Rivaldo Barbosa ocupou cargos hierárquicos na Polícia Civil do RioFernando Frazão / Agência Brasil

Rio - O Ministério Público Federal (MPF) instaurou um procedimento para analisar um pedido de reavaliação de uma série de arquivamentos de casos de homicídios cometidos por policiais no Estado do Rio, levando em conta, principalmente, o período em que o delegado Rivaldo Barbosa, preso por suspeita de participação no homicídio da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, ocupou cargos hierárquicos na Polícia Civil. 
O pedido foi entregue pela Rede de Atenção a Pessoas Afetadas pela Violência do Estado (Raave) nas mãos do procurador da República Eduardo Benones, que atua na área de controle externo da atividade policial no MPF, durante reunião realizada segunda-feira (6), na sede do órgão, no Centro do Rio.
Segundo Benones, antes de começar qualquer investigação, foi necessário marcar essa reunião para ouvir e dialogar com os representantes da Raave em busca de definir uma linha de atuação do MPF, em especial na área de controle externo da atividade policial. Após o encontro, o procurador decidiu abrir um procedimento preliminar.  
"Ainda é preciso examinar detidamente as questões relativas às atribuições, mas o fato é que o MPF não poderia desconsiderar, de plano, as demandas das centenas de mães e outros familiares por Justiça e transparência nas investigações das mortes em atos praticados pelo Estado por suas forças policiais. É esse o papel do controle externo exercido pelo MPF e assim determina a Corte Interamericana de Direitos Humanos: que a investigação seja conduzida por órgão externo e independente. Ainda mais que as polícias operam integradamente. Sem mencionar os novos rumos que tomaram a investigação do Caso Marielle, ao qual foi conferido uma feição federal", disse.
De acordo com o MPF, o ofício indica que são de amplo conhecimento as críticas à ausência de investigação das mortes provocadas por agentes públicos, bem como a insatisfação dos familiares das vítimas com o tratamento que recebem nas dependências da Polícia Civil.
A Raave apontou a negligência na obtenção de provas, o desaparecimento de vídeos obtidos pelas próprias famílias e a omissão na escuta de testemunhas supostamente decisivas para as investigações como alguns dos motivos que levam os casos de letalidade policial a serem arquivados. Os representantes ainda alegam que os indícios do envolvimento de Rivaldo Barbosa para impedir o andamento das investigações sobre a morte de Marielle e Anderson reforçam as críticas já existentes, trazendo à tona a necessidade de avaliação do impacto das condutas de quem deveria investigar os homicídios causados por policiais. O grupo questiona a quantidade de casos que podem ter sido indevidamente arquivados, perante a atuação dos investigadores.
Uma reunião marcada com a comunidade de mães das vítimas de violência estatal será realizada na próxima quarta-feira (15), na sede do MPF, no Centro do Rio. O encontro será a primeira medida do procedimento instaurado pelo órgão. 

A Raave é uma iniciativa de atuação em rede que conta com movimentos de mães e familiares de vítimas de violência do Estado e 13 grupos clínicos de atenção psicossocial, ligados a universidades e a instituições da sociedade civil, além da equipe psicossocial da Defensoria Pública do RJ e sua Ouvidoria Externa.
Atuação de Rivaldo Barbosa no Caso Marielle
O delegado foi preso no dia 24 de março após investigações da Polícia Federal apurarem seu envolvimento nas mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes, ocorridas em março de 2018. Ele teria tentado obstruir as investigações dos assassinatos. Barbosa assumiu o cargo de chefe de Polícia Civil um dia antes das mortes. Antes, Rivaldo era coordenador da Divisão de Homicídios da corporação.
Além de tentar atrapalhar a apuração do caso, o delegado também teria planejado "meticulosamente" o crime a mando da família Brazão. A Polícia Federal apurou que, durante o planejamento, Rivaldo proibiu que o atentado fosse realizado no trajeto de chegada ou saída da Câmara dos Vereadores do Rio. De acordo com a investigação, Rivaldo queria evitar possíveis pressões à Polícia Civil caso o crime tivesse conotação política.
Segundo a PF, antes mesmo de assumir o cargo de chefe de Polícia Civil, o delegado teria combinado com Domingos e Chiquinho Brazão, acusados de serem os mandantes do crime, que também foram presos em março, a não identificação dos responsáveis pela ordem do assassinato de Marielle Franco.
Barbosa também é suspeito de receber propina para obstruir as investigações sobre o crime. Rivaldo teria recebido aproximadamente R$ 400 mil para evitar que as apurações sobre os mandantes avançassem. Tal informação consta em relatório de 2019.
No final de abril, o delegado pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) para depor em relação ao caso. Sua defesa alega que ele e a mulher, Erika Araújo, não foram ouvidos durante o processo. 
Arquivamentos de investigações
No relatório final das investigações do caso sobre o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, a Polícia Federal citou indícios de que, pelo menos no período em que foi delegado titular da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), Rivaldo Barbosa recebeu vantagens indevidas da contravenção para não investigar as mortes decorrentes de disputas territoriais para exploração do jogo do bicho.
Segundo levantamento da PF, o delegado atuou diversas vezes para engavetar investigações de homicídios. Ele foi lotado na Divisão de Homicídios em janeiro de 2012. Em outubro de 2015, foi para a DHC; em maio de 2016 retornou para a Divisão de Homicídios, e às vésperas do crime contra Marielle e Anderson, em 12 de março de 2018, foi nomeado chefe de polícia.
Em um dos indícios de corrupção, o miliciano Orlando Curicica afirmou em depoimento que sofreu extorsão junto com sua mulher na Delegacia de Homicídios. Na época em que Rivaldo era chefe da DH, uma quantia de R$ 20 mil foi entregue a um subordinado do delegado para que um crime de porte de arma de fogo não fosse imputado à ela.