Rio - Depois de baterem todos os recordes possíveis e imagináveis, os irmãos Felipe Neto, 29 anos, e Luccas Neto, 25, podem dizer que 2017 foi o ano deles. O sucesso nas plataformas digitais transbordou para os palcos, livrarias, quiosque de coxinha e até patrocínio em time de futebol. Ao juntarem suas forças, os cariocas se tornaram os maiores vloggers do mundo em número de novos inscritos. O canal que têm em conjunto, Irmãos Neto, alcançou a marca de um milhão de seguidores em apenas 24 horas.
"Foi sem dúvida o maior ano da minha vida. A gente tinha um planejamento de fato, de como seguir alguns objetivos, mas nunca imaginamos que daria tão certo, batendo tantos recordes. O Irmãos Neto se tornou o canal que ganhou inscritos mais rápido na história do YouTube. Eu fiz uma live que foi recordista no mundo, com 314 mil pessoas assistindo simultaneamente. O Luccas também bateu vários recordes, cresceu monstruosamente. Então tudo foi muito surpreendente para a gente. Embora tenhamos feito um planejamento e traçado objetivos, não esperávamos que tudo fosse ser tão grande. Foi o ano mais feliz da minha vida e também o ano em que eu mais trabalhei na minha vida", comemora Felipe.
Mas nem tudo são flores. Eles reconhecem que tiveram que abrir mão de muitos momentos de lazer ou em família para alcançar resultados tão impactantes. "Há um sacrifício muito grande da nossa parte, da nossa vida pessoal. Existe uma dificuldade de conseguir conciliar uma vida normal com criação de conteúdo diário. A gente sacrifica muito em função da paixão que tem por criar conteúdo. Em resumo foi um ano de muito suor, muito trabalho, muita felicidade, mas também muita dureza", analisa o mais velho dos irmãos.
Prova disso é o fato de que apesar de morarem em uma verdadeira mansão na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, poucas foram as vezes em que eles conseguiram tempo para aproveitar a casa.
"Não dá para aproveitar tanto. A gente ama morar aqui, mas o Luccas aproveita essa parte bem mais que eu, porque ele grava na piscina e nesses ambientes de curtição. Nós temos perfis muito distintos de conteúdo. Eu gravo mais no estúdio. Até cheguei a dar dois churrascos aqui com os amigos, recebi a galera. Mas depois que comecei meu espetáculo não deu mais. Nos dias de semana eu gravo os vídeos e nos finais de semana pego um avião e viajo para as cidades em que vou fazer a peça. Ficar sem fazer nada, curtir a casa, isso realmente é bem difícil quando você faz conteúdo todo dia", explica.
"A casa é tão grande que a gente não se vê. O Luccas montou um apartamento no quarto dele. É todo equipado. O quarto dele tem cozinha, microondas, geladeira, pia... Eu fico no outro ponto do andar. Gravo no andar de baixo e fico o dia inteiro trabalhando no de cima. A gente não se vê. Moramos juntos mas só nos vemos quando alguém diz 'vamos jogar futebol', aí a gente vai", diz Felipe.
Para dar conta de tantos compromissos, Felipe e Luccas contam com a Take 4 Content, empresa que gerencia os canais individuais e também o canal conjunto dos irmãos.
"O João Pedro Paes Leme (um dos sócios da Take 4) trabalhou comigo na Globo. A gente ficou um bom tempo sem contato, mas quando ele pediu demissão para criar o próprio negócio acabou me procurando por saber que eu já circulava dentro do empreendedorismo digital. Eu apresentei o Luccas para ele e ele me apresentou o Cassiano Scarambone e a gente viu que tinha um casamento perfeito ali para a criação da empresa. O João Pedro tem 20 anos trabalhando dentro do mercado audiovisual, dentro da Rede Globo, então ele tem uma visão muito diferenciada. O Cassiano vem também de uma visão de 20 anos trabalhando com criação de conteúdo. Tudo isso fez com que a Take 4 tivesse muita robustez, muita experiência. O João Pedro e o Cassiano são dois gênios e o Luccas nem se fala, é um menino brilhante que consegue cativar as crianças como ninguém".
