao meio, permitindo que o rio seguisse o seu caminho. Assim, Iemanjá encontrou-se com o oceano e se tornou a Rainha do Mar.