Atire a primeira pedra que nunca foi zoado na escola ou que nunca caçoou do coleguinha de outra turma por um motivo ou outro. O problema é que quando a 'perturbação' passa dos limites, envolvendo xingamentos, humilhações e agressões físicas, o resultado é péssimo e tem consequências por um longo período e, às vezes, para a vida toda.
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O 7 de abril foi escolhido pelo Ministério da Educação como o Dia Nacional do Combate ao Bullying e à Violência na Escolas por causa da tragédia ocorrida na mesma data, em 2011. Na ocasião, um ex-aluno matou 11 estudantes da Escola Municipal Tasso de Oliveira, em Realengo no Rio de Janeiro. O dia também visa dar visibilidade e reforçar a importância da conscientização sobre o problema.
Os casos de bullyng em instituições de ensino aumentaram 67% no ano passado. Segundo dados do Ministério dos Direitos Humanos, foram registradas 2.346 denúncias em 2024, contra 1.399 em 2023. Um estudo divulgado no último ano pela Organização Mundial da Saúde apurou que uma em cada seis crianças de 11 a 15 anos admitiu ter sofrido bullying na internet em 2022.
De acordo com uma pesquisa realizada pela Universidade de King´s College London, crianças que sofrem bullying repetidamente têm maior risco de desenvolver problemas de saúde mental a longo prazo. O estudo mostra que o bullying altera a estrutura do cérebro, especialmente na região do córtex cerebral, responsável por funções como memória, atenção e controle emocional.
Além disso, a pesquisa aponta que vítimas de bullying podem apresentar um risco 40% maior de desenvolver transtornos como depressão e ansiedade na vida adulta. O bullying é um problema crescente nas escolas de todo o mundo e seus impactos podem ser devastadores para a saúde mental e o desenvolvimento emocional das crianças e adolescentes.
Com o objetivo de promover a conscientização e prevenção, escolas têm investido em projetos e programas que incentivam o respeito, a empatia e a diversidade entre os alunos. "Os danos do bullying não se limitam ao presente", afirma a pediatra Flávia de Freitas Ribeiro, especialista em psiquiatria infantil. "Essas alterações no cérebro podem resultar em dificuldades emocionais e de socialização ao longo de toda a vida, reforçando a importância de uma intervenção precoce. Ao perceber que uma criança está sofrendo bullying, muitos pais podem se sentir impotentes ou não saber como agir de forma efetiva".
De acordo com a Dra. Flávia, o primeiro passo é criar um ambiente seguro e aberto em casa, onde a criança sinta que pode compartilhar suas experiências sem medo de represálias ou julgamentos. "A escuta ativa é fundamental. Muitas crianças podem não falar abertamente sobre o bullying por vergonha ou medo de piorar a situação. Por isso, os pais precisam ficar atentos a sinais indiretos", orienta a pediatra.
União entre escolas e famílias
A diretora pedagógica Raquel Mazzaro, da unidade de Ilha Pura da Legacy School, no Rio de Janeiro, reforça que o combate ao bullying deve ser uma responsabilidade compartilhada entre a família e a escola. "Nós, como educadores, temos o dever de criar um ambiente acolhedor, onde cada aluno se sinta respeitado e valorizado. Aqui trabalhamos com a conscientização desde cedo, promovendo atividades que incentivam o respeito às diferenças e o diálogo entre os estudantes. Também oferecemos treinamentos para professores identificarem casos de bullying e agirem de forma preventiva", explica Raquel.
Ela conta que o enfrentamento desse problema é fundamentado em três pilares essenciais: conscientização, mediação de conflitos e suporte psicológico. Essas ações visam não apenas resolver casos pontuais, mas também prevenir que comportamentos agressivos se perpetuem.Raquel destaca algumas abordagens chave para esse momento:
Conscientização: "Desde o início da jornada escolar, promovemos campanhas de conscientização sobre o bullying, ensinando os alunos a reconhecer comportamentos prejudiciais e a praticar o respeito às diferenças. Isso é feito por meio de palestras, workshops e atividades lúdicas que envolvem tanto os alunos quanto os pais, criando um entendimento coletivo da importância de uma convivência saudável", explica Mazzaro.
Mediação de Conflitos: "Implementamos um programa de mediação de conflitos, onde os próprios alunos são treinados para identificar e resolver pequenas desavenças, sempre com a supervisão de um adulto. Isso promove uma cultura de respeito e empatia. Além disso, nossos professores recebem treinamentos periódicos para intervir rapidamente em situações de conflito e evitar que elas se agravem para casos de bullying", afirma. A ideia é empoderar os alunos e educadores para agirem como facilitadores de diálogo, reforçando a importância da comunicação não violenta."
