Rivaldo Barbosa, ex-chefe da Polícia Civil do RJ, foi preso neste domingo (24)Reprodução

Rio - No relatório final das investigações do caso sobre o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, a Polícia Federal cita indícios de que, pelo menos no período em que foi delegado titular da Delegacia de Homicídios da Capital, Rivaldo Barbosa de Araújo Júnior recebia vantagens indevidas da contravenção para não investigar as mortes decorrentes de disputas territoriais para exploração do jogo do bicho.
Rivaldo foi preso no domingo (24), apontado como um dos autores intelectuais do assassinato da vereadora e do motorista em março de 2018. Ele participou do planejamento do crime e trabalhou para que o mesmo não fosse elucidado. Além de Rivaldo, foram presos os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, apontados como mandantes.
Segundo levantamento da Polícia Federal, o delegado Rivaldo Barbosa atuou diversas vezes para engavetar investigações de homicídios. Ele foi lotado na Divisão de Homicídios em janeiro de 2012. Em outubro de 2015, foi para a Delegacia de Homicídios da Capital; em maio de 2016 retornou para a Divisão de Homicídios, e às vésperas do crime contra Marielle e Anderson, em 12 de março de 2018, foi nomeado chefe de polícia.
Em um dos indícios de corrupção, o miliciano Orlando Curicica afirmou em depoimento que sofreu extorsão junto com sua mulher na Delegacia de Homicídios. Na época em que Rivaldo era chefe da DH, uma quantia de R$ 20 mil foi entregue a um subordinado do delegado para que um crime de porte de arma de fogo não fosse imputado à ela.
Sumiço de inquéritos
Em depoimento ao Gaeco/RJ (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizadono) no dia 12 de abril de 2019, Marcelle Souza, filha de Marcos Falcon, revelou que o delegado responsável pelo caso do assassinato de seu pai, Brenno Carnevale, externou certo descontentamento com as ingerências praticadas por Rivaldo Barbosa na investigação.
Ele teria lhe dito que, diante de novas descobertas sobre o caso, era para "não mexer em nada e passar diretamente para ele". Além disso, Brenno teria revelado à Marcelle o sumiço repentino dos procedimentos apuratórios atrelados a Falcon e Pereira que estavam em sua carga de inquéritos.
"Marcelle ressaltou que todos com quem conversava sobre a morte de seu pai, sobretudo policiais, desestimulavam-na a procurar a DH, pois esta delegacia estaria 'comprada' e de nada adiantaria o seu empenho", diz trecho do relatório.
Também consta no documento, que entre as situações "estranhas" vivenciadas pelo delegado Brenno Carnavale, ele narrou o sumiço de inquéritos, como o de André Serralho após um despacho solicitando o depoimento de um miliciano.
Em outro episódio, foi retirado o inquérito envolvendo a morte de Haylton Escafura, filho do contraventor conhecido como Piruinha, sem explicações.
Zé Personal
O inquérito envolvendo o homicídio de José Luis Lopes, o Zé Personal, decorrente da disputa pelo espólio da contravenção de Waldomiro Paes Garcia, o Maninho, também foi marcado por "inefetividade", tendo sido percebida gravíssima "omissão deliberada" do promotor de Justiça Homero de Neves.
"Caso fosse efetivamente investigado, uma série de homicídios atribuídos ao Capitão Adriano e ao Escritório do Crime poderiam ter sido evitados", ressalta o relatório da PF.
O promotor Homero foi responsável pelo controle externo da investigação da morte de Marielle e Anderson, de março a julho de 2018, período sensível para a captação de elementos de convicção. Na ocasião, o promotor foi promovido a Procurador de Justiça, carreira que não perdurou por muito tempo, já que ele se aposentou, em 1º de fevereiro de 2019.
"Não à toa, as investigações do Caso Marielle e Anderson somente começaram a avançar após a vacância de Homero", acrescenta a PF.
Inquérito de Haylton Escafura
No inquérito envolvendo o homicídio de Haylton Escafura, a PF destaca que apesar do potencial para ser solucionado, a investigação não avançou.
Haylton Escafura era filho do contraventor conhecido como Piruinha, membro da Velha Cúpula do Jogo do Bicho. Em 2017, ante a já avançada idade de seu pai, tomava, aos poucos, as redes dos negócios espúrios da família, quando foi brutalmente assassinado com uma policial militar em uma suíte situada no 8º andar do Hotel Transamérica, localizado na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro.
"Em que pese toda a dinâmica delituosa ter ocorrido às claras, ou seja, durante o dia, num importante hotel situado em um dos bairros mais nobres da capital fluminense, a apuração não foi adiante", reforça o documento.
Por fim, o homicídio contra o miliciano Geraldo Pereira também foi criticado por não apresentar resultados. "Foi mais um cujo inquérito instaurado se detectou a concessão de 'indefinidas dilações de prazo, sem efetivo avanço das investigações pelo promotor Homero Neves", diz o texto da PF.
O relatório conclui que as "estranhezas investigativas" envolvendo a DHC de Rivaldo Barbosa não se restringiram às notícias de criminosos extorquidos, mas foram comunicadas aos órgãos oficiais de controle.
A Polícia Federal destaca ainda que Rivaldo lucrava enquanto as organizações criminosas empilhavam corpos pela Região Metropolitana do Rio de Janeiro. "A criação desse ambiente pernicioso permitiu o fortalecimento de grupos criminosos, tendo em vista que a omissão deliberada na repressão dos crimes de homicídio tem o condão de cultivar um ambiente fértil para todo o tipo de criminalidade, sendo esse crime o esgoto no qual desaguam os reflexos dos demais", diz o relatório. 
A PF analisa como o crime se desenrolava. "Uma das premissas em que se baseava esse comportamento omissivo na repressão de tais crimes era a de que os vagabundos se matavam entre eles. Assim, cabia à Divisão de Homicídios somente auferir os lucros dessa guerra sangrenta. Todavia, conforme se afere no presente caso, a atuação com base em tal princípio saiu de controle e levou à execução de uma vereadora cuja trajetória jamais perpassou pela criminalidade, além de seu inocente motorista", diz o relatório final da PF.
O DIA tenta contato com a defesa de Rivaldo Barbosa e com o procurador aposentado Homero Neves. O espaço está aberto para manifestação.