Felipe já foi dono de uma empresa, a Paramaker, que foi vendida em 2015, mas percebeu que não gosta de gerir e, sim, de empreender. Apesar de não ser sócio da Take 4 Content como Luccas, Felipe é o principal agenciado. "Eu não sou um gestor de empresas. Eu passei por essa experiência com a Paramaker e foi o suficiente para perceber que não é o que me desperta. Eu sou um cara que gosta de criar projetos, gosta de criar negócios, criar oportunidades, fazer com que elas aconteçam e depois disso colocar alguém competente para tocar. Hoje dentro da Take 4 eu tenho muito essa liberdade de poder criar, apresentar, de mostrar e fazer as coisas acontecerem sem ter que ficar diretamente no gerenciamento do dia a dia".
Público infantojuvenil
Enquanto Felipe tem um público mais adolescente, Luccas conversa mais com as crianças. O vídeo em que entrou em uma banheira cheia de Nutella é um dos mais assistidos de seu canal. Ele também faz muito sucesso com vídeos em que experimenta comidas diferentes e abre caixas de brinquedos.
"Eu tenho uma responsabilidade muito grande. Faço um trabalho para ver as crianças se divertindo e brincando, mas sem maldade. Minhas inspirações são filmes e outros programas. Sempre quis entrar em uma banheira de chocolate desde que assisti à 'Fantástica Fábrica de Chocolate'. No 'Passa ou Repassa', do Celso Portiolli, tinha muita brincadeira com sujeira. Hoje muitos youtubers são amigos do Celso Portiolli, mas criticam o meu conteúdo. Eu luto para essa contradição acabar e todo mundo ser feliz junto, se divertindo", afirma Luccas.
"Há bastante preconceito e inveja com o sucesso das pessoas. Eu sei porque já passei por isso na pele. Já critiquei algumas pessoas, mas depois falei 'vou parar de olhar o sucesso dos outros e vou olhar o meu sucesso'. A gente (ele e o irmão) tem mais de 60 funcionários. É uma responsabilidade muito grande. As pessoas precisam parar para pensar que estou produzindo conteúdo infantil, mas também estou gerando emprego. Estou ajudando o país. Famílias se sustentam graças a isso. Vamos parar de olhar o lado crítico da coisa e vamos ver o lado social", completa.
Felipe relembra a época em que o conteúdo infantil na televisão entrou em uma espécie de "vazio" e comemora o fato de as crianças atualmente terem diversas opções de programação nacional no YouTube e na Internet. "Entre eu e o Luccas tem quatro anos de diferença, mas esses quatro anos foram justamente uma fase transitória. Eu peguei toda a reta final da Xuxa e o vazio que ficou depois dela. Quando o Luccas começou a consumir conteúdo, a TV só tinha desenhos internacionais. Até a 'TV Cruj' (programa infantil muito popular exibido pelo SBT nos anos 90), que era um produto nacional, era voltado para exibir desenhos de fora".
"Eu acho muito errado, hoje, a gente apontar dedo para aquela época e dizer que a Xuxa usava mini saia e o É O Tchan dançava 'na boquinha da garrafa'. Os pais dançavam junto. Eu lembro da minha avó me incentivando a dançar essas músicas. Não existia essa evolução que tem hoje. Acho que a gente está hiper sensível. Tem muita coisa que está sendo problematizada sem necessidade. A gente não pode apontar o dedo. A 'Banheira do Gugu' marcou uma época. Eu tinha 10 anos e assistia aquilo torcendo para vazar um peito e ninguém tinha problemas com isso. Eu e o Luccas temos muito mais gente olhando, censurando, combatendo o nosso conteúdo. As vezes até de uma maneira exagerada".
O início
Felipe sempre quis ser ator e criou o canal "Não Faz Sentido", em 2010, por diversão. "Lá no início, criei o canal para me divertir. Queria mostrar para os amigos, fazer uma coisa diferente, criar vídeos. Se fosse para dar audiência, beleza. Se não desse, não tinha problema nenhum. Desde criança sempre sonhei em ser ator, mas nunca imaginei que seria realidade porque a gente não tinha dinheiro, não conhecia ninguém no mercado. Com 20 anos fiz a CAL (Casa de Artes de Laranjeiras), mas nunca pensei que seria realidade. Era uma coisa bem distante".