Suporte Psicológico: "É crucial para lidar com as vítimas e os agressores. Oferecemos atendimento contínuo com psicólogos especializados, que ajudam a restaurar o bem-estar emocional dos envolvidos. Não se trata apenas de punir o comportamento agressivo, mas de compreender suas causas e oferecer ajuda para que tanto as vítimas quanto os autores do bullying possam superar suas questões", finaliza Raquel.
Publicações alertam para a prática
O livro Bullying, não!, de autoria de Philip Murdoch, é uma ferramenta lúdica e educativa que aborda o bullying de maneira acessível às crianças. A história acompanha Henry, um menino da cidade encantada das Luzes, que enfrenta o desafio de lidar com um colega que o faz sentir-se triste por causa do bullying.
Com uma narrativa envolvente, o livro ensina os pequenos a identificarem e enfrentarem o bullying, utilizando valores cristãos como empatia, perdão e amor ao próximo. Dessa forma, o conteúdo estimula reflexões importantes desde cedo, promovendo um ambiente mais acolhedor e respeitoso entre os alunos.
Já o livro Macartelo, o macaquinho sem rabo e amarelo, da escritora Ayala Rossana, mostra o quanto aceitar as diferenças é importante para que o bullying seja evitado. "Falar sobre bullying é fomentar entre as crianças a possibilidade que elas cresçam com consciência de que as diferenças existem e que temos que ter a empatia de aceitar nosso amigo da forma que ele é. O trabalho realizado nas escolas abre esse portal não só para o hoje, mas uma futura geração consciente".
O presidente da Federação Sindicatos Particulares Ensino do RJ (FISEPE/RJ), Lucas Machado, fala sobre a minissérie Adolescência, que tem suscitado debates em todo o mundo. No Reino Unido, inclusive, segundo informações da Agencia AFP, o governo transmitiu a minissérie gratuitamente nas escolas de ensino médio. O profissional emite sua opinião:
"A minissérie Adolescência explora de forma profunda as complexidades do comportamento juvenil, as pressões sociais e as consequências das escolhas na fase de desenvolvimento dos adolescentes. A trama acompanha Jamie, um jovem acusado de assassinar uma colega de escola, trazendo à tona não apenas a questão da violência, mas também os fatores familiares, escolares e psicológicos que influenciam a formação dos jovens", avalia o educador que concedeu uma entrevista sobre a questão do bullying para o jornal O DIA.
O DIA: Sabemos que a zoação sempre existiu, mas hoje o bullying tomou proporções alarmantes. Como o senhor acredita que essa situação possa ser revertida?
Lucas Machado: Antes de te responder, é importante diferenciar as coisas:
Zoação: é uma brincadeira pontual entre amigos, sem intenção de causar sofrimento. Normalmente, há reciprocidade e todos se divertem. Quando alguém se sente desconfortável e pede para parar, a brincadeira imediatamente deve ser cessada.
Bullying: é uma agressão repetitiva, intencional e com desequilíbrio de poder, em que uma pessoa ou grupo humilha, exclui ou agride alguém física ou emocionalmente. A vítima geralmente se sente incapaz de reagir e sofre consequências psicológicas.
A 'Zoação', como você fala, sempre existiu, mas hoje alcançou proporções alarmantes, especialmente com a internet. Para reverter essa situação, é essencial um trabalho conjunto entre escolas, famílias e a sociedade. Isso passa por ensinar empatia e respeito desde cedo, capacitar professores para identificar e lidar com o problema, estabelecendo regras claras e garantindo um ambiente seguro para o diálogo.
Além disso, é fundamental envolver os pais, combater o cyberbullying e promover uma cultura de inclusão, na qual as diferenças sejam respeitadas. Com ações consistentes, podemos transformar os espaços de convivência em ambientes mais seguros e acolhedores.
O DIA: Neste mês, adolescentes pularam uma mulher com nanismo em Icaraí e disseram que era uma brincadeira. Como fazer para que os jovens tenham mais respeito e empatia com o próximo?
Lucas Machado: Não vi exatamente esse caso, mas fatos isolados não podem parecer rotina e devem ser punidos exemplarmente. Casos como esse demonstram o quanto ainda precisamos evoluir na construção de uma sociedade mais empática e respeitosa. Para isso, é essencial educar os jovens sobre a importância da diversidade, incentivar o diálogo e garantir que atitudes desrespeitosas tenham consequências educativas. O respeito começa com o exemplo e se fortalece na convivência. Somente assim poderemos evitar que 'brincadeiras' se transformem em humilhação e exclusão.
O DIA: Às vezes, adolescentes e crianças podem ser cruéis. Mas o que leva esses meninos e meninas cometerem atos que possam prejudicar os colegas?
