Praia, sol e cobrança: pressão estética nas mulheres
Com a chegada das estações primavera e verão, cresce a busca voraz por corpos mais 'perfeitos'. Pesquisas revelam que as cariocas estão entre as mulheres mais insatisfeitas com a própria imagem
Carina Batista: precisamos respeitar os nossos corpos - Arquivo pessoal
Carina Batista: precisamos respeitar os nossos corposArquivo pessoal
O Rio de Janeiro é conhecido pelas praias, pelo sol e pelo culto ao corpo. Mas por trás das areias de Flamengo, Ipanema, Copacabana ou Barra da Tijuca, existe uma realidade silenciosa e muitas vezes dolorosa: a pressão estética que afeta milhares de mulheres. Segundo levantamento publicado na Psychology Today, 33% das mulheres afirmaram que prefeririam ir ao dentista a vestir um biquíni em público. Quase metade disse não se sentir confiante com a própria aparência em trajes de banho.
Outro estudo, divulgado na revista científica Frontiers in Psychology, mostrou que a exposição constante a imagens de corpos ideais nas redes sociais está diretamente ligada ao aumento da insatisfação corporal, sobretudo entre jovens. No Brasil, dados do Ministério da Saúde apontam que até 95% das mulheres após a puberdade apresentam algum grau de celulite, um detalhe natural, mas que ainda gera desconforto em muitas.
No caso das cariocas, a cobrança é ainda maior. Pesquisa do Instituto Ideafix, encomendada pela marca Nesfit, revelou que 69% das mulheres do Rio estão insatisfeitas com o corpo e desejam emagrecer. Dessas, quase metade sonha em perder 10 quilos ou mais. Em uma escala de 0 a 10, a nota média que deram para a própria imagem de biquíni foi apenas 5,7.
'O palco passa, a saúde fica'
A apresentadora e repórter Carina Batista, conhecida por seu trabalho no evento de MMA Thunder Fight, se prepara para voltar aos palcos do concurso Garoto e Garota Fitness em outubro, em Pinheiros, em São Paulo. A última vez foi em 2014, e a lembrança não é boa. "Na primeira vez eu sofri muito. Cheguei a ser orientada a usar anabolizantes porque estava dentro do peso, mas não no padrão. Os hormônios me causaram efeito rebote e perdi a chance de competir na fase nacional. Também perdi trabalhos como modelo porque engordei alguns quilos. Até o lazer mudou: já deixei de usar o biquíni que queria por vergonha. Hoje, aos 41 anos, volto diferente: com acompanhamento médico, alimentação saudável e uma preparação que respeita meu corpo. O palco passa, mas a saúde e a forma como me enxergo ficam", conta.
Entre padrões e aceitação
Para a influenciadora digital Priscila Pereira, que levanta a bandeira do empoderamento feminino e dos corpos livres, a trajetória de aceitação não é linear.
"Eu fui criança gorda, adolescente gorda e hoje sou uma adulta gorda. Nunca vivi outro corpo. Passei por todos os discursos de body positive e percebi que nenhum extremo é saudável. O amor-próprio não é poético todos os dias. Meu caminho foi encontrar conforto, conforto que não anula saúde, movimento e longevidade. Me amo como sou, mas não todos os dias. E tudo bem, porque liberdade não tem uma única direção", afirma.
O olhar de quem vive na pele
Além da visão médica, muitas mulheres relatam como essa pressão estética impacta a vida social. Cristiane Pappi, 42 anos, compartilha sua experiência: "Eu fui aquela criança gordinha e sempre tive o quadril com culotes e cintura fina, algo que me incomodava muito. Por isso, quando surgia uma viagem para a praia ou passeio com piscina, eu sempre procurava biquínis que disfarçassem o quadril ou preferia usar shorts. Nunca usei o modelo fio dental, mesmo com várias pessoas falando que eu tinha um corpo bonito. Eu não queria mostrar imperfeições, mesmo sabendo que na praia vemos vários padrões de corpos. Na adolescência, eu já evitava mostrar o pouco de celulite que tinha, algo que dobrou com a idade."