Ele começou a perceber que daria para viver da criação de conteúdo para Internet quando conseguiu seu primeiro contrato publicitário. "Quando os números começaram a bater a casa dos milhões e comecei a receber proposta de publicidade, comecei a ser reconhecido na rua... foi muito transformador imaginar que de fato aquilo poderia se tornar uma profissão, uma coisa séria".
Luccas, que antes só atuava atrás das câmeras, começou a pensar em criar seu canal por influência do irmão. "Felipe foi uma inspiração para eu começar a gravar. Pena que demorou um pouquinho para eu resolver começar. Eu tinha muitas outras coisas para resolver, queria seguir outro caminho. Eu sempre ficava atrás das câmeras. Criando conteúdo, mas por trás das câmeras. Não era a estrela principal".
A guinada que fez Luccas mostrar o rosto nos vídeos foi a venda da Paramaker. "A decisão de começar a gravar surgiu por tempo sobrando. Hoje em dia eu estou atrás de tempo, agora está faltando. Mas eu comecei a gravar por tempo sobrando depois da venda da Paramaker. E deu supercerto. Esse é o melhor momento da minha vida. De verdade. Hoje eu sou o canal mais assistido do Brasil. Não existe no YouTube alguém que explodiu do zero até chegar onde eu cheguei tão rápido".
Irmãos Neto
Para João Pedro Paes Leme, um dos sócios da Take 4, o sucesso do canal Irmãos Neto se deve ao planejamento antes do lançamento, mas também ao alcance de Luccas e Felipe no meio digital. "O Luccas e o Felipe têm um alcance fenomenal. Eles são capazes de transferir muita audiência para os canais. Criamos vários conteúdos antes de o canal ir ao ar e fizemos um lançamento em etapas para criar muito suspense e gerar expectativa do público. Eu confesso que tinha a convicção de que faríamos história. Mas achei que levaríamos três dias para chegar a um milhão. 24 horas foi um recorde que pegou todos de surpresa. Mesmo assim cheguei mais perto que o Felipe. Ele acreditava que chegaríamos a um milhão em um mês", diverte-se.
Outro projeto que deu muito certo foi o aplicativo Felipe Neto Oficial. Mesmo fazendo tanto sucesso com o YouTube, Felipe explica que não pode depender de uma única plataforma. "Hoje os vídeos do aplicativo estão batendo mais de 200 mil visualizações, isso já é uma prova de que dá para viver além do Youtube. Se o Logan Paul e o PewDiePie, que são os dois maiores criadores de conteúdo do YouTube de forma global, sofreram sanções, o que impede essa plataforma de fazer isso comigo ou com o Luccas. Não posso depender da decisão de uma única plataforma e das pessoas que trabalham lá. Eu criei o aplicativo para isso, para ter um refúgio, um lugar que é meu. É uma forma de garantir que mesmo que o YouTube decida fechar o meu canal amanhã, eu tenho uma forma de me comunicar com meus fãs".
Apesar de pago, o aplicativo ficou entre os mais baixados, ultrapassando até mesmo Whatsapp e Instagram, por exemplo. "O app é um sucesso por ser 'freemium', ou seja, tem uma parte gratuita e outra premium. O número de pagantes é bem menor do que o de não pagantes. Mas este é um processo de aprendizado e tem a ver com a cultura de cada país. Nos países emergentes, é esse o comportamento normal por razões econômicas também, já que as pessoas usam o cartão de crédito, muitas vezes, para se endividar e não para ter mais uma opção de gestão do próprio dinheiro", explica João Pedro Paes Leme.
Botafogo desde criancinha
Em 2017, os irmãos chamaram atenção também no mundo dos esportes. É que a "Neto's", empresa do ramo alimentício que pertence aos dois, acertou uma parceria com o Botafogo. "Sempre foi um sonho me aproximar o máximo possível do clube. É uma paixão eterna desde que eu sou criança, um amor muito grande. A parceria surgiu conversando com o vice-presidente de marketing do Botafogo, Marcio Padilha, com quem eu já tinha uma proximidade. Já tínhamos conversado sobre fazermos coisas juntos, mas nunca tinha evoluído de fato. O Botafogo, como qualquer time de futebol, é uma instituição muito tradicional. Então você tem pessoas bem mais velhas no comando. Os Cartolas são pessoas mais tradicionais e antigas de mercado. Eu sabia que havia uma barreira a ser quebrada e essa barreira era mostrar para o Botafogo o potencial de se associar com os Irmãos Neto. Quando eu enxerguei que era essa barreira que precisava ser furada, a gente veio com a ideia do patrocínio pontual", explica.
