Rio - A palavra câncer continua assustando e quando se fala em doença sexualmente transmissível é ainda pior. No Brasil, o câncer do colo do útero é o terceiro tipo mais incidente entre mulheres, segundo relatório do INCA de 2023. Para cada ano do triênio 2023-2025 foram estimados 17.010 casos novos, o que representa uma taxa bruta de incidência de 15,38 casos a cada 100 mil mulheres.
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Neste mês está sendo realizado o Março Lilás, período de conscientização sobre a prevenção e tratamento do câncer do colo do útero, e a importância da vacina contra o Papilomavírus Humano (HPV). Instituições de saúde pública como o INCA e privada como a Rede Mateir de Saúde promovem campanhas para conscientizar a população feminina sobre os riscos de desenvolvimento da doença, sobre os sintomas e como se prevenir.
A ginecologista e colposcopista Flavia Menezes, que é ativa nas redes sociais com o Instagram @hpvsemmedo, tira todas as dúvidas sobre a doença e falou com o jornal O DIA. Ela conta que atualmente existe um protocolo ainda mais assertivo do que o Papanicolau.
"Antigamente só tinha esse exame. Agora temos o PCR, no qual é coletado o material no colo do útero da mulher para detectar se ela tem ou não o vírus. O Papanicolau detecta células alteradas por HPV, enquanto o PCR vai detectar a presença do vírus. Ele é mais assertivo. A Organização Mundial de Saúde tem proposto a mudança no rastreamento e isso é ótimo. O Nosso SUS (Sistema Único de Saúde) está tentando implantar no Brasil o PCR na rede como o primeiro rastreamento. Será um grande avanço".
Ela acrescenta que a vida inteira as mulheres fazem o preventivo, mas não sabem por qual motivo. "Quando você pergunta por que se faz o exame de Papanicolau, para ver se tem uma infecção, para ver se está tudo bem, ninguém relaciona esse exame ao câncer do colo do útero e ao HPV. O objetivo do exame é preventivo porque quem causa praticamente 100% dos cânceres do colo do útero é o HPV".
A profissional conta que até mesmo quem inventou o método, o patologista grego Georges Papanicolau, quando descobriu as células alteradas que estavam relacionadas ao câncer do colo do útero, não sabia que aquelas alterações tinham sido feitas por um vírus chamado HPV. "Então, a gente fez Papanicolau a vida inteira, sem saber que estavam rastreando o vírus do HPV", explica.
Para a médica, a vacina contra HPV, que vem tendo baixa adesão no país, é de suma importância na prevenção do câncer do colo do útero. "É fundamental que seja aceita, porque a gente não está vacinando contra uma doença sexualmente transmissiva. A gente está vacinando para cinco tipos de cânceres: de boca e garganta; do canal anal, de pênis, o do colo do útero, de vagina e vulva. A gente pediu para que o mundo inventasse uma vacina contra o câncer e agora que existe essa vacina, muitos pais e muitas mães não levam os seus filhos para vacinar porque se trata de um vírus sexualmente transmissível",afirma.
Flavia Menezes explica ainda que a vacina não é um tratamento, é preventiva. "Por isso é tão importante vacinar meninos e meninas antes da exposição sexual. É só uma picadinha. Outra coisa importante é que muitos pais não levam os meninos para vacinar porque eles não têm colo do útero. A gente vacina os meninos pensando principalmente no câncer de boca e garganta. E o pênis também. O câncer de boca e garganta está sendo 100% prevenido, pela vacina, quando causado pelo HPV".
A história de Flavia Menezes é bem peculiar. Aos 24 anos, ela teve HPV e foi a segunda paciente no Brasil a ser submetida à conização por CAF (Cirurgia de alta frequência) e resolveu. "Me tornei ginecologista e há 30 anos, quando eu me formei, eu falava assim: eu quero um consultório só para atender mulheres com HPV. Me chamavam de doida, mas há 15 anos, eu larguei a ginecologia geral para tratar só mulheres com HPV. Só fazer o exame de colposcopia", disse ela, que vive se atualizando sobre o tema, ainda considerado um tabu por muitas pessoas.
Muitas mulheres sofrem com a doença
O mês de março, período de conscientização sobre a prevenção e tratamento do câncer do colo de útero, chama a atenção para a vacina contra o Papilomavírus Humano (HPV). De acordo com a Rede Mater Dei de Saúde, a vacinação é uma das formas mais eficazes de prevenção do câncer do colo do útero, além de outras infecções e doenças causadas pelo vírus, que, segundo o INCA, é responsável pela infecção sexualmente transmissível mais frequente do mundo.
O HPV atinge mais da metade (54,4%) das mulheres brasileiras que já iniciaram suas vidas sexuais e 41,6% dos homens na mesma circunstância, e a maioria das pessoas infectadas não apresenta sintomas.
