Conselheiro do TCE-RJ, Domingos Brazão é um dos suspeitos de mandar matar Marielle Franco Maíra Coelho / arquivo O Dia

Rio- A Polícia Federal apontou em um relatório que Domingos Brazão, preso no domingo (24) por ser suspeito de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, "esteve ao longo dos anos envolto em uma névoa criminal". Também foram presos Chiquinho Brazão e Rivaldo Barbosa. Outras quatro pessoas são alvo de busca e apreensão. 

De acordo com o documento, os casos nunca foram comentados "em razão das relações político-estatais por ele construídas." A PF diz ainda que Brazão sempre se cercou de policiais, parlamentares, políticos, Conselheiros dos Tribunais de Contas e líderes de organizações criminosas que exploram atividades típicas de milícias. Ele é apontado como o "líder do Clã Brazão".

A corporação afirma ainda que a trajetória de Domingos Brazão e de seus comparsas é uma “evidência inequívoca de como se estrutura e se insere uma organização criminosa na base da sociedade brasileira”.

“Muitas foram as chances que o poder público teve de frear a expansão de suas atividades, antes que elas desaguassem nos homicídios ora investigados”, diz o relatório, que afirma que as provas "deixam claro que as execuções [de Marielle e Anderson] não foram um caso isolado, mas fruto da corrupção e da inércia dos três Poderes na condução da coisa pública, seja na esfera estadual, seja na esfera federal", aponta.

O relatório diz ainda que o disque-denúncia recebeu dezenas de relatos que apontavam a participação de diversos atores em crimes contra o meio ambiente, contra o patrimônio, contra a administração pública e, até mesmo, contra a vida. “Em que pese isso, não há registro de providências tomadas, o que evidencia que os tentáculos do grupo criminoso aqui desnudado estão alicerçados na máquina pública”, conclui.

Envolvimento em escândalos

Em tópico do documento, a Polícia Federal aponta envolvimentos criminosos de Domingos Brazão desde 2003. Em 2000, Brazão entrou na Comissão Parlamentar de Inquérito da Mineração da ALERJ. Em 2003, a CPI foi acusada de tentar extorquir R$ 1 milhão da empresa BRJ Bank.

No mesmo ano, houve grande quantidade de fraudes no que diz respeito à adulteração de combustíveis, sonegação fiscal e homicídios no Estado do Rio de Janeiro relacionados à chamada “Máfia dos Combustíveis”, o que levou a Câmara dos Deputados a instalar a “CPI dos Combustíveis”, com a finalidade de investigar operações no setor relacionadas com a sonegação dos tributos, máfia, adulteração e suposta indústria de liminares.

Em 2004, foi deflagrada a Operação Poeira no Asfalto, que apontou empresários e servidores públicos, dentre os quais policiais rodoviários federais, envolvidos no esquema. Um deles era Renan de Macedo Leite, que foi lotado no Gabinete do então Deputado Estadual, Domingos Brazão, na Alerj, além de constar na lista de doadores da campanha do, à época Vereador Chiquinho Brazão. Renan levanta supostas pessoas que serviram como intermediárias de Domingos no ramo de combustíveis. O relatório ainda cita algumas dessas pessoas, como Alice de Mello Kroff Brazão e Walter Alcantelado.

Dentre diversos envolvimentos, o material cita ainda um documento que aponta extorsões de policiais rodoviários federais e civis, dentre os quais estavam Claudio da Gama, citado pela testemunha como sendo uma pessoa de Brazão.

“Em 2004 o Jornal O Globo publicou uma série de denúncias intitulada “Os homens de bens da ALERJ”. As matérias tiveram o condão de mexer com a estrutura da persecução penal do Rio de Janeiro. Assim, segundo matéria veiculada no dia 25 de abril de 2006, o Ministério Público do Rio de Janeiro deflagrou uma investigação criminal, dividida em quatro inquéritos, a fim de apurar o envolvimento de cinco Deputados Estaduais com a máfia dos combustíveis”, aponta o relatório.

O Procurador de Justiça Alexandre Marinho, assessor criminal do ProcuradorGeral de Justiça à época, Marfan Martins Ferreira, certificou que tais procedimentos consistiam em “sonegação fiscal, crimes contra o consumidor, crimes contra a administração pública e crimes contra o patrimônio (receptação)”. Ainda de acordo com Marinho, Domingos Brazão seria o principal investigado. Entretanto, não foram encontradas denúncias, ações penais, tampouco notícias sobre o desfecho de tais investigações.

Desmanche de veículos

Aos 24 anos de idade, Domingos abriu a empresa “Sangue Bom Autopeças”, com sede no município de São João de Meriti, na Região Metropolitana do Rio, em sociedade com seus irmãos Chiquinho e Manoel Inácio.

Cerca de quatro anos depois, a empresa teve o objeto de seu contrato social alterado de “oficina, mecânica e lanternagem” para “comércio de veículos novos, usados e sinistrados”, alterando ainda sua denominação social para “Douflas Veículos”.

A empresa teve suas atividades encerradas pela Receita Federal por omissão contumaz, que acontece quando uma empresa deixa de apresentar suas declarações contábeis junto à Receita Federal, por mais de cinco anos seguidos, e realizou seu distrato social em março de 2005. O relato foi encaminhado ao Disque-Denúncia em abril de 2005, cerca de um mês após o encerramento formal da empresa, e noticiava o desmanche de veículos roubados naquele local. Em novembro, houve novo relato reiterando tais fatos.
Disque-denúncia recebeu dezenas de relatos que apontavam a participação de Brazão em crimes - Divulgação/PF
Disque-denúncia recebeu dezenas de relatos que apontavam a participação de Brazão em crimesDivulgação/PF


“O vínculo dos Brazão com desmanche de carros não se limita aos relatos do Disque-Denúncia. Ainda em 1999, seus irmãos ingressaram no quadro societário da empresa Ferro Velho Nova Entrada, que teria sido investigada sob a suspeita de comercializar peças de automóveis roubados. Menos de um ano após o ingresso na empresa, Manoel retira-se dando lugar a Walter Alcantelado, já mencionado laranja da família, e a Ronald Pereira indiciado pela Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos Automotores Terrestres como incurso nas sanções previstas no artigo 180, do Código Penal”, afirma o relatório.
Além disso, a empresa teve suas atividades encerradas pela Receita Federal por omissão de declarações. Em 2001, a Polícia Civil investigou Marcelo Simas, suspeito de negociar veículos oriundos de roubo e furto.

Em depoimento na 17ª DP (São Cristóvão), Marcelo afirmou ter vendido dois veículos a Domingos que, por sua vez, admitiu possuir veículos dos modelos citados. No entanto, as investigações em face de Brazão não avançaram. “Assim, apesar de alguns dos seus associados ostentarem antecedentes criminais envolvendo receptações e afins, Domingos passou ileso”, afirma o documento.