Via Sacra da Rocinha não poderá ser encenada por falta de patrocínioReprodução / Facebook
Por falta de recursos, tradicional Via Sacra da Rocinha não será realizada
Espetáculo com mais de 30 anos de tradição só havia sido suspenso na época da pandemia da Covid-19
Rio - No ano em que completa 33 anos, justamente a idade de Jesus quando foi levado à cruz, a tradicional Via Sacra da Rocinha se depara com uma grande frustração: o espetáculo não poderá ser realizado por falta de verba. A encenação, que acontecia toda Sexta-Feira Santa nas ruas da comunidade, na Zona Sul, só havia sido suspensa uma vez, na época da pandemia de covid-19, por causa das recomendações de distanciamento e isolamento social.
Nas redes sociais, a direção da Via Sacra da Rocinha lamentou a falta de patrocínio das pastas culturais, tanto do Estado quanto do município, e das empresas privadas. Apesar dos empecilhos, a organização se mostra confiante para o próximo ano.
"A direção se empenhou muito para conseguir viabilizar a realização da tradicional Via Sacra, que desde 1992 realiza a produção teatral nas ruas da maior favela da América Latina. Todavia não conseguimos recursos de nenhum órgão do governo, incluindo as pastas culturais, e de nenhuma empresa da iniciativa privada", informa um comunicado no Facebook.
"Entendemos a importância desse projeto para a Rocinha, para a cidade, e para o país, pois é uma poderosa ferramenta de cultura e arte da periferia. Mas não é possível realizar uma ação dessa magnitude sem nenhum apoio significativo. E assim, por falta de incentivo público e privado, a Via Sacra não será realizada", seguiu.
“Estamos tristes, é verdade, mas seguiremos firmes e acreditando na cultura e na arte como ferramenta de transformação social. E assim não desistiremos de conseguir manter viva essa tradição com mais de 30 anos de história. É uma pausa forçada, mas que não nos fará de forma alguma desistir. 2026 é logo ali e vamos lutar para ter Via Sacra”, finalizou.
Aurélio Mesquita, um dos diretores do espetáculo, usou as redes sociais para relembrar a primeira vez em que fez parte do grupo. No Facebook, o ator contou que presenciou uma conversa entre crianças na comunidade, onde uma delas disse que apenas tinha tido contato com o teatro através da tradicional encenação.
"Naquele momento, meu coração acelerou um pouco mais, ansiedade. Começou! Tive a sensação de entrar em todos os brinquedos do parque de uma só vez, muita coisa acontecendo. Tudo que sinto nessa jornada, lá se intensificou. Eu chorei, eu ri, me arrepiei, eu me revoltei, é lindo a resistência, mas é de indignar o precisar dela, cada microfone que falhava, a falta de ar me tomava, era eu que estava ali, éramos todos nós. Cadê o apoio público? Cadê a estrutura para algo tão significativo? Porque só depois de estar lá e vivenciar aquilo eu entendi que aquele menino, negro, morador de favela, nunca na vida vai esquecer da Páscoa", disse.
"Eu sei o que vivi com meus amigos naquele dia. Nunca, nos milhares de espetáculos que vi e vivi, senti tanta coisa ao mesmo tempo. Prestar atenção no que está sendo dito, pensar qual o lugar mais estratégico, correr para não perder a próxima cena, sentir o cheiro ruim do lixo nas ruas, tentar não machucar ninguém, vibrar com tudo, participar, interagir com atores e restante da plateia, meninos que brigavam entre si para que eu pegasse no colo, para enxergar o que acontecia e eu escolhi o menorzinho que fazia mil perguntas sobre a história (que eu não sabia responder nadinha), a falta de ar… foi surpreendente a quantidade de informações, foi mágico, ou melhor, é mágico tudo o que envolve esse ato de resistência", seguiu.
Por meio de nota, a Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa informou que "o projeto, inscrito na Lei Estadual de Incentivo à Cultura, foi inabilitado por ter solicitado um valor superior ao limite permitido para proponentes registrados como MEI (Microempreendedor Individual), que é de R$ 200 mil, conforme estabelecido na Resolução nº 89/2020".
"O Sistema Desenvolve Cultura permanecerá aberto até o dia 30 de novembro, permitindo que o proponente adeque seu projeto dentro dos parâmetros estabelecidos e o reapresente para nova análise de patrocínio”, continua a nota.
Procurada pelo DIA, a Secretaria Municipal de Cultura não respondeu aos questionamentos da reportagem. O espaço segue aberto para eventuais manifestações.
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