Jessica Ribeiro encontrou na dança junina uma forma de expressar identidade e coletividade. Wellington Carvalho

Junho mal começa, e as bandeirinhas coloridas já enfeitam as ruas de todo o país. É tempo de tirar do armário os casacos para o frio e a velha roupa de caipira para uma das festas mais populares do ano. Tem quem chame de Festa Junina, tem quem prefira São João, ou até Quermesse. O nome varia, mas o espírito é o mesmo: celebrar com alegria das tradições que atravessam gerações.

Por trás de toda essa preparação, existem pessoas que veem essa época como um reencontro com suas raízes. É o caso de Beatriz, Jessica e Rodrigo, que, à sua maneira, ajudam a manter viva a tradição, seja nas quadrilhas profissionais ou arraiais improvisados do bairro.

Quadrilha como projeto de vida
Muito além do que uma festividade, Jessica Ribeiro, Analista de Dados, de 36 anos, se encanta pelo que chama de “abraço coletivo” do São João: “É onde muitos jovens com poucos acessos encontram não só lazer, mas pertencimento, autoestima e expressão”.

Sua paixão pelas quermesses começou em 2002, quando entrou para uma quadrilha de bairro ligada a um projeto social. Desde então, esse evento se entrelaçou à sua trajetória. “Foi ali que o movimento junino se tornou parte indissociável da minha vida, e da história da minha família”. Pouco depois, sua mãe assumiu a presidência do grupo de quadrilha ‘Estrela da Paz’ – que hoje, infelizmente, não existe mais – e as duas mergulharam de cabeça na cultura popular nordestina.

Em 2005, no primeiro ano como grupo federado, sua quadrilha venceu o campeonato estadual. “Vivemos um dos momentos mais emocionantes das nossas vidas. A quadrilha nos formou, nos fortaleceu e nos uniu. Não era só dança, era legado, identidade, laço”, relembrou.

As quadrilhas juninas, segundo ela, são mais do que espetáculo, são uma forma de resistência cultural. Jéssica acredita que enquanto houver gente com amor e orgulho pela cultura popular, elas continuarão pulsando. Ela enxerga na festa, uma ponte direta com o Brasil profundo, aquele que se revela nas ancestralidades e no senso de comunidade que tantas vezes falta no cotidiano urbano.

Para a analista, as quadrilhas são um organismo vivo movido pela coletividade: a costureira que vira artista, o adolescente que vira coreógrafo, o bairro que se transforma em palco. “Não é raro ver gente atravessando a cidade com figurino na mochila e brilho nos olhos. É o senso de comunidade em sua forma mais bonita e potente”.

Entre tantas memórias, uma brilha com força especial: em 2017, Jessica realizou o sonho de integrar o grupo ‘Geração Realce’, uma quadrilha tradicional que admirava desde a juventude. Liderando sua tropa como função de Marcadora, viveu um ano mágico e vitorioso, vencendo eliminatórias e campeonatos importantes.

Hoje, seu compromisso com a cultura vai além dos palcos. Ela desenvolveu um método de julgamento para formar avaliadores, contribuindo para que as quadrilhas sigam sendo valorizadas. Para ela, o São João continua vivo porque é raiz — uma tradição que atravessa gerações, se adapta, mas nunca perde o pulso.

A força do encontro comunitário

A força do encontro e do afeto é o que move Beatriz Rodrigues. Fotógrafa, de 33 anos, diz que as festas juninas têm um charme difícil de explicar, mas são fáceis de sentir. Ela se encanta com a atmosfera acolhedora, onde música, dança e comida típica se unem para criar um cenário único de alegria. “É uma oportunidade de se reunir, de rir junto, de lembrar o quanto a coletividade importa”, conta.

Foi justamente essa sensação de pertencimento que a motivou a organizar a festa dos ‘Amigos da Horta’, em Campo Grande, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro. A ideia nasceu do desejo de fortalecer os laços entre o grupo e oferecer um evento inclusivo e cheio de afeto para reunir vizinhos, amigos e desconhecidos em torno de uma fogueira.

A festa acontece em um espaço mantido por um grupo de voluntários que cultiva uma horta comunitária. Cada família cuida de um canteiro, colhendo seus próprios alimentos. De tempos em tempos, o grupo organiza mutirões para limpar o terreno entre os canteiros — e foi em meio a essa rotina de cuidado coletivo que a celebração ganhou forma.

“Queríamos algo que fosse divertido para todos, sem exceção”. A fotógrafa acredita que as festas juninas têm um papel importante na construção do senso de comunidade. Para ela, esses encontros representam uma chance rara de conexão genuína entre as pessoas.

