Presidente do STF reconheceu uma redução da letalidade nas operações policiais nas comunidadesReprodução

Rio - O Supremo Tribunal Federal (STF) determinou, nesta quarta-feira (3), um plano de ação conjunto para enfrentar a letalidade policial nas operações realizadas em comunidades do Rio de Janeiro. As novas regras foram estabelecidas durante o julgamento da ADPF das Favelas, que trata da atuação das forças de segurança pública no estado.
O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, destacou que embora tenha reconhecido avanços na diminuição de operações policiais nas comunidades e na redução da letalidade, há necessidade de medidas duradouras para consolidar as melhorias.
"Queremos passar uma mensagem muito clara para o Rio de Janeiro e para todo o país da importância que estamos dando ao tema da segurança pública, que hoje está no topo das prioridades brasileiras em termos de preocupação da população e, consequentemente, também do nosso Tribunal", disse o presidente.
As determinações foram acordadas de forma consensual entre os 11 ministros. O debate envolveu tanto lideranças políticas do Rio de Janeiro quanto representantes da sociedade civil.
O relator do caso, ministro Edson Fachin, realizou ajustes e acréscimos em seu voto anterior, apresentado em fevereiro, para contemplar as sugestões debatidas. A proposta final foi construída coletivamente para garantir uma solução equilibrada e sem divergências dentro do STF.
Regras para operações policiais
O Supremo estabeleceu diretrizes rigorosas para as operações policiais que resultem em mortes, seja de civis ou de agentes de segurança. As principais normas incluem:
- O local de ocorrências deve ser preservado pelos primeiros policiais que chegarem, sem modificações na cena do crime, com comunicação imediata às autoridades competentes;

- O Ministério Público precisa ser acionado sem demora e pode indicar um promotor para acompanhar o caso diretamente;

- Delegados deverão comparecer ao local da ocorrência para coletar provas, registrar depoimentos e apreender materiais, sempre após liberação da perícia;

- A polícia técnica será a responsável pela perícia e remoção de corpos, devendo registrar todo o processo com documentação fotográfica detalhada;

- Todas as mortes decorrentes de ação policial precisarão passar por autópsia obrigatória;

- As corregedorias da Polícia Militar e da Polícia Civil devem monitorar as investigações e concluí-las em até 60 dias;

- O sistema Sinesp, do Ministério da Justiça, precisará ser atualizado para permitir o envio de dados detalhados por estado.
Transparência e monitoramento do uso da força
Além das diretrizes para operações, o STF determinou que o governo do Rio de Janeiro publique dados detalhados sobre mortes de civis e policiais em confrontos, incluindo novas métricas para monitorar o uso excessivo da força e casos sem autoria definida.
Também foi reforçada a importância do uso de câmeras corporais em uniformes de policiais militares e determinou que, no prazo de 180 dias, o estado comprove a instalação de câmeras também em viaturas.
Investigação do crime organizado
Segundo a decisão do STF, a Polícia Federal deverá abrir um inquérito específico para investigar facções criminosas com atuação além das fronteiras do Rio, incluindo casos de violações de direitos humanos.
O Tribunal também determinou a criação de uma equipe permanente na PF dedicada à inteligência sobre facções criminosas e sua ligação com agentes públicos. O Coaf e a Receita Federal deverão priorizar investigações financeiras relacionadas a esse inquérito.
O Estado do Rio deverá ainda desenvolver um plano de retomada territorial das áreas controladas por facções criminosas. O financiamento do plano virá de recursos federais, estaduais e municipais, incluindo emendas parlamentares.
Normas para operações em áreas sensíveis
O Tribunal também estabeleceu diretrizes para garantir a preservação de vestígios e segurança em locais estratégicos, como escolas e unidades de saúde.
- Policiais responsáveis pela ocorrência devem garantir que o local do crime fique intacto para o trabalho da perícia;
- Operações próximas a escolas e hospitais não estão proibidas, mas devem ser planejadas, evitando ações durante horários de grande circulação de estudantes e pacientes;
- Após cada operação, será obrigatório apresentar um relatório detalhado com informações sobre planejamento, execução e incidentes ocorridos;

- As provas periciais deverão ser documentadas de forma detalhada, incluindo perícias em locais de crime e exames de necrópsia;
- O uso de instalações escolares e hospitalares por forças de segurança só será permitido em circunstâncias excepcionais, quando houver provas de que o espaço está sendo utilizado para fins criminoso.
Governador comemora
O governador Cláudio Castro avaliou o resultado do julgamento feito pelo Supremo Tribunal Federal como algo positivo, já que a Corte autorizou o fim da restrição ao uso de helicópteros e do critério de excepcionalidade nas operações policiais.
"A questão de pôr fim na restrição ao uso de helicóptero, por exemplo, é importantíssima. A gente ainda vai ter que analisar essa decisão. O dia a dia da atividade policial é diferente, mas não tenho dúvidas de que a decisão retirou barreiras em relação à atuação das nossas Forças de Segurança no combate à criminalidade. A intenção do Estado é cumprir na íntegra", disse.
O governador pontuou ainda que foram adquiridas 13 mil câmeras corporais para as polícias e há mais de 5,8 mil viaturas equipadas com tecnologia embarcada, entre outras melhorias. Castro reforçou ainda a importância da atuação conjunta com as forças federais, como determinou o Supremo.
"Saio daqui feliz em ouvir que a Polícia Federal irá entrar com a gente nisso. Estamos clamando por isso nos últimos dois anos, que a Polícia Federal participe conosco. Estamos trabalhando todo dia na desocupação desses territórios, por isso é importante a asfixia financeira dessas quadrilhas", finalizou.
Entenda o caso
A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, conhecida como 'ADPF das Favelas', foi levada ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019 pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), com apoio de organizações da sociedade civil. A ação questiona a violência policial durante operações em comunidades do Rio de Janeiro.
A ação destacou o padrão sistemático de violações constitucionais cometidas pelas forças de segurança nesses territórios. Em fevereiro, o ministro Edson Fachin estabeleceu diretrizes para reduzir a letalidade policial, incluindo o uso obrigatório de câmeras nos uniformes dos agentes e GPS nas viaturas. Além disso, operações precisavam ser justificadas e previamente comunicadas a órgãos de saúde e educação.
Outras medidas determinadas na época eram a proibição do uso de helicópteros em incursões, a definição de regras para buscas domiciliares, a preservação de vestígios em casos de crimes cometidos durante as ações e restrições a operações em horários escolares, além da vedação ao uso de unidades de ensino e saúde como bases operacionais.