Lucas Machado: Infelizmente, não é incomum vermos casos de agressões em escolas, inclusive em relação a professores. Primeiro, quero deixar claro que acho a palavra 'cruel’ muito forte. Prefiro tratar como em processo de aprendizagem. Crianças e adolescentes estão em constante processo de aprendizagem, e seu comportamento reflete tanto suas experiências quanto o ambiente onde vivem. Muitas vezes, atitudes agressivas surgem da falta de empatia, da necessidade de aceitação ou da dificuldade de lidar com emoções e conflitos.
Se convivem com agressividade, seja em casa, na escola ou nas redes sociais, podem acabar reproduzindo esses comportamentos. Além disso, a busca por status dentro de um grupo pode levar alguns jovens a ações inadequadas para se sentirem aceitos.
Outro fator importante é a falta de mediação de conflitos. Sem orientação sobre como resolver desentendimentos de forma saudável, muitos recorrem a respostas impulsivas ou agressivas. Por isso, investir em educação socioemocional, incentivar o diálogo e fortalecer políticas escolares eficazes são caminhos essenciais. Ensinar respeito, empatia e resolução pacífica de conflitos ajuda a construir um ambiente mais acolhedor, onde todos possam crescer e aprender juntos.
O DIA: Como educador, o que você diria aos pais dos que cometem o bullying e dos que são vítimas?
Lucas Machado: Se seu filho está envolvido em atitudes que machucam outras pessoas, isso não significa que ele seja uma má pessoa, mas que precisa de orientação. O primeiro passo é ouvir sem julgar e tentar entender os motivos por trás desse comportamento. Muitas vezes, crianças e adolescentes reproduzem aquilo que veem ou buscam aceitação em grupos. É essencial ensinar empatia, estabelecer limites claros e mostrar que brincadeiras não podem causar sofrimento, sendo apenas brincadeiras, sem passar do limite.
Do outro lado, se seu filho está sendo machucado, seja da forma que for, é fundamental acolhê-lo, validar seus sentimentos e mostrar que ele não está sozinho. Incentive-o a falar sobre o que está acontecendo e ajude-o a desenvolver estratégias para lidar com a situação, seja buscando apoio da escola, o que sempre indico, ou fortalecendo sua autoconfiança.
Muitas crianças e adolescentes se sentem envergonhados ou culpados, e é papel dos pais e responsáveis reforçar que ninguém merece ser tratado com desrespeito. Independentemente de a criança ou adolescente estar no papel de quem comete ou sofre com a agressão, a parceria entre escola e família é fundamental para criar um ambiente seguro, onde o respeito às diferenças seja aprendido e praticado. No entanto, o que realmente faz a diferença em qualquer situação é o diálogo. Conversar, ouvir e compreender são atitudes que transformam relações, fortalecem a empatia e ajudam a construir um convívio mais saudável, seja na escola, em casa ou em qualquer outro ambiente.
Um caso muito triste
A publicitária Adriana Quintairos, de 55 anos, fez tudo o que pode para que sua filha, Maythê, atualmente com 13, conseguisse se recuperar do 'inferno' que viveu em 2024 por causa de bullying numa escola particular em Turiaçu, na Zona Norte do Rio. Adriana conta que tudo começou com uma implicância de colegas, mas que tomou grandes proporções e chegou em rede social. "No Instagram, minha filha foi chamada de desgraçada, que tinha que morrer, feia, burra, que ninguém gostava dela e se tirava nota boa era porque estava tendo algo com o professor", relembra a mãe.
Ela chegou a levar ao conhecimento o ocorrido a outros responsáveis, mas a resposta era de que se tratava apenas de uma brincadeira de criança. "Falei com o pessoal da escola mas não houve providências. Passaram a excluir minha filha na escola, e ninguém poderia ficar com ela com o risco de serem excluídos também. Maythe sofreu uma agressão física gratuita dentro da escola e nada foi feito, depois veio a intolerância religiosa, onde a chamavam de macumbeira, o responsável da escola até riu perante a mim, falando que sabia, mas ele não viu nada demais em relação a isso", disse Adriana, contando que o ápice foi durante o Setembro Amarelo.
"Uma professora abordou o assunto e minha filha teve uma crise, e uma das 'colegas' falou que esperava que ela conseguisse se matar, fui na escola mais uma vez conversei com coordenadora, professora e psicóloga para que me ajudassem com isso. Nada foi feito", disse ela, que procurou delegacia, Conselho Tutelar, na delegacia de crimes cibernético e quando chegou no final do ano tirou a filha da escola e hoje paga uma mais cara, mas a filha tem paz.
Para Adriana, do mesmo jeito que uma criança ou adolescente que passa por bullying precisa de apoio psicológico, o que comete também para ter a clareza que machucar e ferir uma pessoa não é engraçado, que pode surtir consequências graves.
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