Um dos momentos mais marcantes para Beatriz aconteceu ao redor da fogueira. Quando um dos amigos acendeu as chamas, afastou-se devagar, com o mesmo encantamento no olhar de uma criança de cinco anos. Ao redor, todos pararam. O silêncio foi instantâneo, como se algo sagrado estivesse acontecendo. Muitos observavam com os olhos marejados, tocados pela simplicidade e pela potência daquele instante. “Parecia que todo mundo tinha voltado no tempo e teve um pedacinho da infância de volta”, lembra. Ela também chorou, não só pelo que viu, mas pelo que sentiu: um tipo raro de conexão coletiva.
O São João que nasce na infância
Em outro canto de Campo Grande, quem também carrega o São João como parte da própria história é o professor Rodrigo Santos, de 38 anos. Se para Beatriz a festa acontece na simplicidade do encontro, para Rodrigo, a força da tradição pulsa, também, nos ensaios e na energia coletiva das quadrilhas juninas.

Como muitos brasileiros, Rodrigo teve o primeiro contato com as festas juninas ainda na infância, nas apresentações escolares. Foi ali, entre ensaios com as professoras e quadrilhas infantis que começou a relação, um vínculo que só se fortaleceu com o tempo.

Aos 17 anos, entrou para uma quadrilha profissional: “Comecei a sair para vários lugares, conhecer vários bairros, várias festas. Isso me despertou a continuar.” Durante dez anos, viveu intensamente esse universo, até que decidiu fundar sua própria quadrilha ligada à sua igreja, a Paróquia de Santa Rita de Cássia, em Campo Grande, onde também atuou por mais de uma década.

Rodrigo, entretanto, sabe que por trás do brilho das apresentações existe uma rotina puxada. Ensaio sábado, domingo, durante a semana — é preciso fôlego e entrega. Trocam-se festas de família por noites de coreografia, descanso por preparação. “É desafiador, exige compromisso, exige sacrifício, mas quando a gente entra em cena, tudo faz sentido.” É nessa entrega que, para ele, a beleza da quadrilha se revela.

Não são apenas as quadrilhas que tornam o São João especial para o professor, embora, elas sigam sendo sua grande paixão. O encanto também está nas comidas típicas, nos sabores que atravessam regiões e trazem à mesa a riqueza do Brasil, especialmente do Nordeste. Ele acredita que é justamente essa diversidade que torna a festa tão acolhedora. “Essa é uma celebração que abraça todo mundo, independente de ser nordestino ou não”, afirma. Para ele, o São João é feito de reencontros, danças e pratos tradicionais, mas também de uma atmosfera festiva que aproxima as pessoas.

"Quando a gente vai em um arraiá, sempre encontra alguém. Um amigo de infância, alguém que não via há anos. É uma festa que aproxima as pessoas”, resume. Rodrigo diz que os arraiais são pontos de convergência afetiva, onde famílias se reúnem, amigos distantes se esbarram no meio da multidão e novas amizades surgem com naturalidade.

Tradição acesa pela presença
Seja onde for, o São João só pulsa de verdade quando tem gente por perto. É a presença das pessoas — com suas histórias, memórias e afetos — que transforma qualquer espaço em festa. Em cada lugar onde acontece, o São João carrega tradições e o desejo coletivo de manter essa cultura viva.

Para Jessica, cada apresentação em uma quadrilha é um grito de pertencimento. Ao lembrar sua trajetória, ela destaca a emoção de ver o bairro inteiro, vibrando na arquibancada, por ela e seu grupo: “É ali, diante de todos, que o esforço coletivo vira orgulho”.

Rodrigo também reconhece esse poder. Para ele, ocupar espaços simbólicos da cidade com arte e memória é também uma forma de manter viva a cultura popular. “Quando a quadrilha entra ali, é o povo dançando no centro. Cada passo é uma história contada em público”. Hoje, organizando mais de dez quadrilhas espalhadas pela cidade, ele lembra com carinho da participação no ‘Arraiá do Rio’, na Praça da Apoteose — um palco emblemático onde sua quadrilha conquistou o terceiro lugar.

Mesmo fora do circuito das grandes competições, Beatriz sente a mesma intensidade nos encontros que promove com os ‘Amigos da Horta’. Na sua visão, a festa junina ideal é aquela que equilibra tradição e criatividade, unindo a comunidade com música, dança e atividades para todas as idades. “O importante é estar junto. É isso que faz a festa ser o que é.”
* Reportagem da estagiária Rebeca Passos, sob supervisão de Ana Carla Gomes