Especialistas falam sobre o assunto
Nos consultórios, a pressão estética aparece de forma recorrente. A dermatologista Andrea Sampaio aborda o tema. "A busca pela beleza perfeita nunca esteve tão em alta. Redes sociais, filtros e celebridades que exibem rostos e corpos impecáveis criam um padrão difícil – ou impossível – de ser seguido. Mas até onde a dermatologia deve ir para atender a essa pressão estética? Procedimentos que prometem resultados imediatos muitas vezes são vistos como solução milagrosa, porém, o excesso pode trazer riscos sérios, desde complicações clínicas até a perda da naturalidade ", explica.
A profissional afirma que a beleza está diretamente ligada ao equilíbrio. "Quando se ultrapassa esse limite, o que deveria valorizar o paciente acaba criando uma aparência artificial e, em alguns casos, danos à saúde ", diz ela que cita os mais comuns como reações adversas a produtos injetáveis, uso de técnicas sem indicação adequada e intervenções feitas por profissionais não especializados".
Andreia conta que o papel do dermatologista vai além de aplicar técnicas. "É nossa responsabilidade orientar e frear exageros. Procedimentos estéticos devem ser aliados da saúde e da autoconfiança, não ferramentas de opressão ou uniformização da aparência. O alerta é claro: estética não deve ser sinônimo de sofrimento. Buscar melhorias é legítimo, mas respeitar limites é essencial para manter a beleza mais valiosa de todas – a naturalidade", pontua.
A fisioterapeuta dermato Mônica Druzian observa que, nesta época do ano, a procura por tratamentos cresce de forma significativa. "Muitas mulheres chegam trazendo como referência imagens de redes sociais. Querem atingir aquele corpo perfeito, que na maioria das vezes não existe. O meu papel é acolher, mostrar que estética não substitui hábitos saudáveis e orientar para escolhas seguras. Com a primavera e o verão, a demanda aumenta muito para procedimentos que melhoram textura da pele, reduzem celulite e gordura localizada. Os mais procurados são os bioestimuladores de colágeno, Morpheus e protocolos para preparar a pele para o sol. Sempre reforço: o objetivo deve ser autoestima e bem-estar, não um padrão inalcançável", explica.
A cirurgiã-dentista Thais Moura, especialista em harmonização facial, complementa que o desafio é ressignificar a estética. "A maioria das mulheres ainda chega com a ideia de se encaixar em um padrão. Mas a verdadeira transformação é de dentro para fora. Na clínica, trabalhamos para que cada paciente saia não apenas mais bonita por fora, mas mais confiante com sua própria história", afirma.
Beleza real
No Rio, onde o corpo parece estar sempre em evidência, a pressão estética ganha contornos particulares. Para especialistas e mulheres que enfrentaram essa cobrança, a mensagem é clara: não existe padrão que justifique a perda da saúde física ou emocional. Como resume Carina Batista, o caminho é outro: "Hoje, me preparo para subir no palco mais consciente de que a beleza está em respeitar os limites do meu corpo e, acima de tudo, em ter paz comigo mesma", acredita.
Mães são as que mais sofrem
Geovanna Tominaga estreou o podcast 'Conversas Maternas' trazendo um espaço de acolhimento para mães e pais falarem das alegrias e desafios da parentalidade. O programa explora temas como a pressão estética sofrida pelas mulheres no pós parto. O foco é trazer diálogos afetivos, educativos e inspiradores para as famílias. Os episódios vão ao ar sempre às quartas-feiras, às 20h, no YouTube.
"Essa é uma preocupação que percebo no discurso de quase todas as mulheres que se tornaram mães. Eu mesma me cobrei por muito tempo voltar ao peso, ao copo, que tinha antes a gravidez. Mas entendi que não existe esse 'voltar'. O corpo feminino está em constante mudança e nós temos que aprender a apreciar a beleza que vem com cada fase da vida ", comenta a jornalista e apresentadora.
'Fomos ensinadas a olhar para o corpo como um objeto'
Em entrevista ao jornal O DIA, a psicóloga Bruna Luz, especializada em atendimento à mulher e rotina fala sobre a pressão estética.