A ginecologista Sálua Calil afirma que a "a vacina contra o HPV é gratuita até os 14 anos de id e 11 meses de idade nos postos de saúde. O exame de rastreamento que utilizamos para a prevenção do câncer do colo uterino é o papanicolau. No Brasil, ele é feito entre os 25 e os 64 anos de idade. Atualmente, temos incorporado a tecnologia de DNA para a detecção do HPV como um novo teste, junto ao rastreamento, mais fidedigno que o papanicolau."
Também conhecido como câncer cervical, este é o segundo tipo mais frequente em mulheres adultas no Brasil, e é causado pela infecção persistente pelos tipos oncogênicos do HPV. Muitas vezes, a infecção se desenvolve lentamente, passando por estágios pré-cancerosos antes de chegar ao estágio invasivo. A transmissão do vírus é sexual, e pode ser prevenida também com o uso de preservativos, apesar de esta proteção não impedir totalmente a infecção, considerando que as lesões podem estar presentes em áreas não protegidas que fazem parte do contato íntimo.
Meninos também devem ser vacinados
A vacina contra o HPV pode ser administrada tanto em meninas quanto em meninos a partir dos 9 anos de idade. A vacina é também indicada para toda a população de até 45 anos. "Eu costumo dizer que o câncer causado pelo HPV é uma doença que não precisava existir, pois se tivermos uma cobertura vacinal completa, ela pode ser eliminada. Então, a vacina é a pedra fundamental na prevenção do câncer do colo do útero”, complementa Cristina Pirfo, médica oncologista.
De acordo com a profissional, é imprescindível ressaltar que homens também estão sujeitos à infecção pelo vírus e podem desenvolver doenças como verrugas genitais e tumores no canal anal e na orofaringe. "A imunização masculina auxilia, ademais, na proteção de parceiras sexuais e na redução da circulação do vírus. Se vacinar é um ato de cuidado com a saúde da sociedade como um todo".
Sem sintoma, descoberta da doença foi por exame de rotina
A assessora parlamentar Eliara Chagas, de 43 anos, descobriu o câncer do colo do útero por meio de um exame preventivo em 2022. "Eu não tinha nenhum sintoma. Foi totalmente por acaso, eu até demorei para pegar o resultado, porque quando eu fiz o exame eu senti muita dor e achei que a médica que tinha feito era ruim. Achei que ela tinha me machucado na hora de fazer o exame. Aí demorei muito, deixei para lá. E quando eu fui buscar, vi que estava com muitas alterações, aí resolvi procurar uma outra ginecologista", diz ela, que também fez cintilografia.
"Daí foi muito rápido. Eu comecei a fazer um exame atrás do outro e em dezembro de 22 eu fiz minha cirurgia, que foi histerectomia total (remove o útero e o colo do útero)l. Eu faço tratamento até hoje e depois da cirurgia eu tive que fazer uma bracterapia (como se fosse uma radioterapia, só que ela é local. Eles fazem uma prótese vaginal, que é exatamente do meu tamanho, e eles introduzem na vagina e soltam a radioterapia local para ter menos impacto, principalmente porque eu tenho lúpus). Fiz 10 sessões e depois tive que fazer fisioterapia pélvica. Hoje faço 10 sessões ao ano e acompanhamento médico duas vezes ao ano também".
Revolta e maturidade
Eliara afirma que ficou bem revoltada quando soube do diagnóstico e não quis contar para muitas pessoas, nem da família. "No começo para mim foi muito difícil, eu achei que realmente iria morrer, comecei a me despedir de tudo, deixar tudo organizado. E isso eu mantenho até hoje, eu gosto de fazer as coisas muito prazos curtos, eu procuro sempre deixar tudo organizado, porque eu tenho a sensação que a qualquer momento eu vou morrer".
Apesar do pressentimento, hoje ela tem uma nova visão da vida. "Agora eu já entendi que foi um aprendizado, eu precisava passar por aquilo e estou tentando viver da melhor maneira . Consegui me apaziguar com a situação e eu procuro viver assim, um dia de cada vez mesmo. Viver o máximo que eu posso, aproveitar todas as oportunidades que antes eu deixava muito passar. Eu passei a cuidar de mim mesma, porque antes também eu cuidava mais das outras pessoas. E agora eu decidi que eu preciso também ser cuidada, né? Escolhi cuidar de mim. O Instituto Zencancer (Ong para pacientes oncológicos) me ajudou muito nesse processo", diz ela que agradece a medicina preventiva.
"Se eu não fizesse meus exames preventivos, eu não teria descoberto. E graças a Deus agora tem a vacina que as pessoas podem tomar, inclusive eu tive que tomar para poder aumentar minha imunidade. Foi muito bom. É ótimo que agora as pessoas podem se prevenir", finaliza.
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