"Falei: 'vamos fazer o patrocínio de um jogo só. Quero mostrar para os Cartolas o que vai acontecer de repercussão'. E aí não deu outra. A gente patrocinou o jogo contra o Palmeiras e repercutiu na Europa, na Argentina. No mundo inteiro se falou dessa parceria. Eu acredito que foi, se não o maior, um dos maiores cases de patrocínio pontual da história do futebol. Se fosse medir o quanto gerou de mídia espontânea, foram milhões de reais. Isso mostrou a força de você associar um time de futebol a influenciadores. Não à toa o Vasco logo no jogo seguinte chamou o Whindersson Nunes para o estádio para dar uma resposta. E eu achei inteligente da parte do Vasco. Mas desde o início eu sabia que seria algo muito maior. Meu objetivo ali, além de obviamente expor a marca Neto's era o de renovação da torcida", conta Felipe, que acredita que atualmente as crianças torcem mais para times internacionais que para os brasileiros.
"Eu e o Luccas falamos muito com criança e adolescente e a gente percebeu que esse público está desligado do futebol. Está torcendo cada vez mais pelo Neymar do que por um clube brasileiro. A criança torce mais pelo PSG do que pelo Flamengo, porque mesmo o pai sendo flamenguista, o PSG tem o Neymar. Então, enxergando esse buraco eu falei que queria poder renovar o torcedor do Botafogo, mostrar para a criançada que é legal torcer por um clube brasileiro. E associar a Neto's com o Botafogo está fazendo exatamente isso. Agora a gente já fechou ao longo do ano todo com o Botafogo jogando com o patrocínio da Neto's na camisa", comemora.
Planos para o futuro
Se 2017 trouxe muitas conquistas, este ano promete ser ainda melhor. Depois do sucesso do livro "Felipe Neto: A Trajetória de Um dos Maiores Youtubers do Brasil", que foi o mais vendido do ano, Felipe e Luccas planejam um livro dos irmãos.
"Ficar em primeiro é surpreendente pra gente. Foi um trabalho muito bom, muito bem feito pela Ediouro e por todo mundo que estava envolvido no projeto. O livro tem um conteúdo muito bacana e por um preço acessível. Isso é fundamental também. O fato de ser R$ 19,90, pro público infantojuvenil, em um ano de crise, colabora. Eu estou muito feliz com o resultado do livro e pretendo lançar outros esse ano. A gente tem o planejamento de lançar bem mais coisas agora em 2018, baseado nesse sucesso que a gente fez em 2017", adianta Felipe.
Outro plano é expandir a rede de quiosques de coxinha dos irmãos, que surgiu por ideia do Luccas. "Ele (o Luccas) estava fazendo muitos vídeos de comida na época. Hoje ele tem dado uma leve parada, tem feito mais de brinquedo, mas era muito vídeo de comida. E ele tinha feito um vídeo que tinha explodido muito que era o vídeo da coxinha gigante e o da coxinha colorida. Aí ele falou: 'minha imagem está muito associada a coxinha, estou pensando em abrir um quiosque de coxinha no shopping. No início eu achei a ideia super maluca. Falei que era loucura, que precisava de uma estrutura muito grande e a gente não era do ramo alimentício. Só que aí entra justamente o fato de você estar cercado por pessoas incríveis. Na hora que o Luccas apresentou a ideia para o Cassiano e para o João Pedro, o Cassiano além de se animar para caramba imediatamente começou a levar o negócio pra frente. Junto com o Luccas, eles fizeram reuniões com a Lecadô e daí nasceu esse casamento. E aí a gente criou a Neto's", explica Felipe.
"Foi um projeto que o Luccas tocou muito mais que eu, inclusive. Foi muito bacana, o resultado foi incrível. O quiosque está sempre lotado, a gente pretende abrir pelo menos mais 100 franquias no Brasil inteiro. Por enquanto temos uma só, mas já estamos com algumas na agulha. Em fevereiro, abriremos mais uma no Norte Shopping".