O DIA: Por que tantas mulheres ainda sentem vergonha ou desconforto ao usar roupas de banho em público?
Bruna Luz: Porque fomos ensinadas, desde cedo, a olhar para o corpo como um objeto a ser avaliado, comparado e corrigido. Muitas mulheres não conseguem simplesmente aproveitar o momento porque carregam esse olhar crítico internalizado, o medo do julgamento e a ideia de que precisam corresponder a um padrão.
O DIA: Como a exposição constante a imagens de 'corpos ideais' nas redes sociais impacta a autoestima feminina?
Bruna Luz: Ela cria uma ilusão de normalidade: o filtro vira regra, a edição vira padrão. Essa comparação silenciosa vai minando a autoestima, porque a mulher começa a acreditar que o corpo dela está sempre 'errado' diante de um ideal fabricado e inatingível.
O DIA: De que forma a comparação com padrões inatingíveis pode afetar a saúde mental das mulheres?
Bruna Luz: A comparação constante gera frustração, culpa e até sintomas de ansiedade e depressão. A sensação de nunca ser suficiente é um peso enorme que corrói a autoconfiança e afasta a mulher de uma relação saudável consigo mesma.
O DIA: Por que a celulite, que é uma condição natural e comum, ainda gera tanta insegurança nas mulheres?
Bruna Luz: Porque a cultura insiste em transformar o natural em defeito. A celulite é normal está presente na maioria dos corpos femininos mas foi transformada em algo a ser escondido ou combatido. Essa pressão faz com que muitas mulheres vivam em guerra contra o próprio corpo.
O DIA: Qual é a diferença entre cuidar da aparência de forma saudável e se submeter à pressão estética?
Bruna Luz: Cuidar da aparência de forma saudável nasce do desejo de bem-estar, do prazer em se olhar no espelho e se reconhecer. Já a pressão estética nasce da cobrança externa: é quando a mulher faz algo não porque quer, mas porque sente que precisa se adequar para ser aceita.
O DIA: Como a pressão estética pode influenciar na vida social e até no desempenho profissional das mulheres?
Bruna Luz: Muitas mulheres deixam de sair, de ir à praia, de participar de eventos e até de se expor em situações profissionais por insegurança com o corpo. Isso limita experiências, oportunidades e até carreiras, porque a vergonha ou medo do julgamento passa a comandar a vida.
O DIA: O que as famílias podem fazer para ajudar meninas a desenvolverem uma relação mais positiva com o corpo desde cedo?
Bruna Luz: As famílias podem começar cuidando da linguagem: evitar críticas ao corpo, comparações e falas negativas sobre si mesmas. É importante valorizar a diversidade corporal, incentivar hábitos saudáveis pelo bem-estar, e não pela estética. Meninas aprendem pelo exemplo.
O DIA: Que estratégias psicológicas podem ajudar as mulheres a se sentirem mais confiantes com o próprio corpo?
Bruna Luz: Reconhecer e questionar as certezas que foram impostas, praticar o autocuidado de forma prazerosa, fortalecer a autoaceitação, aprender a olhar para si com mais gentileza e, principalmente, construir uma relação com o corpo que não seja baseada apenas na estética.
O DIA: A pressão estética afeta de forma diferente mulheres jovens e mulheres maduras? Como?
Bruna Luz: Sim. Nas mulheres jovens, ela costuma aparecer como uma cobrança de perfeição, de se encaixar nos 'padrões da moda'. Já nas mulheres maduras, a pressão vem com o peso do envelhecimento: a ideia de que precisam 'manter' a juventude a qualquer custo. Em ambos os casos, a mensagem é a mesma: o corpo nunca é suficiente.
O DIA: Qual mensagem a psicologia pode trazer para desconstruir essa ideia de que existe um corpo 'certo' para ser aceito?
Bruna Luz: A psicologia nos lembra que não existe corpo errado, existe diversidade. O corpo é história, identidade, presença no mundo. Aceitar o próprio corpo é um ato de libertação, e desconstruir os padrões é fundamental para que mulheres possam viver com mais autenticidade, liberdade e saúde emocional.
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